7.6.09

Ela só quer

Escolhe aquela mesa, a do canto. Sem o calor do corpo ao lado, ela gosta das almofadas, travesseiros, paredes e cantos. Ele senta em frente a ela, escolhe o prato e o vinho. Apoia os braços sobre a mesa, cruza as mãos como se fosse brincar de rodar em movimento de espera ou de abaixar os polegares sozinho. Não faz.

Faz afirmações, negações e perguntas que se entrecruzam as afirmações, suspiros, perguntas e silêncios dela. O vinho chega, a mão esquerda desce da mesa e a direita roda a taça, leva a boca, prova e acena com a cabeça. O vinho está bom. A esquerda sobe, reencontra a direita e se cruzam.

“Uma vez estava no Centro do Rio, na inauguração de um bar de um amigo e vi o Theo indo em direção à porta”. “Hum”. Levanta as sobrancelhas. O dedo indicador direito da moça, implicante, se enfia entre os dedos cruzados das mãos dele. “Faz pouco tempo?”; “Não, ele tinha três anos, agora tem sete”. O prato, talharim com camarão, chega em uma frigideira fervendo e é divido em dois. Ela preferia que fosse dividido à garfadas até encontrarem o fio em comum como no desenho. As taças esvaziam, a conversa roda e os talheres são levados a boca. “Hum”; “bom”; “adoro esse prato”; “delicioso”. As taças enchem, o talharim acaba, esvaziam o vinho.

“Deixei o Theo sair e fui atrás, ele caminhou na calçada. Virou a primeira esquina, a segunda, dez passos, puxei ele pelo braço e levei de volta pro bar, muito irritado”. Os dedos cruzados das mãos dele apertam o indicador da moça. “Disse a ele: Theo, você podia ter se machucado. Não faz mais isso! Você podia nunca mais ver o papai, a mamãe e seus amigos. Você sabe que o maior medo do papai é perder você!”; "Com apenas três anos, ele fala:"

- Nós temos que enfrentar nossos medos!!!

Tempo depois, as mãos ainda estão cruzadas, os braços se apoiam na pesquisa, na coordenação, no evento, na viagem e no Theo. O dedo indicador dela em vão continua a se enfiar entre os dedos entrelaçados dele. Entre o corpo e o coração dele, que se fecha para ela pelas as mãos, está o medo e o vazio, que a moça quer preencher.

Aline Gama
Vale ver e ouvir Marisa Monte indecentemente cantando.

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