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Levanto da cama, meu coração pulsa 43bpm. Faço e tomo café com pão, manteiga, queijo e mel. Chuveiro, roupas coloridas, acessórios e na bolsa o Sagrado que se mistura ao profano. A roupa branca, o lenço azul, o colar de cristais, o escudo e a apostila. O caderno, as folhas em branco, a carteira de dinheiro, o celular, os fones e os textos. Em 112 bpm, caminho rezando e pedindo proteção, troco as cores sobre a pele pelo branco e até as sete e meia chego na sala.
Leio com eles o texto, olho o relógio, converso, confesso, os ponteiros caminham e aprendo mais do que ensino. Troco o branco sobre a pele pelas cores, fone no ouvido e risco o meio fio com os meus passos apressados em 135bpm. Não há outro meio mais rápido. O táxi dá voltas e fica preso no trânsito, o ônibus não chega e o metro meu pés não alcançam. Não sou inglesa, mas no primeiro mês chegava no meio das frases e dos gestos.
Entro e sento antes. Espero. Garrafa e copo laranja, cores sobre a pele, azul céu sob a água dos olhos, em uma mão o vermelho, na outra os pratas. Ouço e sinto e vejo o motivo da escolha de um autor depois do outro. Entre uma narrativa e outra, conta histórias, cita filmes, anota falas, perguntas e reclamações. Em 80 bpm, o vermelho, o profundo azul, os pratas me silenciam. Aprecio o tom e as cores, desato uns nós e refaço outros. São duas as autorias, a do texto e a da fala que me cala.
Sem querer e sem acreditar no acaso: “E aqueles que vivem a angustia da vida acadêmica e da vida religiosa?” Abaixo a cabeça, coração em suspensão, levo os dedos a testa, no ponto do terceiro olho e fecho os outros dois. “...que passam por iniciações, não podem se revelar e sofrem com as contradições...”. Não acredito no que ouço, mas escuto com espanto. “Eles também são complexos como nós, que vamos ao homeopata e a acupuntura, usamos alopatia e vamos ao pai de santo...” Levanto a cabeça, abro os olhos em lágrimas e sinto com se nua estivesse – respiro - como se tivesse atravessado a mesa – respiro - para ser em palavras e gestos do vermelho, dos pratas e do azul descrita em meias-verdades.
Aline Gama
31.5.09
25.5.09
A escuta ou observação não-participante
Caminho sem fones de ouvido, devagar, com uma mão no bolso, outra na pasta, bolsa tiracolo, pensando na vida... “É isso mesmo: eles sempre passam para pegar arrego!!!” “Lá aonde moro, na Mangueira, outro dia eu fiquei contando... passaram dez, você acredita? Passaram 10 carros de polícia para pegar dinheiro com os caras!” “ E você sabe que foi o governo que fez isso, não é?” “Não é mole, agora depois de tudo errado quem vai conseguir consertar?” “Não tem mais jeito, não!!!”
Penso e quase falo, moço deve ter um jeito sim! Acompanho o casal e a conversa.
“Outro dia eu estava conversando com uma amiga que dá aula...Ela falou que as meninas hoje só querem ser manequins.” “Na minha época eu e minhas amigas queríamos ser professoras, medicas, mães de família...Agora, as meninas começam a transar cedo e querem vida fácil.” “É, ninguém quer trabalhar nesse país!”
Quase falo, mas olho para quem são eles e sigo.
São quase nove horas da manhã. Ela é branca de cabelos pretos e baixinha. Veste bermuda de coton azul, top preto, blusa branca larga e tênis, se despede e vira para direita. Ele é negro, cabelos grisalhos e alto. Usa camisa de botão estampada, calça social bege, sapato marrom, manda lembranças a família dela e segue para esquerda.
Viro a esquerda, penso que o que vi e ouvi é um dos nossos jeitos e decoro as falas para escrever aqui.
Aline Gama
Penso e quase falo, moço deve ter um jeito sim! Acompanho o casal e a conversa.
“Outro dia eu estava conversando com uma amiga que dá aula...Ela falou que as meninas hoje só querem ser manequins.” “Na minha época eu e minhas amigas queríamos ser professoras, medicas, mães de família...Agora, as meninas começam a transar cedo e querem vida fácil.” “É, ninguém quer trabalhar nesse país!”
Quase falo, mas olho para quem são eles e sigo.
São quase nove horas da manhã. Ela é branca de cabelos pretos e baixinha. Veste bermuda de coton azul, top preto, blusa branca larga e tênis, se despede e vira para direita. Ele é negro, cabelos grisalhos e alto. Usa camisa de botão estampada, calça social bege, sapato marrom, manda lembranças a família dela e segue para esquerda.
Viro a esquerda, penso que o que vi e ouvi é um dos nossos jeitos e decoro as falas para escrever aqui.
Aline Gama
17.5.09
Em arquivos
Nos intervalos e momentos de descanso da pesquisa sobre a representação do Rio de Janeiro nos telejornais, navegava pela internet em arquivos iconográficos da cidade na Biblioteca Nacional, no Museu Histórico Nacional e no Museu da Imagem e do Som. Achava e acho que sempre é preciso conhecer outras perspectivas.
A cidade pulsa em pequenas verdades, muda tudo a cada momento e é a mesma a cada instante...A fotografia e a pintura trazem lugares, pessoas e detalhes do Rio que foi e que não precisa ser mais...
Augusto Malta é um dos grandes que me mostrou uma cidade não descrita pela literatura e pelos jornais da época. Foi preciso ver e rever, assim como navegar...As imagens, que revelam mais um Rio sobre o olhar do fotógrafo, despertaram em mim visões de novas cidades.
Aline Gama
Foto de divulgação do livro “Augusto Malta e o Rio de Janeiro - 1903-1936”, de George Ermakoff.
11.5.09
Da França para Baixada Fluminense
"De Gisèle Cossard Binon, cidadã francesa, mulher de diplomata, herdeira de uma mansão no Parc des Sceaux, nos arredores de Paris, branca de olhos azuis, nasceu Omindarewá, mãe-de-santo, dona de terreiro e moradora da Baixada Fluminense..."
Para ler o resto, clica aqui no Estadão
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10.5.09
Da janela
Do meu canto de trabalho, ouço o choro de uma criança ainda pequena. Um vizinho que chegou ao mundo há mais ou menos um ano. Em alguma janela de madeira ou alumínio com cortinas ou persianas, por detrás de alguma parede bege, branca ou de ladrilhos, o choro cresceu.
Quando estava entretida entre palavras, imagens e referências que devia escolher para escrever a dissertação, a apresentação e o contato com a banca de defesa no início de zero oito, o choro, que era fino e estridente, vinha de um recém-nascido. Ao lado do choro, imaginava a voz de uma mãe que em plena madrugada tentava compreender seu filho. “Eu estou aqui!”; “O que você tem?”; “Eu sei que doi viver”; “Eu estou aqui!”...Colo, imagens em preto e branco ainda difusas, coração batendo perto do ouvido, leite vindo do peito e silêncio.
O choro vizinho com o passar dos meses ganhou outro tom, mais encorpado e grave, menos freqüente e demorado. Em zero nove, não há choro todos os dias, mas o reconheço como um vizinho achegado sem nunca tê-lo visto. Seu choro nos aproxima, ainda tenho que decidir palavras, imagens e referências. Intimamente, desejo sentir um choro meu, olhando e desejando a mim.
Imagino, agora, um tombo, uma birra, um biquinho de quem faz charme para conseguir o que quer e, pronto, chora e desperta meus instintos...Mais uma vez, colo, imagens coloridas, coração batendo perto do ouvido, objeto do choro conquistado e o silêncio que nos une.
Aline Gama
Foto minha do meu canto
4.5.09
O Sagrado no futebol - A Torcida
Segundo tempo, os jogadores do Flamengo até chegam na grande área com bola, olham para o lado, procuram, simplesmente não há o cara que vai chutar a bola para dentro do gol. Não há um artilheiro. Enquanto isso, o Botafogo tenta entrar com bola e tudo até conseguir o empate.
A torcida do Flamengo, que ocupa quase todo o estádio, se abraça, reza junto, xinga e canta, gritando. No pênalti ou na falta contra, coloca a mão no coração, beija o escudo, fecha os olhos e reza. São algumas mil pessoas em uma só vibração. O time não chega, mas a torcida está lá.
É mais do que um jogador em campo. É uma barreira no gol de Bruno. É o artilheiro que não foi contratado. É a zaga que rouba a bola. Homens, mulheres e crianças na Raça, na Urubuzada, na Flamanguaça e na Torcida Jovem que fazem do time Tricampeão do Carioca.
A foto é da minha amiga Bianca Teixeira, de 25.05.2009.
Aqui tem o link para o Cadê você? cadê você?
Aline Gama