27.11.08

Era uma vez...um Palácio

Em uma quarta-feira, há uns quatro meses, tinha uma chata tarefa para resolver no Centro. Bairro do Rio de Janeiro que não fica no centro geográfico da cidade (basta dar uma olhada no mapa ao lado).

Resolvi então “pegar um cineminha” por lá para tornar o trabalho – banco e espera, procuração e fila, mais fila para carimbo - menos árduo. Fiz um convite que foi seguido de uma série falas. “Mas é filme de quê?”, “Esse horário lá no Centro tem muito tarado! Não é perigoso?”, “Tem cena de sexo?”, “Nunca gostei de ir ao cinema lá!”, “Você vai sozinha? Não é perigoso?”.

No caminho para o filme “Era uma vez...” as explicações. Há uns vinte anos, alguns cinemas do Centro passavam filmes pornográficos e as sessões não eram freqüentadas por senhoras distintas, homens de respeito, famílias, crianças e estudantes. Outras eram as categorias que qualificavam tais freqüentadores.

Na porta do cinema os primeiros gestos de surpresa com a fila, o microfone, os computadores, a impressora do ingresso, o refrigerante, a pipoca e a cadeira iguais a qualquer outro cinema. Só que ali pertinho da rua, no caminho da tarefa e ao alcance dos pés estava o Cinema Palácio sem concorrer com corredores de lojas, ar condicionado e luzes brancas.

Outro dia, mais uma incumbência árdua no Centro. Abro o caderno de cultura do jornal e está escrito FECHADO.

No microscópio, Aline Gama

24.11.08

Na próxima segunda...



Para ler a programação clicar na imagem.

Errei ao informar o horário da mesa - A antropologia audiovisual que praticamos - da qual participam Sylvia Caiuby, Francine Saillant e Clarice Peixoto. Esta mesa está programada para 11h, às 14h será a mesa com apresentação de trabalhos hiper interessantes de ex-alunos de Mestrado e Doutorado.

Do boteco, Aline Gama

20.11.08

Modus operandi

Tenho que escrever um texto baseado em um vídeo sobre um homem que mora em um lugar no Rio de Janeiro. Para não escrever sobre ele aqui ou sobre um outro filme, que não sai da minha cabeça, decidi escrever sobre o meu modus operandi.

Nos primeiros dias que o vídeo estava em minhas mãos assisti duas vezes completo com entrevistas e comentários. Procurei textos e encontrei referências em algumas mostras. Li tudo. Li também outros textos sobre outros vídeos do Rio para ter uma noção das escolhas do que é importante levar para o texto, que deve discutir as questões do vídeo e convidar outros a assistir. Com alguns não concordei. Entre as leituras, vi mais três vezes só o filme e comecei algumas anotações de imagens e falas que chamaram atenção.

Nos momentos que parecem ser de ócio pratico tai chi, caminho, corro, pego onda, converso, faço shiatsu, assisto TV e filmes, leio, ouço música, etc que contribuem com sons, palavras, imagens, cheiros e cores para o texto em gestação.

Escrevo o texto mentalmente: essa idéia é mais importante que essa; vou citar esse autor aqui; não vou citar tantos outros filmes e autores que até podem ter a ver com o filme, mas não cabem no meu texto.

Verei o filme mais três vezes, para anotações finais e ao revê-lo vou abrir minha bibliografia e encontrar os autores escolhidos e suas idéias. Assim, as idéias fluirão da cabeça até o peito, descerão pelos braços até as mãos que apertarão as teclas que farão aparecer na tela o texto que ficará em um arquivo durante dois dias sem ser lido até o acerto final para entrega na próxima semana.

Aline Gama no microscópio

17.11.08

Reencontro

eu posso, ele não pode,
eu não posso, ele não pode,
eu posso, ele pode, o e-mail não é escrito e o telefone não toca
eu não posso, ele sim e o telefone não toca
eu não, ele pode, o e-mail é escrito e o telefone só toca

eu posso, ela não pode,
eu não, ela sim
eu sim, ela não pode,
o e-mail e o telefone, eu posso e ela também

Atualizamos os medos, as alegrias, as conquistas, as relações amorosas, os textos, os problemas, as dúvidas, as dividas, o além e o aqui como se os meses e as existências tivessem o tempo do agorinha a pouco, aqui mesmo nessa mesa de bar ou nesse sofá. Abreviamos o encontro de céu e mar.

Do boteco, Aline Gama

13.11.08

A coruja e o Noé

JR estava trabalhando em Botafogo quando vê uma coruja em um galho bem na altura de sua janela. Percebe que o bicho está com uma secreção no olho. Imediatamente, passa a mão no telefone e liga para o IBAMA. Boa tarde, eu gostaria de uma informação. Estou vendo uma coruja da minha janela que parece estar doente, com que departamento falo sobre resgate de animais aqui no Rio? Olha, o senhor me desculpe, mas deve ser em outra instituição, aqui não existe esse serviço. Como não? Eu estou falando com o IBAMA, certo? Certo senhor, mas não temos esse serviço. O que o senhor pode fazer é ligar para alguns veterinários e levar o animal para ele cuidar. Eu tenho alguns telefones, você quer anotar? Eu levar, como assim? Coruja é uma ave de rapina e eu... Anota ai...Ok, mas quem vai pagar por isso? E isso é muito complicado, normalmente, quem acha é que paga. Será que o zoológico pode fazer isso? Essa informação eu também não tenho, mas posso te passar o telefone de lá. JR Noé de olho na coruja inspira fundo, expira, levanta vai beber uma água...

É do zoológico? É, sim. Um momentinho que isso é com os técnicos. Vou transferir a ligação. Senhor, nós não fazemos serviço de recolhimento de animais. E além do mais, estamos com um bom número de corujas. Não precisamos de mais uma. Não precisam, como assim? Vocês deveriam cuidar e devolvê-la a floresta que é de onde ela deve ter vindo. E se eu levar até ai? Senhor, você não pode entrar com animais no zoológico, é proibido. Mas, mas... Então, tá me explica o que você acha que eu devo fazer? Noé de olho no olho da coruja pensa que absurdo, que absurdo!!! Olha, senhor, alguns animais são deixados aqui na porta e algumas vezes somos obrigados a pegá-los. Então, vocês vão cuidar dela? Senhor, não posso prometer nada.

É da veterinária? Claro, o senhor quer anotar o endereço? Ficamos em Niterói. Noé leva a mão à cabeça e pensa que precisa de alguém para ir com ele segurando a coruja na caixa. A arca de Noé atravessa então a Baia de Guanabara. O senhor pode ficar tranqüilo que quando ela estiver boa, vou soltá-la. Você quer que eu te avise? Aliás, você tem a carta do IBAMA. Carta? É, carta ou fax? Não! Senhor, você poderia ter sido preso por tráfico de animais!!! Normalmente, as pessoas passam um fax para o IBAMA pedindo autorização temporária para transporte do animal para o veterinário que demora até 48hs para ser respondido. É mesmo? Sabe, eu não consegui falar com a superintendência no Rio e tive que ligar para Brasília. Eles não sabiam me informar praticamente nada e não possuem nem um 0800...Pode deixar que amanhã peço a recepcionista da clínica para ligar para o IBAMA e pegar essa autorização. JR Noé volta para casa indignado e exausto.

Alguns anos depois, procuro no Google “IBAMA” abre a página sem nenhum link para contato ou telefone 0800 ou esclareça suas dúvidas ou índice de animais e plantas. Procuro então por “IBAMA + Rio de Janeiro”, abre a página com telefones e endereços errados da superintendência. Digito então “zoológico + Rio de Janeiro”. Ufa, página da prefeitura! Existe um telefone fale com os técnicos, clico em aves, apenas 19 espécies aparecem e nenhuma coruja.

No microscópio, Aline Gama

10.11.08

No Rio "mulher bonita não paga"

Você passa na Rua Alice? Passo, para onde você vai? Na verdade vou para Julio Otoni, é perto? Hum, é continuação...É perigoso, moço, eu caminhar até lá? Caminhar?! Não, não eu te deixo lá.

***

Oi, como faço para pegar chope nesse caminhão ai na frente? Olha, compra o ticket ali e pega. Ele sempre está aqui na porta da Escola? Não...Você está sozinha? Estou esperando um grupo de amigos que está para chegar(...) Então, vamos entrar? Vou comprar a entrada. Que isso, você e as suas amigas são minhas convidadas...Ai, braço¹, são todas convidadas do meu camarote! Falou chefia!!! (...) Você já desfilou? Sabe que não! Como assim uma carioca que nunca pisou na passarela? É... Tenho muita vontade. Se a gente fortalecer a amizade, te dou uma fantasia. Legal, vou pensar nisso(...)

¹ suponho que a gíria venha da expressão braço esquerdo que significa homem de confiança, apoio, amigo...

Do boteco, Aline Gama

6.11.08

Primeiro encontro

Depois de algumas trocas de e-mails conversando sobre trabalho, marcamos local e horário. Em uma das linhas percebo que talvez tenha recebido uma chave “como não nos conhecemos, uso óculos, aro vermelho”.

Podia ter escrito seu nome na busca do Google ou do Lattes. Algum filme ou foto revelaria sua imagem com um simples toque no mouse, mas não fiz e não quis. Apenas sabia das suas palavras e frases em artigos e referências acadêmicas. Isso me bastava...

Também não respondi tenho olhos castanhos ou sou magra e morena ou sou tímida e medrosa. Não falo, observo, observo e observo até encontrar um caminho para me expressar em imagens, poemas, conversas e olhares. Minhas palavras e frases você já conhecia e felizmente aceitou o encontro.

Pensei e hoje tenho certeza que os óculos, aro vermelho destacam o mundo visível. É o círculo vermelho em torno do café, da água com gás, das ervas e das lindas latas do chá. Do garçom, do texto marcado à lápis, das fotografias de dor e de O Grito. Da blusa verde e calça branca, do lenço rosa e calça jeans. O vermelho em torno das pessoas que passam e de tudo o mais que passará...

Leia mais:
Goffman, E. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis, Vozes: 1975.

No microscópio, Aline Gama

3.11.08

Em nome...



É sempre bom...
olhar cidade de outro lugar,
estar mais perto do céu,
cair e levantar
rir das mentiras do Marcos e
das histórias do Sylvio
ouvir as pessoas reclamarem
do mato,
da pedra,
da altura,
do horário,
do medo,
da morte,
das formigas...
ter medo e seguir em frente
beber uma cerva gelada no Edie
e capotar sem lembrar que a noite é de sábado...

Foto: Marcos Rabello - Trilhas do Rio de Janeiro

Do boteco, Aline Gama