Passa pela roleta, beija o ingresso e o escudo da camisa. Sobe a rampa rezando o Pai Nosso e pára para brigar com a estátua do jogador do time adversário: “ta pensando o que? seu time não vai ganhar, não!”. Dá uns tapas na escultura de bronze e cospe na estátua que é apenas a imagem do rosto de Mané Garrincha. Caminha em direção a arquibancada expressando toda a sua raiva. Antes do fim da rampa de acesso a arquibancada, pára, faz mais uma prece e entra com o pé direito para olhar o campo.
Na primeira falta, fala para si mesmo “puta que pariu, esqueci!!!”. Puxa a carteira do bolso e tira do compartimento destinado a cartões de crédito, imagens de São Jorge, Santa Rita de Cássia, Santo Expedito, Nossa Senhora da Aparecida, Jesus Cristo, Nossa Senhora de Fátima e São Judas Tadeu.
O juiz marca o ponto da bola e conversa com o jogador. Ele beija cada uma das imagens e pede ajuda. O juiz caminha e marca a linha da barreira. Ele abre todos em forma de leque com uma mão, apontando as imagens dos santos para o gramado, vira cabeça em direção a torcida para não ver e pressiona os olhos com os dedos da outra mão e reza. O juiz apita, a barreira levanta, a bola passa por baixo e entra no gol. Ele xinga, pula de raiva e olha para os santos, beija cada um e grita, olhando para as imagens “vamos lá, caralho!!!”
Antes de virar de novo os santos para o gramado, me mostra “esse foi o último que ganhei!”. A imagem é de São Judas Tadeu. “Ele é que vai ajudar o Mengão, hoje!”. Segura firmemente todos os santos virados para o campo durante todo o jogo. A cada falta contra o Flamengo, beija São Jorge, Santa Rita de Cássia, Santo Expedito, Nossa Senhora da Aparecida, Jesus Cristo, Nossa Senhora de Fátima e São Judas Tadeu. Confia a eles a jogada e reza sem ver. O jogo termina. “Esqueci dos Santos. Eu não posso esquecer!!! Você tem que me lembrar. Se eles tivessem visto o jogo desde o início, não tínhamos empatado”.
Aline Gama
27.4.09
22.4.09
Tenho medo da tromba d'água
20.4.09
Página de um diário
Fim de um dia de sol e calor, estou entre um grupo de amigos dos mais diversos lugares na praia de Ipanema. Ao todo somos mais ou menos 15 pessoas entre 20 e poucos e 30 anos. Uma estudou comigo desde o colégio, outra é mais amiga dessa amiga, mas estudamos juntas na mesma faculdade. Alguns dos outros, homens e mulheres, são meus vizinhos desde os 7 anos de idade. Os demais são namoradas, namorados e amigos de amigos.
O sol daqui a pouco vai se pôr e alguns vão aplaudir. Deus sabe o porquê do pôr-do-sol ser aplaudido. Alguém antecipa o que virá depois, porque hoje é sábado: “então, o que vocês vão fazer mais tarde?”; “tenho um jantar de aniversário de uma amiga e não posso levar ninguém”; “eu vou dormir, tive uma festa ontem e estou cansada”; “compramos ingresso para um show, vocês querem ir?”; “onde?”; “que horas”; “quanto?”; “nos falamos mais tarde...”.
Acontecem os aplausos e o tempo esfria. Todos fazem movimentos de saída. Ele veste a bermuda, outro coloca a camisa, ela deixa cair o vestido, a outra se aperta no short, todos calçam chinelos de dedo e andam em direção a dona da barraca que chama-se Dilma. Na barraca da Dilma trabalha uma equipe que veste literalmente a mesma camisa: uma menina, que não lembro o nome, Bruno e Rodrigo, todos jovens. Ela aluga cadeiras e guarda-sóis, vende água com/sem gás e de coco, refrigerantes, cerveja e biscoito O Globo. A equipe traz os pedidos e leva os produtos. No final, quem consumiu paga para Dilma que cumprimenta os fregueses, atende, anota tudo em seu caderno, erra algumas coisas, mas confia em nós.
Entre a saída da praia e a entrada da noite que é de sábado, o tempo é curto. Um banho, um almoço que pelo horário é jantar e a sesta de no máximo uma hora com celulares e telefones desligados. Durante esses eventos, as conversas decidem que a noite será diante de um palco, com música brasileira, cantada por um negro que gosto muito.
Acordo e acho que não quero ir, mas devo. Combinei. Vai ser legal. É sábado. Ligo o som, como chocolate e acredito no ‘vou me divertir’. Vou com alguns dos amigos que estavam na praia. Lá, nós e mais 3 mil pessoas ficam diante do palco, bebem, fumam cigarro e maconha, cantam e dançam. Alguém pega na minha mão e eu pulo de susto. “Que isso?”. Olho para o dono da mão que segura a minha e sorri. “Eu só queria segurar na sua mão, pode?”. Fico sem graça e faço que sim com a cabeça. A música brasileira, cantada por um negro, continua. Minha outra mão segura uma bebida que acaba e é levada pelo garçom. O dono da mão, que segura uma das minhas, usa a outra mão e me tira para dançar. Olho para os meus amigos e meu corpo é levado pela dança porque hoje é sábado.
Aline Gama
O sol daqui a pouco vai se pôr e alguns vão aplaudir. Deus sabe o porquê do pôr-do-sol ser aplaudido. Alguém antecipa o que virá depois, porque hoje é sábado: “então, o que vocês vão fazer mais tarde?”; “tenho um jantar de aniversário de uma amiga e não posso levar ninguém”; “eu vou dormir, tive uma festa ontem e estou cansada”; “compramos ingresso para um show, vocês querem ir?”; “onde?”; “que horas”; “quanto?”; “nos falamos mais tarde...”.
Acontecem os aplausos e o tempo esfria. Todos fazem movimentos de saída. Ele veste a bermuda, outro coloca a camisa, ela deixa cair o vestido, a outra se aperta no short, todos calçam chinelos de dedo e andam em direção a dona da barraca que chama-se Dilma. Na barraca da Dilma trabalha uma equipe que veste literalmente a mesma camisa: uma menina, que não lembro o nome, Bruno e Rodrigo, todos jovens. Ela aluga cadeiras e guarda-sóis, vende água com/sem gás e de coco, refrigerantes, cerveja e biscoito O Globo. A equipe traz os pedidos e leva os produtos. No final, quem consumiu paga para Dilma que cumprimenta os fregueses, atende, anota tudo em seu caderno, erra algumas coisas, mas confia em nós.
Entre a saída da praia e a entrada da noite que é de sábado, o tempo é curto. Um banho, um almoço que pelo horário é jantar e a sesta de no máximo uma hora com celulares e telefones desligados. Durante esses eventos, as conversas decidem que a noite será diante de um palco, com música brasileira, cantada por um negro que gosto muito.
Acordo e acho que não quero ir, mas devo. Combinei. Vai ser legal. É sábado. Ligo o som, como chocolate e acredito no ‘vou me divertir’. Vou com alguns dos amigos que estavam na praia. Lá, nós e mais 3 mil pessoas ficam diante do palco, bebem, fumam cigarro e maconha, cantam e dançam. Alguém pega na minha mão e eu pulo de susto. “Que isso?”. Olho para o dono da mão que segura a minha e sorri. “Eu só queria segurar na sua mão, pode?”. Fico sem graça e faço que sim com a cabeça. A música brasileira, cantada por um negro, continua. Minha outra mão segura uma bebida que acaba e é levada pelo garçom. O dono da mão, que segura uma das minhas, usa a outra mão e me tira para dançar. Olho para os meus amigos e meu corpo é levado pela dança porque hoje é sábado.
Aline Gama
17.4.09
Raios de cidade
Diz o senso comum e eu acredito que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar.
O relógio da foto fica no Edifício da Central do Brasil no Centro do Rio. A foto é do Domingos Peixoto da Agência O Globo.
Aline Gama
13.4.09
Intertexto e a ideia
Quando criei esse espaço, só sabia que queria continuar escrevendo sobre o Rio de Janeiro e suas representações. Pensei muito em como e o que fazer com um blog. Uma delas foi a tentativa de ter um perfil acadêmico. Um editor de uma página de blogs de sociologia até me avaliou:
“It sounds like a great blog full of insights about life in Brazil today and our colleague. Both our Portuguese-speaking reviewer and all of us at Contexts encourage you to keep up the great work. However, for practical reasons, we don't think it would work as a Contexts blog. As you suggest, the language barrier would be a problem given the limited staff & resources we have here at Contexts”(Jon Smajda, Web Editor, Contexts Magazine).
A ideia se foi, mas eles continuam lendo como outras pessoas (agradeço a preferência). Acontece que, seguindo os cânones do carioca way of life, tendo a informalidade feliz da vida. Deu bobeira, sento, tomo uma cerveja, abraço, faço carinho, chamo de amigo, choro junto e sofro, nada que não acabe em um samba ou em mais uma rodada de chope. Permaneceu, assim, o desejo de ser imagens e relatos “sobre-vivências” sociais, psicológicas, espirituais e estéticas na cidade Maravilhosa & Partida.
No entanto, sempre achei que os blogs seriam uma ferramenta interessante para pesquisa ainda sem saber como, quando, onde e porque fazer. Aos poucos, outras pessoas falam e fazem. A última foi a genial ideia de uma grande amiga e escritora com o complete a frase. Diante de tantas formas de entrevista, observação participante e considerações precipitadas, Rosana Caiado mostra que há uma nova forma em um novo meio.
Aline Gama
“It sounds like a great blog full of insights about life in Brazil today and our colleague. Both our Portuguese-speaking reviewer and all of us at Contexts encourage you to keep up the great work. However, for practical reasons, we don't think it would work as a Contexts blog. As you suggest, the language barrier would be a problem given the limited staff & resources we have here at Contexts”(Jon Smajda, Web Editor, Contexts Magazine).
A ideia se foi, mas eles continuam lendo como outras pessoas (agradeço a preferência). Acontece que, seguindo os cânones do carioca way of life, tendo a informalidade feliz da vida. Deu bobeira, sento, tomo uma cerveja, abraço, faço carinho, chamo de amigo, choro junto e sofro, nada que não acabe em um samba ou em mais uma rodada de chope. Permaneceu, assim, o desejo de ser imagens e relatos “sobre-vivências” sociais, psicológicas, espirituais e estéticas na cidade Maravilhosa & Partida.
No entanto, sempre achei que os blogs seriam uma ferramenta interessante para pesquisa ainda sem saber como, quando, onde e porque fazer. Aos poucos, outras pessoas falam e fazem. A última foi a genial ideia de uma grande amiga e escritora com o complete a frase. Diante de tantas formas de entrevista, observação participante e considerações precipitadas, Rosana Caiado mostra que há uma nova forma em um novo meio.
Aline Gama
6.4.09
Com açúcar - meu mundo mágico
Pauso a leitura do difícil Tristeza da Doçura, do Marshall Sahlins, seguro o texto com uma mão e atendo o celular com a outra.
- Oi, Aline, é doutora Márcia. Você deixou um recado na minha secretária, o que aconteceu?
- Pois é, a cauterização química criou uma ferida que não quer fechar. É uma região sensível.
- É, eu sei. O que você tem em casa de pomada? Fibrase, algum cicatrizante...
- Hum, talvez fibra...- Já sei! Sabe aquele açúcar que você coloca no café?
- Açúcar do café? Hum...Sei...
- Então, você vai colocar na ferida.
- Açúcar??? Mas a ferida vai ficar doce, doutora!
- Vai e vai ficar boa!!!
- Mas doutora...
- Qualquer coisa, me liga
- Mas... Está bem.
- E as outras feridas, doutora? As feridas da alma... posso colocar açúcar em tudo? Tudo vai ficar doce e cicatrizar? Posso carregar um avião de bombeiro jogar açúcar sobre a cidade? Posso fazer da Cidade Partida uma cidade doce? Cicatrizar as feridas como se apagasse um incêndio, doutora?
Olho para o telefone e olho para o texto. Vejo o telefone, o azul da parede, o computador, a luz, os livros da estante e o texto em que se lê:
“Na Europa, entretanto, todas (as bebidas: chá, café, chocolate) passaram a ser tomadas com açúcar, desde a época de sua introdução. É como se o amargor adoçado do chá pudesse produzir, no registro dos sentidos, o tipo de mudança moral que as pessoas desejavam em sua existência terrena – ‘os dias desta nossa peregrinação”(p. 606).
Apoio o texto e o celular sobre a mesa. Levo as mãos aos olhos, afasto a cadeira para trás, me curvo, apoio os cotovelos sobre o joelho e a cabeça sobre as mãos e reescrevo-me.
Aline Gama
- Oi, Aline, é doutora Márcia. Você deixou um recado na minha secretária, o que aconteceu?
- Pois é, a cauterização química criou uma ferida que não quer fechar. É uma região sensível.
- É, eu sei. O que você tem em casa de pomada? Fibrase, algum cicatrizante...
- Hum, talvez fibra...- Já sei! Sabe aquele açúcar que você coloca no café?
- Açúcar do café? Hum...Sei...
- Então, você vai colocar na ferida.
- Açúcar??? Mas a ferida vai ficar doce, doutora!
- Vai e vai ficar boa!!!
- Mas doutora...
- Qualquer coisa, me liga
- Mas... Está bem.
- E as outras feridas, doutora? As feridas da alma... posso colocar açúcar em tudo? Tudo vai ficar doce e cicatrizar? Posso carregar um avião de bombeiro jogar açúcar sobre a cidade? Posso fazer da Cidade Partida uma cidade doce? Cicatrizar as feridas como se apagasse um incêndio, doutora?
Olho para o telefone e olho para o texto. Vejo o telefone, o azul da parede, o computador, a luz, os livros da estante e o texto em que se lê:
“Na Europa, entretanto, todas (as bebidas: chá, café, chocolate) passaram a ser tomadas com açúcar, desde a época de sua introdução. É como se o amargor adoçado do chá pudesse produzir, no registro dos sentidos, o tipo de mudança moral que as pessoas desejavam em sua existência terrena – ‘os dias desta nossa peregrinação”(p. 606).
Apoio o texto e o celular sobre a mesa. Levo as mãos aos olhos, afasto a cadeira para trás, me curvo, apoio os cotovelos sobre o joelho e a cabeça sobre as mãos e reescrevo-me.
Aline Gama
2.4.09
Honrando o nome
A Cidade Partida agora tem muros físicos e de concreto que dividem floresta e favela. Sobre a questão dos muros "recomendo fortemente"*: Caldeira, T. P. d. R. (2000). Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo, Ed. 34/ Edusp.
Foto: Marcelo Carnaval - O Globo Online 27.03
Aline Gama
* expressão do meu ex-orientador.