Atravesso a rua e penso que quem estou vendo é realmente quem eu gostaria que não fosse naquele momento. Ameaço levantar os óculos escuros. Um cachorro late, o carro buzina e ele olha para o lado. Estou de biquíni, short, fone de ouvido e tênis. Ele de blusa colorida, calça jeans e óculos escuros. Não há mais pressa em seu caminhar. Ia terminar a corrida em passos rápidos em direção ao mar. Me perdi em diálogos possíveis:
- Oi, professor, tudo bem? Desculpa os meus trajes é que...(procuro rapidamente a blusa na bolsa e não encontro).
- Fique tranqüila...
- Tá muito calor e estava correndo, aproveitei p...Falei para você da seleção?
- Sim, como vão as provas?
- Estou indo a praia ler.
- Jura???
- Os Argonautas...
- Ah, não sei do que se trata.
- Desculpa, Argonautas do Pacifico ocidental, do Malinowski.
- Hum, sim, na praia? Exótico, não? Tenho horário para um almoço. Tenho que ir.
- Está bem, até breve, professor.
- Boa praia e leitura...
Ainda bem que o latido do cachorro e a buzina do carro me pouparam dessa tragédia antropológica. Os encontros na cidade, que autoriza o seminu, surpreendem a nós que temos parte da vida em universidades. Não era naquele momento aluna, pesquisadora, candidata a e observadora de. Uma mulher, uma “anônima relativa”, que aproveita a manhã quente de um dia de sol para correr a beira-mar, pensar na vida, ouvir música e encontrar pessoas, mesmo em desencontros. Ali, ele também é antropólogo e professor, que brilhantemente encontra não a mim, mas a saída elegante para a situação.
Leia e ouça mais:
Simmel, G. On individuality and Social Forms. Chicago, The University of Chicago Press,1984.
Velho, G. “Individualismo, anonimato e violência na metrópole”. In: Horizontes Antropológicos – A cidade moderna, 2000. UFRGS, Porto Alegre, n. 13, p. 15-26.
Maria Bethânia canta Tocando em frente.
Vínicius de Moraes canta Samba da Benção.
No microscópio, Aline Gama
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