2.2.09

A fantasia da favela

Desço da parte de cima do armário a minha bolsa de adereços para o início de mais uma temporada de Carnaval. A minha primeira opção foi ser um anjo, mas hesitei por causa do local da festa, dos convidados e, principalmente, porque na vida real é sempre muito difícil ser anjo. Pensei na Minie. Diferente do anjo que tem asas para serem colocadas mais perto da festa, eu sairia de casa já fantasiada. Diante dos olhares de interrogação, das brincadeiras com as crianças e das piadas dos homens, eu iria incorporando a personagem, mas uma outra amiga já ia ser a Minie. Então, de vestido branco, acessórios dourados e asas na bolsa, parti.

Retoco a maquiagem, coloco as asas e cumprimento os dois anfitriões, uma carioca vestida de vedete e mais um estrangeiro, que escolheu morar na Cidade Maravilhosa, vestido de compositor de escola de samba. O aniversário é dela que conheci em dezembro e abre sua enorme casa para festa. Ele logo me avisa que serei a única “ângelo” da festa e me apresenta a família, os três filhos, mãe, irmão, amigos daqui do Rio e de lá do outro país.

O médico, a nega maluca, a Minie, a gata preta, a onça, a miss, a havaiana, os surfistas, os hippies, os policiais, as bruxas, o pirata em meio a uns poucos vestidos de fantasia da vida real comem, bebem, conversam e dançam hip hop, rock brasileiro e funk.

- Oi, tudo bem? Qual o seu nome meu anjo?
- Aline
- Quero saber de você se vamos todos pro céu ou pro inferno?
- Para o inferno!
- Ah não! Jura? Eu acho que vai todo mundo para o céu. Para mim o inferno é aqui: trabalho, falta de dinheiro, doenças, brigas...O inferno não é aqui, não?
- Hum...
- É...
Intui que a fantasia poderia me trazer a vida real e fui avisada pelo dono da festa.
- Talvez...Mas, me diga o que você quer fazer no céu?
- Não, eu não quero ir para o céu agora, mas vou, se for com você.
- Olha agora eu não posso. Estou protegendo uns seres humanos em uma festa a fantasia.
- Quando você pode? Anjo tem telefone?
- Não, anjo só ouve preces e a vinda na Terra é muito atribulada, só vendo a minha agenda com os Santos.


O médico, a nega maluca, a Minie, a gata preta, a onça, a miss, a havaiana, os surfistas, os hippies, os policiais, as bruxas, o pirata em meio a uns poucos vestidos de fantasia da vida real cantam parabéns, comem bolo, bebem refrigerante, conversam e dançam samba e pagode até cansar.

Tiro a minha asa, coloco na bolsa e escuto “A anjo já foi embora?”. Retribuo com um sorriso e saio. Desço a rua, apreciando o visual. Estou em um dos pontos mais altos do Rio. Vejo a Baia da Guanabara, a Lagoa Rodrigo de Freitas, as praias e esse chão de estrelas que é toda a cidade durante noite. Passo por meninos, apertando um baseado, outros de moto e entro no ônibus rumo a minha casa. Penso em comer uma pizza no caminho e em escrever aqui. Ligo para uma amiga que não consigo encontrar para um chope.

Chego perto de casa, que fica em frente a uma praça. Nela vejo mais meninos com suas motos estacionadas, conversando, fumando maconha e jogando biriba. Penso na semelhança, na escolha da fantasia, nas inúmeras ligações, na conversa da praia, no banho, nas rezas e também que durante toda essa preparação na superfície queria muito ir e aproveitar a festa como fiz, mas no fundo no fundo estava morrendo de medo de estar em uma favela no Rio de Janeiro.

Aline Gama

2 comentários:

Bianca disse...

a amiga aqui estava em outra festa, mas te ligou no dia seguinte e amou ler aqui a descrição da sua experiência =)

Anônimo disse...

amigaa, que texto show!!!
vc arrasou!
adorei!!!
saudades!
te amooo
Diana