Um dos apelidos do Rio parece que foi inventado recentemente, mas no início do século XX as crônicas de Olavo Bilac já tratavam a favela como uma “cidade à parte” e a de Benjamim Costallat descrevia que “a Favela é uma cidade dentro da cidade”. O título do livro de Zuenir Ventura relata a estadia de dez meses do jornalista em Vigário Geral, que acabara de passar pela chacina de 21 pessoas, em 29 de agosto de 1993, e foi amplamente noticiada.
No livro, moradores do asfalto, artistas plásticos, antropólogos, sociólogos e ele adentram a favela para criar o movimento “Viva Rio”, ao lado de moradores que não são nem bandidos, nem criminosos e tampouco traficantes. A necessidade de justiça e de recuperação da auto–estima perdida na chacina une pessoas, apesar de morarem em locais diferentes e de, segundo Ventura, serem de partes diferentes da cidade. Na leitura, o diálogo entre as partes contradiz o título dado ao livro. A sugestão de que a “Cidade Partida”, de Zuenir Ventura, descreve uma situação de guerrilha urbana, que divide os moradores da favela e do asfalto, os pobres e os ricos, os bandidos contra a sociedade, vem de uma leitura rápida e descuidada.
Ao chamar atenção para a questão do tráfico na favela, a expressão vira apelido nos mais diversos setores da sociedade e reverbera em artigos científicos, mesas de bar e na mídia até os dias atuais. O próprio Zuenir Ventura, de vez em quando, usa a expressão para redividir a cidade que é partida entre os que não querem e os que querem pular Carnaval ou entre os que são contra ou a favor de determinado assunto.
A questão está na atribuição de valores e na demarcação territorial que aponta aonde está ou não está a diferença. Não é o epíteto, mas sim o que ele divide e denomina como favela. A nominação, como mostra a Sociologia, serve para demarcar, individualizar, agregar ou segregar. O sim, ou o não, da "Cidade Partida" depende de escalas orientadas por interesses. Escolher dizer que a favela, e conseqüentemente, os favelados são parte da cidade e como eles podem ou devem ser percebidos como tal, pela religião, cor da pele, renda, anos de estudos e tipo de trabalho é fundamental para a vida, o trabalho e as relações dos mais de 1 milhão de habitantes das 752 favelas do Rio.
Leia mais:
Almeida AGd. Maravilhosa e Partida: representações do Rio de Janeiro no telejornalismo local. Saúde Pública. Rio de Janeiro, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca: 2008.
Costallat B. A favela que eu vi. In: Costallat B Mistérios do Rio. Rio de Janeiro: H. Antunes; 1931.
Sen A. Desigualdade reexaminada. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001.
Valladares LdP. A invenção da favela: do mito de origem a favela.com. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2005.
Ventura Z. Cidade Partida. São Paulo: Companhia das Letras; 1994.
Zaluar A, Alvito M(orgs.). Um século de Favela. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas; 1998.
No microscópio, Aline Gama
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