- Você, que é ligada na arquitetura urbana, deve ter percebido como é isso aqui.
- Hum...
- É uma bagunça!
- Você olha para cima e vê essa quantidade absurda de fios. Não é à toa que de vez em quando acontece um incêndio.
Bagunça somos nós. Uma quantidade de fios que não se deixa perceber, sentimentos contraditórios, fios de sangue e de tecidos, mas nada causa incêndio. Tudo está em suspensão. Andamos por um.
- E se você olha para os prédios você vê que embaixo é uma coisa. Uma loja de roupas, de móveis, de comida... Tem de tudo! E em cima alguns têm um sobrado colonial caindo aos pedaços, outros pintaram e destruíram a fachada, transformado em qualquer outra coisa. É um crime isso! Essas pedras antigas são as mesmas do Pão de Açúcar. É uma raridade, mas aqui é uma zona. Cada um faz o que quer. Para mim, isso aqui é uma grande favela urbana.
Passado e presente se digladiam. O passado se enlaça pelos fios de eletricidade, de internet e de telefone ao presente das lojas de comidas a eletrodomésticos. Os fios são e estão no meio. Enlaçam, como os molhos da culinária, vista por Freyre e DaMatta. É assim que nos expressamos em nossa arquitetura. Concordo com você: a cidade é uma favela que se quer Maravilhosa. Dá-se um jeito. Perde-se o passado e tudo aquilo que poderíamos ter sido!
- Você conhece essa Igrejinha?
- Não. Você sabe de quem é?
- Não.
- Vamos entrar?
- Vamos.
- De fora você vê que esse camelô fez um furo e colocou um gancho para a sua lona.
- Que isso! Que absurdo!
- É assim! Ninguém toma conta de nada. Não existe regra e não existe vigilância.
Ele passa para a minha direita e fica para trás....Perco o de vista em uma Igreja tão pequenina. Caminho só até o altar para ter outra perspectiva da Igreja e ver de lá a Santa. Fico a olhar. Sagrado e profano invadem um ao outro em mim e em toda arquitetura da cidade. Uma profusão de entidades, santos, deuses, mestres em meio a discípulos pecadores. Não só no SAARA a ilegalidade é vizinha de porta do sagrado. Rapidamente, percebo estar só em um lugar que não desejo mais ficar. Apenas caminho para única saída que conheço.
Aline Gama
Entre fios - parte I
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