29.9.08

Do interior para cidade grande

“Eis que no caixa presencio o seguinte diálogo:

Vendedora - Eu não entendo esse negócio de homem querer ser mulher..

Caixa - Nem eu! Isso é coisa de cidade grande porque lá no Ceará não tem esse negócio não. O cara não é homem e assim fica.

Vendedora - Isso não entra na minha cabeça ..

Caixa - Essas modas de cidade grande viram a cabeça das pessoas. Minha prima quase morreu quando o marido chegou na cidade de saia curta, silicone no peito, cabelão. O cara saiu de lá dizendo que vinha pro Rio ganhar dinheiro para sustentar a família e volta mulher!

Vendedora - E não avisou?

Caixa - Não!! A pobre quando viu parece que deu um derrame, quase morreu! Fez uma operação na cabeça, hoje ela tem até um lado mais fundo ... Menina, parou a cidade! Pra mim ele já saiu de lá com essa vontade. Mas tinha medo porque a cidade que minha prima mora é muito pequena. Veio pro Rio, cidade grande e aí deu no que deu..

Eu - Mas ele não avisou??

Caixa - Nadinha. Avisou que ia visitar a família e chegou lá mulher.

Depois de receber R$ 0,30 de troco tive que ir embora.

Até concordo com a moça do caixa: o bruto cabra devia ter um desejo incrível de sair do armário, mas devido a imposições sociais teve que agüentar o fogo no rabo e deixar para a cidade grande o privilégio de conhecer seu "eu-mulher". Mas não avisar a família eu já acho sacanagem. Melhor dizer que morreu, que não vai mais voltar, pedir divórcio e ser feliz. Chegar de surpresa de peito, cabelão, cílios postiços e salto alto, é golpe duro demais para a pobre esposa.”

Ctrl + c, Ctrl + v em trecho do texto da Narinha do HTP

Do boteco, Aline Gama

25.9.08

Eleições 2008 - entre o futuro e o infinitivo

As campanhas - falas, promessas e cobertura jornalística - das eleições só conjugam dois tempos verbais e nada explicam. Considerando a mídia superficial e partidária, vou aos sites de três dos meus possíveis candidatos e encontro variações sobre o mesmo tema.

Os verbos são cuidar, mudar, ampliar, transformar, acabar, diminuir, etc. Após os verbos os objetos diretos e indiretos variam entre saúde, educação, transporte e violência. Porém, nada dizem quando e como isso tudo vai acontecer. Alguns falam em parceria com a iniciativa privada, com o governo estadual ou federal, mas ninguém pergunta e eles não respondem:
- Como?
- Quais métodos?
- Em quais prazos?


Eleger um prefeito não é uma escolha lúdica, como a de um namorado ou a de uma religião. Não deveria se tratar de uma paixão cega e tampouco de uma crença fervorosa. Não vejo como votar sem as respostas. Preciso delas para ontem e por escrito para ler e refletir. Somente com elas em mãos, posso escolher legitimamente quem fará algo pela cidade. Só assim terei como cobrar caso as promessas não sejam cumpridas, as verbas desviadas e os prazos expirados.

No microscópio, Aline Gama

22.9.08

Ontem, hoje e amanhã também!


- Vou vender meu carro, te falei?
- Não!!!
- Não quero mais. Só me aborreço.

Hoje, 22 de setembro, é o Dia Mundial SEM CARRO, que aqui no Rio de Janeiro, se comemorou ontem, domingo, em um evento com bicicletas. Se houvesse alguma intenção de mudança, a prefeitura, governo estadual ou federal faria uma campanha com explicações óbvias sobre as vantagens diárias de se trocar o carro pelos transportes coletivos. No entanto, eles seriam cobrados pela total deficiência de metrôs, ônibus e trens e comprariam uma briga com a indústria automobilística. Logo, é mais fácil sugerir ridiculamente a bicicleta como meio de transporte.

Há alguns anos um professor fez a seguinte equação para a questão:
►Cálculo mensal do carro = IPVA dividido por 12 meses + Seguro dividido por 12 também + média de gasto com estacionamento semanal vezes 4 + média de gasto mensal com gasolina ou álcool + idas esporádicas ao mecânico = valor final
►Cálculo sem carro = ônibus ou metrô para ida e volta do trabalho vezes 5 dias da semana vezes 4 + saídas em fim de semana com ônibus ou metrô vezes 4 + uso eventuais de táxi (atrasos ou saídas a noite) = valor final
Fiz o cálculo e vendi meu carro. Hoje, não me desgasto com o trânsito, resolvo coisas no celular, leio o jornal ou alguma outra coisa e ainda economizo”, falou o professor Fernando.

Do boteco, Aline Gama.

17.9.08

Anônimos

Atravesso a rua e penso que quem estou vendo é realmente quem eu gostaria que não fosse naquele momento. Ameaço levantar os óculos escuros. Um cachorro late, o carro buzina e ele olha para o lado. Estou de biquíni, short, fone de ouvido e tênis. Ele de blusa colorida, calça jeans e óculos escuros. Não há mais pressa em seu caminhar. Ia terminar a corrida em passos rápidos em direção ao mar. Me perdi em diálogos possíveis:

- Oi, professor, tudo bem? Desculpa os meus trajes é que...(procuro rapidamente a blusa na bolsa e não encontro).
- Fique tranqüila...
- Tá muito calor e estava correndo, aproveitei p...Falei para você da seleção?
- Sim, como vão as provas?
- Estou indo a praia ler.
- Jura???
- Os Argonautas...
- Ah, não sei do que se trata.
- Desculpa, Argonautas do Pacifico ocidental, do Malinowski.
- Hum, sim, na praia? Exótico, não? Tenho horário para um almoço. Tenho que ir.
- Está bem, até breve, professor.
- Boa praia e leitura...

Ainda bem que o latido do cachorro e a buzina do carro me pouparam dessa tragédia antropológica. Os encontros na cidade, que autoriza o seminu, surpreendem a nós que temos parte da vida em universidades. Não era naquele momento aluna, pesquisadora, candidata a e observadora de. Uma mulher, uma “anônima relativa”, que aproveita a manhã quente de um dia de sol para correr a beira-mar, pensar na vida, ouvir música e encontrar pessoas, mesmo em desencontros. Ali, ele também é antropólogo e professor, que brilhantemente encontra não a mim, mas a saída elegante para a situação.

Leia e ouça mais:
Simmel, G. On individuality and Social Forms. Chicago, The University of Chicago Press,1984.
Velho, G. “Individualismo, anonimato e violência na metrópole”. In: Horizontes Antropológicos – A cidade moderna, 2000. UFRGS, Porto Alegre, n. 13, p. 15-26.
Maria Bethânia canta Tocando em frente.
Vínicius de Moraes canta Samba da Benção.

No microscópio, Aline Gama

15.9.08

Um instante


Saio da reunião com Luiz e a cidade chove. Quero encontrar com ele, mas entro no ônibus em direção a minha casa. No ponto do conturbado trânsito de uma manhã de segunda-feira na Praia de Botafogo, abro o celular e fotografo. Uma, duas, três. Ele é o pixel invisível que enxergo só na paisagem.

Do boteco, Aline Gama.

11.9.08

De que Lado Estamos?

Domingo último, dia em que se comemora a Independência do Brasil, o jornal que chega a minha casa traz na capa uma foto de um grupo de pessoas caminhando na orla do Rio de Janeiro. A notícia sugere que os praticantes de exercícios trocam esteiras e bicicletas ergométricas pelas ciclovias e espaços de lazer da cidade e optam pela atividade em grupo por causa da tão assustadora e ameaçadora violência.

Até aonde investiguei, as academias começaram a ocupar as pistas e a orla da Cidade Maravilhosa para ampliar seu mercado e proporcionar a prática de exercício aliada à paisagem, ao sol e ao banho de mar. Em alguns casos, o grupo sai das salas de musculação, supervisionado por um professor, como parte de um treinamento e não como prevenção a violência como induziu o jornal, que segundo a Associação Nacional de Jornais está entre os dez maiores do país.

Não há na notícia nenhum depoimento, suspiro e exclamação sobre o divertimento e o lazer proporcionado pelos exercícios ao ar livre. Li somente reclamações e lamentos de pessoas que sofreram algum tipo de violência. Não que não exista furtos, assaltos e a absurda falta de policiamento em toda a cidade, mas não é a violência que levou grupos de academia para ciclovias. É a beleza do Rio de Janeiro que convida à pratica de exercícios na orla, em praças e montanhas.

O jornal nos vende o medo, nos diz o que pensar e como pensar a cidade que escolhemos viver. A partir disso, sugere hesitarmos algumas vezes antes de sairmos para caminhar, andar de bicicleta e correr pela cidade. É claro que precisamos de atenção com horários, locais e objetos porque estamos em uma cidade grande que não é devidamente policiada e noticiada, principalmente.

Leia mais:
Antunes, L. “Amigos de Corrida, uma forma de evitar assaltos”. O Globo 07.09.2008: p.35.
Becker, H. S. “De que Lado Estamos?” In: Becker, H. S. Uma teoria da Ação Coletiva. Rio de Janeiro, Jorge Zahar: 1977.
Dreier, P. “How the media Compound Urban Problems”. Journal of Urban Affairs 2005; 27(i.2): 193-201.
McCombs M, Shaw DL. “The Agenda-Setting Function of Mass Media”. The Public Opinion Quarterly 1972; 36 (i.2): 176-187.

No microscópio, Aline Gama

8.9.08

Procura-se

Diante da lista dos alunos da disciplina, vi meu nome suceder o número que estava marcado a lápis. Eu pesquiso livros, artigos, pessoas, falas, botequins, filmes, notícias e alguém me pesquisa! Por quê? O que? Para que?
Resposta no link para comentários, por favor.

Estava eu pagando a conta quando um moço leu o meu nome.
- Você não vai colocar seu telefone?
- não...
- Mas como faço para te encontrar?
- Não sei, procura na Internet...
Fui ao ‘sábio’ do século XXI – o Google – digitar meu nome. Não sou uma das candidatas do Concurso Sereias, nem defensora pública e também não fiz vestibular para UFBA, mas sou sim a da dissertação Maravilhosa e Partida.

Do boteco, Aline Gama.

4.9.08

Gratitude, Merci, Gracias, Obrigada...

Durante quatro meses em 16 manhãs de quartas-feiras, o despertador me acordava e eu reclamava pelos minutos a mais que queria ter ficado na cama. Não era possível atrasar. Ligava o rádio, comia chocolate e chegava na sala de aula. O meu silêncio nas rápidas duas horas me assustava. Era só ouvidos atentos, anotações e interrogações. Por quê? Como? O que quer dizer isso? Voltava para casa andando num movimento de auto-organização de questões.

Há alguns dias, depois de meses tendo pesadelos com notas, avisos, e-mail, telefonemas, fui pegar o conceito A. Se soubesse, dava cambalhotas de felicidade.

Ontem, escreveram para mim em um e-mail que me veio como uma música: “estou bem melhor das tonturas, obrigada”.

Sempre que conquisto alguma coisa costumo agradecer e às vezes estranho a mim mesma: “Por que devo agradecer se lutei, estudei, dei o meu sangue, corri atrás e suei a camisa?

O conceito A, a idéia boa, o Tai Chi sincronizado, a cura pela massagem nas pernas que um dia foram roxas, na coluna que não conseguia ficar em pé sem doer, tudo são como ondas bem surfadas. O movimento, que não é meu, é apenas trabalhado pelo meu coração, mente, mãos e pés. Obrigada, muito obrigada!

Leia mais:
Velho, G.(org) Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro, Jorge Zahar: 2004.

No microscópio, Aline Gama

1.9.08

Contradições

- Maravilhosa,
mas toda cidade tem seu lado feio.

- Tá frio,
mas tá calor.

- “Era uma vez...
uma cidade que é assim ou uma história de amor?

- Tudo ruim,
mas “tudo bem”!

- Cachorro manso,
mas mantenha distância.

Do boteco, Aline Gama.