"Marque uma das opções abaixo (ou crie uma de punho próprio, na caixa de comentários do blog) para responder à pergunta: por que está tão fácil expulsar o tráfico dos morros do Rio?
Um escoteiro no Morro da Formiga seria mais do que suficiente”, disse o tenente-coronel Fernando Príncipe, comandante do 6°BPM, sobre a chegada das UPPs à Tijuca. O governador criticou a declaração e Príncipe foi transferido, mas, para quem acompanhava de longe, ele parecia estar certo: a ocupação de sete morros de notória violência se passou sem um tiro. Tivesse chegado esta semana de Alfa Centauro, eu leria tal notícia com êxtase. Tendo atravessado as últimas quatro décadas no Rio de Janeiro, achei sensacional, mas estranho. Muito estranho. Todo esse tempo fui levado a crer, tanto pelos meus próprios olhos quanto por declarações de comandantes da polícia e governantes, que o armamento nas favelas mais perigosas vinha num crescendo tal que o “poder paralelo” já alcançara a superioridade na “guerra civil” carioca. Uma semana denunciavam que traficantes passavam por treinamento de guerrilha com as Farc, na outra um helicóptero era derrubado à vista de todos, ou apreendiam armas de uso exclusivo do Bruce Willis. Ou um especialista em alguma coisa dizia que a complexa topografia dos morros e o apoio da população local tornava os bandidos inatingíveis. O grande tabu, a grande guerra, a grande impossibilidade, era existir polícia no morro. E eis que, de repente, a gente descobre que um escoteiro daria conta? Como do escotismo só conheço Huguinho, Zezinho e Luisinho, penso em outras possibilidades para nos recompor da surpresa.
(A) Nunca antes foi possível fazer nada, mas agora Bangu 1 decidiu abrir caminho pacificamente por ter um fraco pela ginástica olímpica. Os chefões não queriam correr risco de o COI retirar os jogos de 2016 do Rio e perder a chance de ver ao vivo a prova de cavalo com alças. Ademais, como bons cariocas, nada os preocupa mais que a imagem da cidade no exterior. Essa é uma hipótese polêmica, eu sei. Sempre vai ter alguém para contestar e dizer que, na verdade, a galera do Comando Vermelho acompanha mesmo é o badminton.
(B) Sempre foi possível haver segurança nas favelas, mas nunca ocorreu a um governador pedir tal favor aos escoteiros — nem à polícia. E por que não? Já ouvi teorias conspiratórias em mesa de bar sobre o governador Fulano ter pacto firmado com o traficante Beltrano, ou que o governador Sicrano não agia para não perder votos nos morros. Não creio, políticos cariocas e fluminenses têm caráter impoluto, acho que são só distraídos. A vida é tão corrida, né? Ainda mais a deles, que, ano sim, ano não, vivem ocupadíssimos com eleições. Como achar tempo para organizar uma força policial e mostrar presença do Estado nas favelas? Uma vez que isso se mostra possível, porém, não custa chamar nossos ex-governadores a explicar por que não tentaram algo tão óbvio antes. Centenas de vidas de moradores do asfalto, e sobretudo do morro, teriam sido poupadas se tudo houvesse começado há quatro, oito, doze, 40 anos… Por que não uma CPI para desvendar esse mistério? Essa resposta eu sei! Porque dependeria da Alerj.
(C) Nunca antes foi possível agir contra o poder paralelo, e continua não sendo, está bom demais para ser verdade e aí tem coisa. Em ano eleitoral, novas teorias conspiratórias surgirão, algumas serão espalhadas com dolo, outras espontaneamente. E as teorias paranóicas continuarão por muito tempo: os bandidos estão se reaparelhando para contra-atacar, a violência ficará mais
dispersa ou apenas mudará de região. Estas são as hipóteses apocalípticas e pessimistas, mas como evitá-las? A ocupação do Borel foi anunciada e muitos cariocas, como eu, passaram o dia preocupados, buscando notícias sobre o número de mortos - e não houve um só tiro. Um roteirista de filme de guerra não ousaria tal reversão de expectativa, a plateia acharia inverossímil, estranho. E Sérgio Cabral, com suas declarações vagas sobre a meia dúzia de líderes do tráfico que simplesmente deixou a comunidade antes da ocupação, não ajuda a minimizar o estranhamento.
(D) Nunca antes foi possível, mas agora é. Em parte porque há um alinhamento de egos nos governos federal, estadual e municipal; todos interessados em fazer bonito diante da Copa e das Olimpíadas. E em parte porque, independentemente da inoperância vil de seus antecessores, essa ação precisava ser amadurecida por todos nós. Até bem pouco tempo, seguíamos nossa tradição colonialista e escravocrata de ignorar parte da população que crescia sem qualquer atenção do Estado. A preocupação do asfalto com o morro é recente, surgiu e cresceu quando um passou a incomodar o outro. Ao mesmo tempo, a violência nas favelas ficou tão grave que os bandidos foram perdendo o apoio dos moradores. A sociedade, (quase) toda ela, finalmente entendeu que não há segurança para um enquanto não houver para todos, e o mesmo há que se dizer de educação e saúde. É o primeiro passo para que possamos viver numa cidade mais igualitária e pacífica. Esta é a hipótese otimista e utópica, mas como evitá-la na cidade de São Jorge e São Sebastião?
(E) Nunca houve problema de violência ou poder paralelo no Rio, nada, nem uma bala perdida. Tudo invenção da mídia para favorecer São Paulo. Como não dava mais para sustentar esse teatro, criou-se outro para desfazer o anterior. Instaladas UPPs em todos os morros, a mídia vai começar a divulgar que o samba nasceu em São Paulo."
(F) Todas as opções acima.
ctrl+c - ctrl+v de O Globo, 02.05.2010