Mataram na madrugada de hoje um fotógrafo do jornal O DIA que muito provavelmente seria um dos informantes da minha pesquisa de doutorado se mais um episódio de violência não interrompesse mais uma vida na Cidade Perdida.
Conheci André em uma trilha no dia 20.09.2008, conversamos um pouco e ao chegar em casa nos adicionamos no orkut. Foi quando descobri que André, além de bonito e simpático, era um fotógrafo jovem e dos bons. Como ainda estava em processo de seleção para o doutorado, não falei muito sobre a pesquisa com fotojornalistas. Tudo era incerto. Existe um tempo entre passar na seleção, cursar disciplinas e começar o trabalho de campo, mas mal sabia eu que incerto é a vida de todos nós que transitamos nas ruas do Rio de Janeiro. Ao ver na televisão a notícia da morte de André, perdi o chão. Os e-mails dele ainda estão em minha caixa de entrada e seu celular em minha agenda.
Que inferno! Que absurdo! Mais um!!! Como é possível nem começar uma pesquisa e já ter uma história de morte para contar? Não é isso que eu quero! E os meus outros possíveis informantes - Tristão, Márcia Folleto, Severino, Custódio, Evandro, etc – sobreviverão? Eu sobreviverei? Será mais uma história a ser esquecida nas páginas dos jornais e nas estatísticas policiais do Rio de Janeiro?
Aline Gama
26.2.09
23.2.09
Cidade do barulhinho bom
Ziriquidum, baticudum, nheco-nheco, tam-tam zas-zas, zas-zas, tum-tum, nheco-nheco, baticudum, ziriquidum, tam-tam zas-zas, zas-zas, tum-tum, nheco-nheco, pam-pam, zas-zas, zas-zas, tum-tum, nheco-nheco, baticudum, ziriquidum...
Aline Gama
Foto: Bloco Me Esquece que é Carnaval, de Aline Gama do celular.
19.2.09
Vik no Rio
Vik e suas obras estão no Rio pela segunda vez em uma grande retrospectiva de seus 20 anos trabalho. Na primeira, nos idos de 2001, eu, ainda menina e estagiaria, conversei e fotografei ele fazendo caras bocas com sua namorada, Janaina Tschape. Ontem, nem sequer consegui ouvir ecos de sua voz na palestra. Fiquei do lado de fora com mais 30 pessoas. Voltei, então, a passear por suas obras...
Apesar de já ter visto muitas daquelas imagens, foi como se fosse a primeira vez. Suas correlações assustam. Mostram o estranho que há em nós humanos ocidentais. O mapa-mundi de Vik é um grande resto de computadores que dá o que pensar. Basta perceber em que países estão as CPUs. Os diamantes e o caviar estão naquilo que valorizamos: as divas e os monstros hoollywoodianos. O resto daquilo que produzimos, o lixo e a sucata, nos trazem a imagem de crianças órfãs e de trabalhadores do lixão de Gramacho.
É isso que queremos produzir? Somos isso?! Poderiam eles, catadores e crianças, formarem imagens com diamantes, chocolates e geléias? Essas são as perguntas que eu não fiz.
Tenho quase certeza que ele responderia que sim. Afinal, as crianças fazem poses de obras de arte. Vik as reconstrói com chinelos de borracha, tampas de vaso sanitário, arames, pneus, tecidos, garrafas pets, carcaça de orelhão, elasticos, cordas, roupas etc. São os nossos restos que mostram o resto de nós, mas que são incluídas por ele no belo. Vik é genial ao nos reapresentar em pixels, em recortes de revistas, em restos, em brinquedos, em linhas e em grãos a arte.
Aline Gama
Foto: Aline Gama - mar 2001
16.2.09
Cidade Chuvosa
Tenho que escolher calça, casaco, blusa, bota ou tênis e usar guarda-chuva, quando só queria me enfiar em um vestido e sair para um chope gelado em uma noite quente. Ando desejando o sol, gosto da água, mas prefiro no mar, no chuveiro, no copo, na cachoeira e não descendo do céu, molhando meu ir e vir.
Tá bem...Eu sei. Somos feitos de sol e chuva. No mais são histórias, mas até elas são tristes como a chuva ou alegres como os dias de sol...
Aline Gama
Foto: Cris D
12.2.09
Entre fios – parte I
Recebo o convite depois desse post para ir ao SAARA e penso, porque sou abusada, que é uma boa oportunidade de transformar ele em um informante sobre essa cidade que para mim é Maravilhosa e Partida.
Assim, diferente da relação estabelecida nos últimos anos, no caminho para encontrá-lo, penso que ele tem pós-doutorado na França, conhece mais cidades e fala mais línguas que eu, se define como Sociólogo Urbano e sua primeira publicação é de 1986. Penso também se li alguma coisa parecida com o que pretendendo fazer. Muitos escreveram sobre pesquisar em sua própria cidade e da relação proximidade e distância, que oscila quando vamos em busca de conhecer algo através de alguém que julgamos próximos. Mas quando se tem admiração, como proceder, que técnicas usar, como não errar...
Pertencemos à mesma cultura e vivemos na mesma cidade há alguns anos. Ele nada sabe que será mais que um encontro e eu ainda estou em processo de formulação do que fazer durante e depois do passeio. As dúvidas surgem: vou só observar, o que devo perguntar, que horas e quando, tiro um caderno de campo para anotações, devo contar a ele, como e quando.
- Oi, quanto tempo? Quase não te reconheci de boné! (nos abraçamos) Você está todo suado!
- Esse sol absurdo! Também são 11h30, já dei algumas voltas e você me disse que vinha mais cedo.
- Desculpa o atraso.
- E ai, aonde vamos?
- Não sei. Hoje, você vai me guiar! Não conheço e não sei nada.
- Venho aqui algumas vezes como exercício profissional e também por necessidade de compras. Você encontra de um tudo aqui, qualquer tipo de mercadoria e pessoas das mais diferentes origens. É sempre impressionante!
- Hum, você vai ser meu informante!
Estamos no dia 14 de janeiro, época em que o Rio de Janeiro recebe muitos turistas e que muitos trabalhadores tiram férias por ser Verão e mês de férias escolares. Como é um dia comum, sem proximidade com feriados e festas, o público que circula pelo bairro do Centro é em sua maioria de pessoas que veem até a região para trabalhar que são jovens e adultos até a faixa de 60 anos. Vimos trabalhadores de diferentes níveis: homens e mulheres vestidos como executivos com calças sociais, camisas sociais, blasers e vestidos; homens e mulheres vestidos como ambulantes com bermudas, t-shirts, tops e jeans; e alguns estrangeiros que são percebidos pela cor de pele e cabelos e pela conversa em espanhol.
- Tá... A primeira coisa que quero te mostrar é essa vala de esgoto que passa do lado dos camelôs. É um cheiro horroroso e as pessoas trabalham assim. Não reclamam*. Eu venho aqui, vejo isso e outras coisas que vou mostrar depois e penso que essa cidade não tem jeito. É lamentável! Quero te mostrar coisas da arquitetura, vamos seguir por aqui...
A frase – “essa cidade não tem jeito” - me corta a alma, ainda mais vindo dele. Sou jovem demais para aceitar. Penso que o Rio tem um jeito que é nosso e que nesse jeito é possível existir e ser feliz. No entanto, nós - pesquisadores ou não - ainda estamos descobrindo qual é esse nosso jeito e, principalmente, como funciona e quando para que possamos ser melhores do que ontem. Essa sim é a minha grande questão!
*link para o vídeo de uma outra vala de esgoto que vi quase um mês depois (09.02.2009) e que me deu coragem para escrever.
Aline Gama
Assim, diferente da relação estabelecida nos últimos anos, no caminho para encontrá-lo, penso que ele tem pós-doutorado na França, conhece mais cidades e fala mais línguas que eu, se define como Sociólogo Urbano e sua primeira publicação é de 1986. Penso também se li alguma coisa parecida com o que pretendendo fazer. Muitos escreveram sobre pesquisar em sua própria cidade e da relação proximidade e distância, que oscila quando vamos em busca de conhecer algo através de alguém que julgamos próximos. Mas quando se tem admiração, como proceder, que técnicas usar, como não errar...
Pertencemos à mesma cultura e vivemos na mesma cidade há alguns anos. Ele nada sabe que será mais que um encontro e eu ainda estou em processo de formulação do que fazer durante e depois do passeio. As dúvidas surgem: vou só observar, o que devo perguntar, que horas e quando, tiro um caderno de campo para anotações, devo contar a ele, como e quando.
- Oi, quanto tempo? Quase não te reconheci de boné! (nos abraçamos) Você está todo suado!
- Esse sol absurdo! Também são 11h30, já dei algumas voltas e você me disse que vinha mais cedo.
- Desculpa o atraso.
- E ai, aonde vamos?
- Não sei. Hoje, você vai me guiar! Não conheço e não sei nada.
- Venho aqui algumas vezes como exercício profissional e também por necessidade de compras. Você encontra de um tudo aqui, qualquer tipo de mercadoria e pessoas das mais diferentes origens. É sempre impressionante!
- Hum, você vai ser meu informante!
Estamos no dia 14 de janeiro, época em que o Rio de Janeiro recebe muitos turistas e que muitos trabalhadores tiram férias por ser Verão e mês de férias escolares. Como é um dia comum, sem proximidade com feriados e festas, o público que circula pelo bairro do Centro é em sua maioria de pessoas que veem até a região para trabalhar que são jovens e adultos até a faixa de 60 anos. Vimos trabalhadores de diferentes níveis: homens e mulheres vestidos como executivos com calças sociais, camisas sociais, blasers e vestidos; homens e mulheres vestidos como ambulantes com bermudas, t-shirts, tops e jeans; e alguns estrangeiros que são percebidos pela cor de pele e cabelos e pela conversa em espanhol.
- Tá... A primeira coisa que quero te mostrar é essa vala de esgoto que passa do lado dos camelôs. É um cheiro horroroso e as pessoas trabalham assim. Não reclamam*. Eu venho aqui, vejo isso e outras coisas que vou mostrar depois e penso que essa cidade não tem jeito. É lamentável! Quero te mostrar coisas da arquitetura, vamos seguir por aqui...
A frase – “essa cidade não tem jeito” - me corta a alma, ainda mais vindo dele. Sou jovem demais para aceitar. Penso que o Rio tem um jeito que é nosso e que nesse jeito é possível existir e ser feliz. No entanto, nós - pesquisadores ou não - ainda estamos descobrindo qual é esse nosso jeito e, principalmente, como funciona e quando para que possamos ser melhores do que ontem. Essa sim é a minha grande questão!
*link para o vídeo de uma outra vala de esgoto que vi quase um mês depois (09.02.2009) e que me deu coragem para escrever.
Aline Gama
9.2.09
Em 1901, na Revolta das Carnes Verdes...
"Do outro lado, na praça Tiradentes esquina com rua do Lavradio, um grupo que nada tinha a ver com os protestos aguardava pacificamente a chegada da condução quando foi surpreendido por uma escolta de policiais que atirou a esmo na direção das pessoas totalmente desprotegidas. Foi uma verdadeira chacina e, ao cessarem os tiros, jaziam na calçada dois mortos e vários feridos. Destes, alguns faleceram na Santa Casa, para onde haviam sido removidos. Diante da selvageria da investida, ecoou por toda cidade um clamor de indignação. No Senado, debates foram travados condenando veementemente a ação da polícia." (Gazeta de Notícias, 18 de junho de 1901 - do livro a Cidade Rebelde de Jane Santucci)
Hoje, os jornais nos contam que há uma inteligência por trás. Acredite se quiser.
Aline Gama
Hoje, os jornais nos contam que há uma inteligência por trás. Acredite se quiser.
Aline Gama
5.2.09
Até quando?
2.2.09
A fantasia da favela
Desço da parte de cima do armário a minha bolsa de adereços para o início de mais uma temporada de Carnaval. A minha primeira opção foi ser um anjo, mas hesitei por causa do local da festa, dos convidados e, principalmente, porque na vida real é sempre muito difícil ser anjo. Pensei na Minie. Diferente do anjo que tem asas para serem colocadas mais perto da festa, eu sairia de casa já fantasiada. Diante dos olhares de interrogação, das brincadeiras com as crianças e das piadas dos homens, eu iria incorporando a personagem, mas uma outra amiga já ia ser a Minie. Então, de vestido branco, acessórios dourados e asas na bolsa, parti.
Retoco a maquiagem, coloco as asas e cumprimento os dois anfitriões, uma carioca vestida de vedete e mais um estrangeiro, que escolheu morar na Cidade Maravilhosa, vestido de compositor de escola de samba. O aniversário é dela que conheci em dezembro e abre sua enorme casa para festa. Ele logo me avisa que serei a única “ângelo” da festa e me apresenta a família, os três filhos, mãe, irmão, amigos daqui do Rio e de lá do outro país.
O médico, a nega maluca, a Minie, a gata preta, a onça, a miss, a havaiana, os surfistas, os hippies, os policiais, as bruxas, o pirata em meio a uns poucos vestidos de fantasia da vida real comem, bebem, conversam e dançam hip hop, rock brasileiro e funk.
- Oi, tudo bem? Qual o seu nome meu anjo?
- Aline
- Quero saber de você se vamos todos pro céu ou pro inferno?
- Para o inferno!
- Ah não! Jura? Eu acho que vai todo mundo para o céu. Para mim o inferno é aqui: trabalho, falta de dinheiro, doenças, brigas...O inferno não é aqui, não?
- Hum...
- É...
Intui que a fantasia poderia me trazer a vida real e fui avisada pelo dono da festa.
- Talvez...Mas, me diga o que você quer fazer no céu?
- Não, eu não quero ir para o céu agora, mas vou, se for com você.
- Olha agora eu não posso. Estou protegendo uns seres humanos em uma festa a fantasia.
- Quando você pode? Anjo tem telefone?
- Não, anjo só ouve preces e a vinda na Terra é muito atribulada, só vendo a minha agenda com os Santos.
O médico, a nega maluca, a Minie, a gata preta, a onça, a miss, a havaiana, os surfistas, os hippies, os policiais, as bruxas, o pirata em meio a uns poucos vestidos de fantasia da vida real cantam parabéns, comem bolo, bebem refrigerante, conversam e dançam samba e pagode até cansar.
Tiro a minha asa, coloco na bolsa e escuto “A anjo já foi embora?”. Retribuo com um sorriso e saio. Desço a rua, apreciando o visual. Estou em um dos pontos mais altos do Rio. Vejo a Baia da Guanabara, a Lagoa Rodrigo de Freitas, as praias e esse chão de estrelas que é toda a cidade durante noite. Passo por meninos, apertando um baseado, outros de moto e entro no ônibus rumo a minha casa. Penso em comer uma pizza no caminho e em escrever aqui. Ligo para uma amiga que não consigo encontrar para um chope.
Chego perto de casa, que fica em frente a uma praça. Nela vejo mais meninos com suas motos estacionadas, conversando, fumando maconha e jogando biriba. Penso na semelhança, na escolha da fantasia, nas inúmeras ligações, na conversa da praia, no banho, nas rezas e também que durante toda essa preparação na superfície queria muito ir e aproveitar a festa como fiz, mas no fundo no fundo estava morrendo de medo de estar em uma favela no Rio de Janeiro.
Aline Gama
Retoco a maquiagem, coloco as asas e cumprimento os dois anfitriões, uma carioca vestida de vedete e mais um estrangeiro, que escolheu morar na Cidade Maravilhosa, vestido de compositor de escola de samba. O aniversário é dela que conheci em dezembro e abre sua enorme casa para festa. Ele logo me avisa que serei a única “ângelo” da festa e me apresenta a família, os três filhos, mãe, irmão, amigos daqui do Rio e de lá do outro país.
O médico, a nega maluca, a Minie, a gata preta, a onça, a miss, a havaiana, os surfistas, os hippies, os policiais, as bruxas, o pirata em meio a uns poucos vestidos de fantasia da vida real comem, bebem, conversam e dançam hip hop, rock brasileiro e funk.
- Oi, tudo bem? Qual o seu nome meu anjo?
- Aline
- Quero saber de você se vamos todos pro céu ou pro inferno?
- Para o inferno!
- Ah não! Jura? Eu acho que vai todo mundo para o céu. Para mim o inferno é aqui: trabalho, falta de dinheiro, doenças, brigas...O inferno não é aqui, não?
- Hum...
- É...
Intui que a fantasia poderia me trazer a vida real e fui avisada pelo dono da festa.
- Talvez...Mas, me diga o que você quer fazer no céu?
- Não, eu não quero ir para o céu agora, mas vou, se for com você.
- Olha agora eu não posso. Estou protegendo uns seres humanos em uma festa a fantasia.
- Quando você pode? Anjo tem telefone?
- Não, anjo só ouve preces e a vinda na Terra é muito atribulada, só vendo a minha agenda com os Santos.
O médico, a nega maluca, a Minie, a gata preta, a onça, a miss, a havaiana, os surfistas, os hippies, os policiais, as bruxas, o pirata em meio a uns poucos vestidos de fantasia da vida real cantam parabéns, comem bolo, bebem refrigerante, conversam e dançam samba e pagode até cansar.
Tiro a minha asa, coloco na bolsa e escuto “A anjo já foi embora?”. Retribuo com um sorriso e saio. Desço a rua, apreciando o visual. Estou em um dos pontos mais altos do Rio. Vejo a Baia da Guanabara, a Lagoa Rodrigo de Freitas, as praias e esse chão de estrelas que é toda a cidade durante noite. Passo por meninos, apertando um baseado, outros de moto e entro no ônibus rumo a minha casa. Penso em comer uma pizza no caminho e em escrever aqui. Ligo para uma amiga que não consigo encontrar para um chope.
Chego perto de casa, que fica em frente a uma praça. Nela vejo mais meninos com suas motos estacionadas, conversando, fumando maconha e jogando biriba. Penso na semelhança, na escolha da fantasia, nas inúmeras ligações, na conversa da praia, no banho, nas rezas e também que durante toda essa preparação na superfície queria muito ir e aproveitar a festa como fiz, mas no fundo no fundo estava morrendo de medo de estar em uma favela no Rio de Janeiro.
Aline Gama