28.9.09

Bombom da sorte

Entro no ônibus, cansada de tanto caminhar pela Cidade Maravilhosa. Logo em seguida, entra ele com um pacote enorme de guloseimas: amendoins, chicletes, paçocas, balas, biscoitos e não lembro mais, mostrando que a cidade não é maravilhosa para todo mundo a toda hora.

Tudo devidamente agrupado por categorias e separado em pequenos saquinhos que valem apenas R$ 1,00: dois bombons, dois pacotes de amendoins salgados, dois pacotes de bala, duas barras de doces (chocolate ou goiabada), seis paçocas ou seis doces de leite. Todos os saquinhos são agrupados como se fosse um cacho de bananas ou uvas, na ponta um gancho que fica pendurado no corrimão alto do ônibus. Além disso, que parece pesado, ele carrega uma mochila com mais mercadoria e uma pochette com dinheiro, moedas, carteira de identidade, chave e celular.

Dizem que a mercadoria é roubada, mas acredito no suor do rosto, no esforço do braço, na simpatia da revenda e dou um real em troca de dois bombons “Serenata de Amor” que eu queria só para mim. Abro e na parte superior e interna da embalagem um desenho de um casal se beijando, o bombom crocante e saboroso me impedem de...Como saboreando até ler:

Beijo, a melhor coisa do mundo. Não há estudos profundos sobre o beijo. Provavelmente, no meio da pesquisa, os cientistas descobriram que é muito mais gostoso beijar do que sair por aí pesquisando.”

Falo sozinha com o papel, sorrio e confirmo a declaração, aliás, a premonição.

Aline Gama

21.9.09

A imagem em questão III - Ferida sobre a pele II



Quando vi essa foto coloquei a mão em cima. Faço isso com as dores e as feridas desde pequena, dizendo: “vai passar” ou “vai ficar boa”. Nos segundos antes de tirar a mão, desejava fortemente a cura. Sem dor, sem sangue e ainda sem o fogo sobre a pele da Terra, nunca foi possível remover as cicatrizes.

Aline Gama
Foto de Maria Elisa Franco do incêndio na Pedra da Gávea do dia 08.09.2009

14.9.09

Inside

Piso na areia da praia do Leblon e sinto a brisa quente. Tiro tudo e quase o biquini para entrar n’água. Tenho medo da superfície lisa do mar que não mostra quando as ondas azuis chegam, mas mergulho de cabeça.

Dentro d’água escolho as ondas que me fazem deslizar. Me sinto submersa. Penso em você que voa sobre água. Distância ou proximidade? Não sou de superfícies. Estou dentro. Faço curvas com corpo, jogo água nos banhistas, dou cambalhotas, giro, mudo o caminho, subo a onda, desço até quase a beira do mar. Inclino o corpo dou meia volta para o fundo que é o meu lugar.

Saio d’água. Sinto o sol banhar meu corpo de calor. O céu aponta a tempestade. O vento quente dá lugar ao sudoeste. Levanta areia, fecha o meu livro e toda a praia se transforma em folhas. Cadeiras, cangas, pessoas, barracas, isopores, tudo é leve e se move. A natureza é soberana.

Como se boquiaberta, assisto.

Aviso ao meu vizinho que não vai parar. Não penso em fotografar. Não penso em correr. Finco os meus pés na Terra e meus olhos na superfície lisa do mar transformada em carneirinhos. O vento atravessou países, estados, cidades, bairros e casas. Destruiu, matou, levou tudo até me envolver em seu canto.

Aline Gama para ALN
Rio, 08.09.2009

8.9.09

Cidade Pollyanna

Ouvi no telejornal, li nos jornais e na internet, mas entrei no site da Forbes para ler com os próprios olhos. A cidade do Rio de Janeiro foi eleita a mais feliz do mundo. O argumento é o mesmo de 500 anos atrás: as belezas naturais, as montanhas, as praias e a recepção calorosa dos índios que atualmente são chamados de carioca e inventaram o Carnaval.

Não se menciona a parte socioeconômica da cidade porque esse é o nosso lado triste. Não mostramos quando recebemos o PAN, o COI e muito menos aqueles que entram pelo Galeão e sentem o cheiro podre das águas da baia da Guanabara e passam por inúmeras favelas.

O PAN se foi e nada ficou além das promessas! Anotem: o mesmo poderá acontecer se recebermos as Olimpíadas em 2016. Não temos um sistema de transporte. Não temos Saúde Pública suficiente. Não temos um sistema educacional e uma segurança pública competentes. E ainda sim julgam-nos felizes. Até quando vamos ficar fazendo o jogo do contente?

Aline Gama