28.6.09

Rio, junk food

Levanto, aperto a campainha e ando para descer do ônibus que faz a curva, freia, para e abre a porta. No caminho entre levantar e descer, vejo perto de um poste de luz, apagado, um grupo de pessoas mexendo naqueles sacos pretos de lixo. São 23h41, mostra o visor do meu celular antes d’eu sair do ônibus. Penso: meu Deus, vou morrer!!! Fecho o casaco, como se me protegesse. Continuo? Sigo? Para onde e por que? Vou ser assaltada, estuprada, devorada! O que eles estão fazendo ali essa hora?

Lembro: estão na calçada onde existem três restaurantes. Um japonês, uma pastelaria chinesa e um McDonalds que já fecharam suas portas, trancaram suas grades e ligaram seus alarmes.

Atravesso e acelero meus passos.

A busca daquelas pessoas abaixadas, rasgando sacos pretos de lixo, é por comida. Não é uma tribo de esfomeados da Etiópia, não são as famílias do distante nordeste brasileiro e muito menos marcianos verdes abduzidos para o planeta Terra em plena Cidade Partida. Estão na minha passagem e são daqui!!!

Meu estomago embrulha. Me sinto menor do que um grão de ervilha. Revejo meus desejos, sonhos, conceitos e caminhos.

O que eu estou fazendo aqui essa hora? Qual era mesmo a festa que me divertia e da qual eu vinha???

Quero chorar e não consigo. Quero parar. Quero não ver o que me dói. Corro de mim mesma. Quero dormir para poder sonhar! Quero um carro para poder subir os vidros, ligar o ar condicionado no calor, aumentar a música e cantar bem alto para ninguém ouvir...

Aline Gama para J.C.R.

24.6.09

Momento do querer



Chico e Caetano. Se até eles erram ao querer, ...

22.6.09

Tempo, tempo, tempo...

"Boa tarde", digo. "Bom dia", recebo. "Já almocei", rio. O sol não levantou. Eu já. Atravessa rápido minha janela e mesa. Esquenta pouco. Vivemos sobre incipiente eixo do inverno. Leio, escrevo e almoço. Às 14h32 para de deixar os livros, os papéis e o note mornos e dourados.

Vejo futebol no intervalo. 90 minutos passam rápido para ver o time jogar mal e insuportavelmente devagar com o barulho de cornetas. Aqui não relativizo, entendo ou acho interessante habitus alheio. Acho um saco, penso em como será a Copa do Mundo na Africa do Sul, aperto o muting e ponto.

Chego tarde e cansada. Ocupada, respondo e-mails. Checo tarefas. Ao lado do seu nome o verde. Disponível. O chá quente desce atravessado. Tenho mais perguntas que respostas. Sono. Fecho windows!? Duvido e aposto. Tenho insônia, palpitações e silêncios. Sinto, sinto e escrevo.

Cedo demais para encontrar você. Ainda tremo ao te ver entrar. Resmungo. Mau-humor. O silêncio e a ausência. Sem cheiro, gosto, temperatura e música. Só a do meu coração só. Caixas e caixas de chocolate. Nada ajuda o ponteiro dos dias a andar depressa.

Aline Gama

18.6.09

Azul-violeta, uma homenagem



Com um pincel na mão, a pele branca, os olhos claros e o cabelo avermelhado em um pouco do azul pingou o vermelho. Fez o índigo. O sol não mais esquentou o vento frio do outono, que soprou. As cerdas do pincel esbarraram no canto do índigo e uma linha vermelha escorreu pela borda, adentrou o azul e misturou-se. Azul-violeta.

E não deveria ser assim.
E eu pediria: não faça, posso me apaixonar!

Em um trabalho sobre Ianelli para graduação, em 1998, escrevi: "A cor liberta-o da objetividade e da razão, instrumento anímico, subjetivo, intimista ou, como em seus trabalhos atuais, instrumento de expansão do Eros. A linha funciona como uma imposição de ordem e aprisionamento da forma".

Aline Gama
Sem título, 1993. Óleo sobre tela. Arcangelo Ianelli (SP, 18.07.1922 — SP, 26.05.2009).

10.6.09

7.6.09

Ela só quer

Escolhe aquela mesa, a do canto. Sem o calor do corpo ao lado, ela gosta das almofadas, travesseiros, paredes e cantos. Ele senta em frente a ela, escolhe o prato e o vinho. Apoia os braços sobre a mesa, cruza as mãos como se fosse brincar de rodar em movimento de espera ou de abaixar os polegares sozinho. Não faz.

Faz afirmações, negações e perguntas que se entrecruzam as afirmações, suspiros, perguntas e silêncios dela. O vinho chega, a mão esquerda desce da mesa e a direita roda a taça, leva a boca, prova e acena com a cabeça. O vinho está bom. A esquerda sobe, reencontra a direita e se cruzam.

“Uma vez estava no Centro do Rio, na inauguração de um bar de um amigo e vi o Theo indo em direção à porta”. “Hum”. Levanta as sobrancelhas. O dedo indicador direito da moça, implicante, se enfia entre os dedos cruzados das mãos dele. “Faz pouco tempo?”; “Não, ele tinha três anos, agora tem sete”. O prato, talharim com camarão, chega em uma frigideira fervendo e é divido em dois. Ela preferia que fosse dividido à garfadas até encontrarem o fio em comum como no desenho. As taças esvaziam, a conversa roda e os talheres são levados a boca. “Hum”; “bom”; “adoro esse prato”; “delicioso”. As taças enchem, o talharim acaba, esvaziam o vinho.

“Deixei o Theo sair e fui atrás, ele caminhou na calçada. Virou a primeira esquina, a segunda, dez passos, puxei ele pelo braço e levei de volta pro bar, muito irritado”. Os dedos cruzados das mãos dele apertam o indicador da moça. “Disse a ele: Theo, você podia ter se machucado. Não faz mais isso! Você podia nunca mais ver o papai, a mamãe e seus amigos. Você sabe que o maior medo do papai é perder você!”; "Com apenas três anos, ele fala:"

- Nós temos que enfrentar nossos medos!!!

Tempo depois, as mãos ainda estão cruzadas, os braços se apoiam na pesquisa, na coordenação, no evento, na viagem e no Theo. O dedo indicador dela em vão continua a se enfiar entre os dedos entrelaçados dele. Entre o corpo e o coração dele, que se fecha para ela pelas as mãos, está o medo e o vazio, que a moça quer preencher.

Aline Gama
Vale ver e ouvir Marisa Monte indecentemente cantando.

Mãos


Sinto calor e na cidade é frio. Sinto frio. Você não está. A planilha de Excell, os dois arquivos de Word, o EndNote, o PowerDVD, o filme, o artigo, a mostra e só quero que o Gtalk faça barulho e seja você in azul.

Não quero distância, feriado, tempo, trabalho, telefonemas, e-mails e desejos não respondidos. Finais, felizes ou não, não são para mim. Eros que virou Philia que virou Ágape...Assim te espero. Vou sentir falta de me encaixar no seu colo, do cheiro do seu suor, dos seus olhos, das brotoejas e pintas.

Vivo a sofrer pelos meus começos que hoje são muitos. O vermelho e o verde; o azul, o vermelho e os pratas; o verde e o amarelo. O tempo de cada um, o meu inevitável silêncio, o momento possível da troca, a dor dos primeiros nãos, a felicidade dos primeiros sins até que cada dedo se cruze e as palmas se encontrem para caminhar junto.

Aline Gama
Foto da Gávea roubada da Tereza Xavier