Depois de um 2008 que não coube em 12 meses, assisto no Mothern:
- Mãe, o amanhã não vai chegar!
- Por quê, meu filho?
- O amanhã só vem depois que eu dormir e eu não estou conseguindo, então, o amanhã não vai chegar...
Ele sempre chega, sempre! Que venha 2009!!!
No boteco, Aline Gama
29.12.08
25.12.08
Querido Papai Noel,
Quero que você saiba que se muitas crianças cariocas deixaram de enviar suas cartas com pedidos de presentes e tantas outras deixaram de por suas meias e sapatos nas janelas é porque muitos adultos deixaram de fazer o dever de casa. Por causa deles, tais crianças passaram de ano sem saber escrever e ler e muitas nem possuem meias e sapatos para viver a magia do Natal.
Por isso, peço que cuide dos pequenos no ano vindouro. Proteja-as das armadilhas do dinheiro fácil vindo do trafico de drogas e do sexo. Faça com que tenham os alimentos necessários para o corpo e para alma.
Desejo ainda, Papai Noel, que o milagre do amor e da paz aconteça na vida de cada uma delas. Quanto aos adultos espero que a justiça seja feita.
Sem mais,
Aline Gama
Por isso, peço que cuide dos pequenos no ano vindouro. Proteja-as das armadilhas do dinheiro fácil vindo do trafico de drogas e do sexo. Faça com que tenham os alimentos necessários para o corpo e para alma.
Desejo ainda, Papai Noel, que o milagre do amor e da paz aconteça na vida de cada uma delas. Quanto aos adultos espero que a justiça seja feita.
Sem mais,
Aline Gama
22.12.08
carioca oficial x Carioca Oficioso
- Essa virada de ano está complicada com a crise! Tive não sei quantos amigos ocultos mais os presentes de Natal. Sabe como é começo de ano... Tem IPVA, IPTU, Imposto de Renda, além do material de colégio das crianças. Não há salário que chegue!
- E...Fala sério! Não tem essa de presente para todo mundo, não! Presente é só para os mais chegados. Dos amigos ocultos acabei selecionando dois: o dá firma e o da minha família. E você sabe... Lá onde moro não tem IPTU, luz, água, net, é tudo gato! Um brinde aos gatos!
– Você não é fácil!
– Miaaaauuuu!!!
Do boteco, Aline Gama
- E...Fala sério! Não tem essa de presente para todo mundo, não! Presente é só para os mais chegados. Dos amigos ocultos acabei selecionando dois: o dá firma e o da minha família. E você sabe... Lá onde moro não tem IPTU, luz, água, net, é tudo gato! Um brinde aos gatos!
– Você não é fácil!
– Miaaaauuuu!!!
Do boteco, Aline Gama
18.12.08
O abraço
Ele surge sem explicação. Para acontecer é preciso apenas que os dois corpos, o dele e o meu, ocupem o mesmo ambiente e se atraiam por tesão, carinho, paixão ou amizade. Pode ser no salão de festas da casa de uma amiga em comum, em um boteco ou uma pista de dança na Lapa, no corredor de uma escola ou de um shopping, ou até, no meio da rua ou dentro do carro. Antecede quase sempre o reconhecimento do encontro com um olhar ou um 'oi'. Apesar de sermos profissionais da palavra, nesse momento somos silêncio.
Sou só eu e ele! Os braços se enroscam, as mãos se espalmam e apertam o outro corpo. Coração escuta coração. Nada mais existe. O samba descompassado no meio de nós. O tempo pára. O mundo não gira. Um suspiro profundo e nossas almas se reencontram como se fosse a primeira vez.
No microscópio, Aline Gama
Sou só eu e ele! Os braços se enroscam, as mãos se espalmam e apertam o outro corpo. Coração escuta coração. Nada mais existe. O samba descompassado no meio de nós. O tempo pára. O mundo não gira. Um suspiro profundo e nossas almas se reencontram como se fosse a primeira vez.
No microscópio, Aline Gama
15.12.08
A Cidade Partida por Madonna
Atravesso a rua depois de ver as filas e muitos vestindo preto. Pergunto a vendedora o preço da camiseta. Vinte reais, quer? Faço que não e sigo. Ouço que o ingresso custa 700 reais uma hora da tarde. Sei que foram adquiridos por 300 em 7 horas de fila.
No percurso de mil setecentos e setenta metros da ciclovia que cerca o complexo do Maracanã, cerveja custa 3 e refrigerante 2 reais. Tem pipoca, churros, churrasquinhos e cachorros-quente. Aqui muitos se transformam em releituras de Madonna.
Os vendedores e os cambistas vestem a camisa para ganhar um trocado. O pai com o filho menor nos ombros de mãos dadas com a menina de mão dadas com mãe. Os adolescentes barulhentos na grade de entrada ensaiam seus hits. A menina punk de cabelos rosa e piercing. Os pit boys já bêbados dividindo o ectasy. O sargento conferindo sua tropa, “Carlos, Daniel, Divaldo...” Os viadinhos falam em bom tom sobre o sexo da noite anterior denegrindo sua imagem. Os ambulantes devorando suas quentinhas de alumínio com feijão, arroz, um à milanesa (do tamanho da minha mão aberta) e batatas fritas.
Madonna parte a cidade entre o carioca que trabalha e o carioca que se diverte. É o carioca pobre que se molha na chuva. É branca, moreninha, gorda ou patricinha. É negro, ruivo, branco, afetado e mauriceba. É a carioca rica que molha a mão do guarda.
Madonna é a loura gelada em um Rio de Janeiro sem sol.
No boteco, Aline Gama
No percurso de mil setecentos e setenta metros da ciclovia que cerca o complexo do Maracanã, cerveja custa 3 e refrigerante 2 reais. Tem pipoca, churros, churrasquinhos e cachorros-quente. Aqui muitos se transformam em releituras de Madonna.
Os vendedores e os cambistas vestem a camisa para ganhar um trocado. O pai com o filho menor nos ombros de mãos dadas com a menina de mão dadas com mãe. Os adolescentes barulhentos na grade de entrada ensaiam seus hits. A menina punk de cabelos rosa e piercing. Os pit boys já bêbados dividindo o ectasy. O sargento conferindo sua tropa, “Carlos, Daniel, Divaldo...” Os viadinhos falam em bom tom sobre o sexo da noite anterior denegrindo sua imagem. Os ambulantes devorando suas quentinhas de alumínio com feijão, arroz, um à milanesa (do tamanho da minha mão aberta) e batatas fritas.
Madonna parte a cidade entre o carioca que trabalha e o carioca que se diverte. É o carioca pobre que se molha na chuva. É branca, moreninha, gorda ou patricinha. É negro, ruivo, branco, afetado e mauriceba. É a carioca rica que molha a mão do guarda.
Madonna é a loura gelada em um Rio de Janeiro sem sol.
No boteco, Aline Gama
11.12.08
8.12.08
Rocinha
- Meu irmão, tava te procurando...
- Fala! Tudo tranqüilinho?
- Vai ter show do Ja Rule lá perto de casa, na quadra da Rocinha. Não tá a fim de passar o sábado lá em casa?
- Pô, já é...Quanto tá?
- Lá de casa, da laje, dá para ver o show perfeitamente, tomar umas cervas e ainda curtir o visual. Não vai deixar passar essa, vai?
- Não parceiro, tamo junto e misturado...
- Demoro, me liga quanto tiver chegando que desço para te pegar para você não se perder...
- Valeu!
Do boteco, Aline Gama
- Fala! Tudo tranqüilinho?
- Vai ter show do Ja Rule lá perto de casa, na quadra da Rocinha. Não tá a fim de passar o sábado lá em casa?
- Pô, já é...Quanto tá?
- Lá de casa, da laje, dá para ver o show perfeitamente, tomar umas cervas e ainda curtir o visual. Não vai deixar passar essa, vai?
- Não parceiro, tamo junto e misturado...
- Demoro, me liga quanto tiver chegando que desço para te pegar para você não se perder...
- Valeu!
Do boteco, Aline Gama
4.12.08
Cariocas
"Cariocas são bonitos. Cariocas são bacanas. Cariocas são sacanas. Cariocas são dourados. Cariocas são modernos. Cariocas são espertos. Cariocas são diretos. Cariocas não gostam de dias nublados.
Cariocas nascem bambas. Cariocas nascem craques. Cariocas têm sotaque. Cariocas são alegres. Cariocas são atentos. Cariocas são tão sexys. Cariocas são tão claros. Cariocas não gostam de sinal fechado".
Definido por Adriana Calcanhotto
No microscópio, Aline Gama
Cariocas nascem bambas. Cariocas nascem craques. Cariocas têm sotaque. Cariocas são alegres. Cariocas são atentos. Cariocas são tão sexys. Cariocas são tão claros. Cariocas não gostam de sinal fechado".
Definido por Adriana Calcanhotto
No microscópio, Aline Gama
1.12.08
Almoço de família
Cena um: tomada de almoço de família, ninguém conversa, mas estão todos fazendo alguma coisa e o som é das atividades: a menina passa o guardanapo na boca e faz hum, a outra menina abre a panela para pegar mais um pouco de massa, o pai abre o vinho, a mãe coloca o prato da sua mãe (avó da menina) e a avó só observa e espera seu prato ficar pronto.
Cena dois: Enquanto todos comem, a mãe fala – Então, mamãe, vamos ter que mandar a moça que trabalha em sua casa embora! – Por que minha filha? – Mãe, ela está na sua casa tem três meses, não dá conta de todo o trabalho e ainda está roubando sua comida... – Mas ela cuida tão bem de mim! – Mamãe, não é o suficiente! – Minha filha deixa ela ficar, eu gosto dela e ela rouba tão pouco...
A menina, que passou o guardanapo na boca e fez hum, dispensa a sobremesa para não achar que a vida é doce e corre para o caderno de anotações e escreve: “mas ela rouba tão pouco”, vovó.
Do boteco, Aline Gama
Cena dois: Enquanto todos comem, a mãe fala – Então, mamãe, vamos ter que mandar a moça que trabalha em sua casa embora! – Por que minha filha? – Mãe, ela está na sua casa tem três meses, não dá conta de todo o trabalho e ainda está roubando sua comida... – Mas ela cuida tão bem de mim! – Mamãe, não é o suficiente! – Minha filha deixa ela ficar, eu gosto dela e ela rouba tão pouco...
A menina, que passou o guardanapo na boca e fez hum, dispensa a sobremesa para não achar que a vida é doce e corre para o caderno de anotações e escreve: “mas ela rouba tão pouco”, vovó.
Do boteco, Aline Gama
27.11.08
Era uma vez...um Palácio
Em uma quarta-feira, há uns quatro meses, tinha uma chata tarefa para resolver no Centro. Bairro do Rio de Janeiro que não fica no centro geográfico da cidade (basta dar uma olhada no mapa ao lado).
Resolvi então “pegar um cineminha” por lá para tornar o trabalho – banco e espera, procuração e fila, mais fila para carimbo - menos árduo. Fiz um convite que foi seguido de uma série falas. “Mas é filme de quê?”, “Esse horário lá no Centro tem muito tarado! Não é perigoso?”, “Tem cena de sexo?”, “Nunca gostei de ir ao cinema lá!”, “Você vai sozinha? Não é perigoso?”.
No caminho para o filme “Era uma vez...” as explicações. Há uns vinte anos, alguns cinemas do Centro passavam filmes pornográficos e as sessões não eram freqüentadas por senhoras distintas, homens de respeito, famílias, crianças e estudantes. Outras eram as categorias que qualificavam tais freqüentadores.
Na porta do cinema os primeiros gestos de surpresa com a fila, o microfone, os computadores, a impressora do ingresso, o refrigerante, a pipoca e a cadeira iguais a qualquer outro cinema. Só que ali pertinho da rua, no caminho da tarefa e ao alcance dos pés estava o Cinema Palácio sem concorrer com corredores de lojas, ar condicionado e luzes brancas.
Outro dia, mais uma incumbência árdua no Centro. Abro o caderno de cultura do jornal e está escrito FECHADO.
No microscópio, Aline Gama
Resolvi então “pegar um cineminha” por lá para tornar o trabalho – banco e espera, procuração e fila, mais fila para carimbo - menos árduo. Fiz um convite que foi seguido de uma série falas. “Mas é filme de quê?”, “Esse horário lá no Centro tem muito tarado! Não é perigoso?”, “Tem cena de sexo?”, “Nunca gostei de ir ao cinema lá!”, “Você vai sozinha? Não é perigoso?”.
No caminho para o filme “Era uma vez...” as explicações. Há uns vinte anos, alguns cinemas do Centro passavam filmes pornográficos e as sessões não eram freqüentadas por senhoras distintas, homens de respeito, famílias, crianças e estudantes. Outras eram as categorias que qualificavam tais freqüentadores.
Na porta do cinema os primeiros gestos de surpresa com a fila, o microfone, os computadores, a impressora do ingresso, o refrigerante, a pipoca e a cadeira iguais a qualquer outro cinema. Só que ali pertinho da rua, no caminho da tarefa e ao alcance dos pés estava o Cinema Palácio sem concorrer com corredores de lojas, ar condicionado e luzes brancas.
Outro dia, mais uma incumbência árdua no Centro. Abro o caderno de cultura do jornal e está escrito FECHADO.
No microscópio, Aline Gama
24.11.08
Na próxima segunda...
Para ler a programação clicar na imagem.
Errei ao informar o horário da mesa - A antropologia audiovisual que praticamos - da qual participam Sylvia Caiuby, Francine Saillant e Clarice Peixoto. Esta mesa está programada para 11h, às 14h será a mesa com apresentação de trabalhos hiper interessantes de ex-alunos de Mestrado e Doutorado.
Do boteco, Aline Gama
20.11.08
Modus operandi
Tenho que escrever um texto baseado em um vídeo sobre um homem que mora em um lugar no Rio de Janeiro. Para não escrever sobre ele aqui ou sobre um outro filme, que não sai da minha cabeça, decidi escrever sobre o meu modus operandi.
Nos primeiros dias que o vídeo estava em minhas mãos assisti duas vezes completo com entrevistas e comentários. Procurei textos e encontrei referências em algumas mostras. Li tudo. Li também outros textos sobre outros vídeos do Rio para ter uma noção das escolhas do que é importante levar para o texto, que deve discutir as questões do vídeo e convidar outros a assistir. Com alguns não concordei. Entre as leituras, vi mais três vezes só o filme e comecei algumas anotações de imagens e falas que chamaram atenção.
Nos momentos que parecem ser de ócio pratico tai chi, caminho, corro, pego onda, converso, faço shiatsu, assisto TV e filmes, leio, ouço música, etc que contribuem com sons, palavras, imagens, cheiros e cores para o texto em gestação.
Escrevo o texto mentalmente: essa idéia é mais importante que essa; vou citar esse autor aqui; não vou citar tantos outros filmes e autores que até podem ter a ver com o filme, mas não cabem no meu texto.
Verei o filme mais três vezes, para anotações finais e ao revê-lo vou abrir minha bibliografia e encontrar os autores escolhidos e suas idéias. Assim, as idéias fluirão da cabeça até o peito, descerão pelos braços até as mãos que apertarão as teclas que farão aparecer na tela o texto que ficará em um arquivo durante dois dias sem ser lido até o acerto final para entrega na próxima semana.
Aline Gama no microscópio
Nos primeiros dias que o vídeo estava em minhas mãos assisti duas vezes completo com entrevistas e comentários. Procurei textos e encontrei referências em algumas mostras. Li tudo. Li também outros textos sobre outros vídeos do Rio para ter uma noção das escolhas do que é importante levar para o texto, que deve discutir as questões do vídeo e convidar outros a assistir. Com alguns não concordei. Entre as leituras, vi mais três vezes só o filme e comecei algumas anotações de imagens e falas que chamaram atenção.
Nos momentos que parecem ser de ócio pratico tai chi, caminho, corro, pego onda, converso, faço shiatsu, assisto TV e filmes, leio, ouço música, etc que contribuem com sons, palavras, imagens, cheiros e cores para o texto em gestação.
Escrevo o texto mentalmente: essa idéia é mais importante que essa; vou citar esse autor aqui; não vou citar tantos outros filmes e autores que até podem ter a ver com o filme, mas não cabem no meu texto.
Verei o filme mais três vezes, para anotações finais e ao revê-lo vou abrir minha bibliografia e encontrar os autores escolhidos e suas idéias. Assim, as idéias fluirão da cabeça até o peito, descerão pelos braços até as mãos que apertarão as teclas que farão aparecer na tela o texto que ficará em um arquivo durante dois dias sem ser lido até o acerto final para entrega na próxima semana.
Aline Gama no microscópio
17.11.08
Reencontro
eu posso, ele não pode,
eu não posso, ele não pode,
eu posso, ele pode, o e-mail não é escrito e o telefone não toca
eu não posso, ele sim e o telefone não toca
eu não, ele pode, o e-mail é escrito e o telefone só toca
eu posso, ela não pode,
eu não, ela sim
eu sim, ela não pode,
o e-mail e o telefone, eu posso e ela também
Atualizamos os medos, as alegrias, as conquistas, as relações amorosas, os textos, os problemas, as dúvidas, as dividas, o além e o aqui como se os meses e as existências tivessem o tempo do agorinha a pouco, aqui mesmo nessa mesa de bar ou nesse sofá. Abreviamos o encontro de céu e mar.
Do boteco, Aline Gama
eu não posso, ele não pode,
eu posso, ele pode, o e-mail não é escrito e o telefone não toca
eu não posso, ele sim e o telefone não toca
eu não, ele pode, o e-mail é escrito e o telefone só toca
eu posso, ela não pode,
eu não, ela sim
eu sim, ela não pode,
o e-mail e o telefone, eu posso e ela também
Atualizamos os medos, as alegrias, as conquistas, as relações amorosas, os textos, os problemas, as dúvidas, as dividas, o além e o aqui como se os meses e as existências tivessem o tempo do agorinha a pouco, aqui mesmo nessa mesa de bar ou nesse sofá. Abreviamos o encontro de céu e mar.
Do boteco, Aline Gama
13.11.08
A coruja e o Noé
JR estava trabalhando em Botafogo quando vê uma coruja em um galho bem na altura de sua janela. Percebe que o bicho está com uma secreção no olho. Imediatamente, passa a mão no telefone e liga para o IBAMA. Boa tarde, eu gostaria de uma informação. Estou vendo uma coruja da minha janela que parece estar doente, com que departamento falo sobre resgate de animais aqui no Rio? Olha, o senhor me desculpe, mas deve ser em outra instituição, aqui não existe esse serviço. Como não? Eu estou falando com o IBAMA, certo? Certo senhor, mas não temos esse serviço. O que o senhor pode fazer é ligar para alguns veterinários e levar o animal para ele cuidar. Eu tenho alguns telefones, você quer anotar? Eu levar, como assim? Coruja é uma ave de rapina e eu... Anota ai...Ok, mas quem vai pagar por isso? E isso é muito complicado, normalmente, quem acha é que paga. Será que o zoológico pode fazer isso? Essa informação eu também não tenho, mas posso te passar o telefone de lá. JR Noé de olho na coruja inspira fundo, expira, levanta vai beber uma água...
É do zoológico? É, sim. Um momentinho que isso é com os técnicos. Vou transferir a ligação. Senhor, nós não fazemos serviço de recolhimento de animais. E além do mais, estamos com um bom número de corujas. Não precisamos de mais uma. Não precisam, como assim? Vocês deveriam cuidar e devolvê-la a floresta que é de onde ela deve ter vindo. E se eu levar até ai? Senhor, você não pode entrar com animais no zoológico, é proibido. Mas, mas... Então, tá me explica o que você acha que eu devo fazer? Noé de olho no olho da coruja pensa que absurdo, que absurdo!!! Olha, senhor, alguns animais são deixados aqui na porta e algumas vezes somos obrigados a pegá-los. Então, vocês vão cuidar dela? Senhor, não posso prometer nada.
É da veterinária? Claro, o senhor quer anotar o endereço? Ficamos em Niterói. Noé leva a mão à cabeça e pensa que precisa de alguém para ir com ele segurando a coruja na caixa. A arca de Noé atravessa então a Baia de Guanabara. O senhor pode ficar tranqüilo que quando ela estiver boa, vou soltá-la. Você quer que eu te avise? Aliás, você tem a carta do IBAMA. Carta? É, carta ou fax? Não! Senhor, você poderia ter sido preso por tráfico de animais!!! Normalmente, as pessoas passam um fax para o IBAMA pedindo autorização temporária para transporte do animal para o veterinário que demora até 48hs para ser respondido. É mesmo? Sabe, eu não consegui falar com a superintendência no Rio e tive que ligar para Brasília. Eles não sabiam me informar praticamente nada e não possuem nem um 0800...Pode deixar que amanhã peço a recepcionista da clínica para ligar para o IBAMA e pegar essa autorização. JR Noé volta para casa indignado e exausto.
Alguns anos depois, procuro no Google “IBAMA” abre a página sem nenhum link para contato ou telefone 0800 ou esclareça suas dúvidas ou índice de animais e plantas. Procuro então por “IBAMA + Rio de Janeiro”, abre a página com telefones e endereços errados da superintendência. Digito então “zoológico + Rio de Janeiro”. Ufa, página da prefeitura! Existe um telefone fale com os técnicos, clico em aves, apenas 19 espécies aparecem e nenhuma coruja.
No microscópio, Aline Gama
É do zoológico? É, sim. Um momentinho que isso é com os técnicos. Vou transferir a ligação. Senhor, nós não fazemos serviço de recolhimento de animais. E além do mais, estamos com um bom número de corujas. Não precisamos de mais uma. Não precisam, como assim? Vocês deveriam cuidar e devolvê-la a floresta que é de onde ela deve ter vindo. E se eu levar até ai? Senhor, você não pode entrar com animais no zoológico, é proibido. Mas, mas... Então, tá me explica o que você acha que eu devo fazer? Noé de olho no olho da coruja pensa que absurdo, que absurdo!!! Olha, senhor, alguns animais são deixados aqui na porta e algumas vezes somos obrigados a pegá-los. Então, vocês vão cuidar dela? Senhor, não posso prometer nada.
É da veterinária? Claro, o senhor quer anotar o endereço? Ficamos em Niterói. Noé leva a mão à cabeça e pensa que precisa de alguém para ir com ele segurando a coruja na caixa. A arca de Noé atravessa então a Baia de Guanabara. O senhor pode ficar tranqüilo que quando ela estiver boa, vou soltá-la. Você quer que eu te avise? Aliás, você tem a carta do IBAMA. Carta? É, carta ou fax? Não! Senhor, você poderia ter sido preso por tráfico de animais!!! Normalmente, as pessoas passam um fax para o IBAMA pedindo autorização temporária para transporte do animal para o veterinário que demora até 48hs para ser respondido. É mesmo? Sabe, eu não consegui falar com a superintendência no Rio e tive que ligar para Brasília. Eles não sabiam me informar praticamente nada e não possuem nem um 0800...Pode deixar que amanhã peço a recepcionista da clínica para ligar para o IBAMA e pegar essa autorização. JR Noé volta para casa indignado e exausto.
Alguns anos depois, procuro no Google “IBAMA” abre a página sem nenhum link para contato ou telefone 0800 ou esclareça suas dúvidas ou índice de animais e plantas. Procuro então por “IBAMA + Rio de Janeiro”, abre a página com telefones e endereços errados da superintendência. Digito então “zoológico + Rio de Janeiro”. Ufa, página da prefeitura! Existe um telefone fale com os técnicos, clico em aves, apenas 19 espécies aparecem e nenhuma coruja.
No microscópio, Aline Gama
10.11.08
No Rio "mulher bonita não paga"
Você passa na Rua Alice? Passo, para onde você vai? Na verdade vou para Julio Otoni, é perto? Hum, é continuação...É perigoso, moço, eu caminhar até lá? Caminhar?! Não, não eu te deixo lá.
***
Oi, como faço para pegar chope nesse caminhão ai na frente? Olha, compra o ticket ali e pega. Ele sempre está aqui na porta da Escola? Não...Você está sozinha? Estou esperando um grupo de amigos que está para chegar(...) Então, vamos entrar? Vou comprar a entrada. Que isso, você e as suas amigas são minhas convidadas...Ai, braço¹, são todas convidadas do meu camarote! Falou chefia!!! (...) Você já desfilou? Sabe que não! Como assim uma carioca que nunca pisou na passarela? É... Tenho muita vontade. Se a gente fortalecer a amizade, te dou uma fantasia. Legal, vou pensar nisso(...)
¹ suponho que a gíria venha da expressão braço esquerdo que significa homem de confiança, apoio, amigo...
Do boteco, Aline Gama
***
Oi, como faço para pegar chope nesse caminhão ai na frente? Olha, compra o ticket ali e pega. Ele sempre está aqui na porta da Escola? Não...Você está sozinha? Estou esperando um grupo de amigos que está para chegar(...) Então, vamos entrar? Vou comprar a entrada. Que isso, você e as suas amigas são minhas convidadas...Ai, braço¹, são todas convidadas do meu camarote! Falou chefia!!! (...) Você já desfilou? Sabe que não! Como assim uma carioca que nunca pisou na passarela? É... Tenho muita vontade. Se a gente fortalecer a amizade, te dou uma fantasia. Legal, vou pensar nisso(...)
¹ suponho que a gíria venha da expressão braço esquerdo que significa homem de confiança, apoio, amigo...
Do boteco, Aline Gama
6.11.08
Primeiro encontro
Depois de algumas trocas de e-mails conversando sobre trabalho, marcamos local e horário. Em uma das linhas percebo que talvez tenha recebido uma chave “como não nos conhecemos, uso óculos, aro vermelho”.
Podia ter escrito seu nome na busca do Google ou do Lattes. Algum filme ou foto revelaria sua imagem com um simples toque no mouse, mas não fiz e não quis. Apenas sabia das suas palavras e frases em artigos e referências acadêmicas. Isso me bastava...
Também não respondi tenho olhos castanhos ou sou magra e morena ou sou tímida e medrosa. Não falo, observo, observo e observo até encontrar um caminho para me expressar em imagens, poemas, conversas e olhares. Minhas palavras e frases você já conhecia e felizmente aceitou o encontro.
Pensei e hoje tenho certeza que os óculos, aro vermelho destacam o mundo visível. É o círculo vermelho em torno do café, da água com gás, das ervas e das lindas latas do chá. Do garçom, do texto marcado à lápis, das fotografias de dor e de O Grito. Da blusa verde e calça branca, do lenço rosa e calça jeans. O vermelho em torno das pessoas que passam e de tudo o mais que passará...
Leia mais:
Goffman, E. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis, Vozes: 1975.
No microscópio, Aline Gama
Podia ter escrito seu nome na busca do Google ou do Lattes. Algum filme ou foto revelaria sua imagem com um simples toque no mouse, mas não fiz e não quis. Apenas sabia das suas palavras e frases em artigos e referências acadêmicas. Isso me bastava...
Também não respondi tenho olhos castanhos ou sou magra e morena ou sou tímida e medrosa. Não falo, observo, observo e observo até encontrar um caminho para me expressar em imagens, poemas, conversas e olhares. Minhas palavras e frases você já conhecia e felizmente aceitou o encontro.
Pensei e hoje tenho certeza que os óculos, aro vermelho destacam o mundo visível. É o círculo vermelho em torno do café, da água com gás, das ervas e das lindas latas do chá. Do garçom, do texto marcado à lápis, das fotografias de dor e de O Grito. Da blusa verde e calça branca, do lenço rosa e calça jeans. O vermelho em torno das pessoas que passam e de tudo o mais que passará...
Leia mais:
Goffman, E. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis, Vozes: 1975.
No microscópio, Aline Gama
3.11.08
Em nome...
É sempre bom...
olhar cidade de outro lugar,
estar mais perto do céu,
cair e levantar
rir das mentiras do Marcos e
das histórias do Sylvio
ouvir as pessoas reclamarem
do mato,
da pedra,
da altura,
do horário,
do medo,
da morte,
das formigas...
ter medo e seguir em frente
beber uma cerva gelada no Edie
e capotar sem lembrar que a noite é de sábado...
Foto: Marcos Rabello - Trilhas do Rio de Janeiro
Do boteco, Aline Gama
30.10.08
Forwarded message
O post abaixo é o e-mail que recebi de um poeta que gosto muito, Henrique Rodrigues. Respondi imediatamente após a leitura, pedindo autorização para publicação. Pensei em fazer um link para algum site com o poema de Affonso Romano de Sant'Anna, mas não encontrei. Mandei e-mail pedindo a autorização. Ele respondeu: "Claro, inda mais que o Gabeira foi quem publicou esse poema na Suécia, antes que saísse no Brasil".
O post vale cada linha, assim como a carta que está aqui.
O post vale cada linha, assim como a carta que está aqui.
Povo não pode ser o diminutivo de homem.
From: Henrique Rodrigues Pinto
Date: 2008/10/27
Subject: poesia hoje - valeu, Gabeira!
To: Aline Gama
Prezados, hoje é um dia meio triste porque o Gabeira não ganhou as eleições. Não acredito em políticos, não espero que nenhum deles conceda qualquer benefício a mim ou aos meus próximos, e nem quero. Talvez esperar a grande solução dos representantes seja até uma forma confortável de se esquivar das responsabilidades individuais, de se tentar melhorar o entorno de cada um com a vontade e o pulso de que se dispõe. Mas nesse caso foi surpreendente que alguém com uma trajetória de conquistas e uma postura política extremamente sincera pudesse chegar tão perto.
Por outro lado, Gabeira já conseguiu uma série de vitórias: afastar - pelo menos por enquanto - a ameaça Crivella e mostrar a todos que é possível fazer uma campanha sem imundiçar a cidade, azucrinar o ouvido dos outros com aqueles malditos carros de som, tentar denegrir a imagem do adversário e fazer alianças a todo custo, jogando uma pá de cal na própria história política. Assim foi o Eduardo Paes, que venceu mas pode bem receber o apelido de um supermercado que creio nem existir mais: Paes Merdonça.
(Se não me engano, foi Aristóteles quem afirmou: o homem é um ser político. Triste é constatar que nem sempre o político é um ser humano.)
Gabeira mostrou que sinceridade, transparência e delicadeza ainda têm o seu espaço. Hoje é um dia triste, mas só um pouco.
Por conta disso, vai um dos poemas políticos mais belos que já li. É longo pacas, mas vale cada verso. Abs, Henrique
Que país é este? - Affonso Romano de Sant’Anna
1.
Uma coisa é um país,
outra um ajuntamento.
Uma coisa é um país,
outra um regimento.
Uma coisa é um país,
outra o confinamento.
Mas já soube datas, guerras, estátuas
usei caderno “Avante”
– e desfilei de tênis para o ditador.
Vinha de um “berço esplêndido” para um “futuro radioso”
e éramos maiores em tudo
– discursando rios e pretensão.
Uma coisa é um país,
outra um fingimento.
Uma coisa é um país,
outra um monumento.
Uma coisa é um país,
outra o aviltamento.
Deveria derribar aflitos mapas sobre a praça
em busca de especiosa raiz? ou deveria
parar de ler jornais
e ler anais
como anal
animal
hiena patética
na merda nacional?
Ou deveria, enfim, jejuar na Torre do Tombo
comendo o que as traças descomem
procurando
o Quinto Império, o primeiro portulano, a viciosa visão do paraíso
que nos impeliu a errar aqui?
Subo, de joelhos, as escadas dos arquivos
nacionais, como qualquer santo barroco
a rebuscar
no mofo dos papiros, no bolor
das pias batismais, no bodum das vestes reais
a ver o que se salvou com o tempo
e ao mesmo tempo
– nos trai
2.
Há 500 anos caçamos índios e operários,
Há 500 anos queimamos árvores e hereges,
Há 500 anos estupramos livros e mulheres,
Há 500 anos sugamos negras e aluguéis.
Há 500 anos dizemos:
que o futuro a Deus pertence,
que Deus nasceu na Bahia,
que São Jorge é que é guerreiro,
que do amanhã ninguém sabe,
que conosco ninguém pode,
que quem não pode sacode.
Há 500 anos somos pretos de alma branca,
não somos nada violentos,
quem espera sempre alcança
e quem não chora não mama
ou quem tem padrinho vivo
não morre nunca pagão.
Há 500 anos propalamos:
este é o país do futuro,
antes tarde do que nunca,
mais vale quem Deus ajuda
e a Europa ainda se curva.
Há 500 anos
somos raposas verdes
colhendo uvas com os olhos,
semeamos promessa e vento
com tempestades na boca,
sonhamos a paz da Suécia
com suíças militares,
vendemos siris na estrada
e papagaios em Haia,
senzalamos casas-grandes
e sobradamos mocambos,
bebemos cachaça e brahma
joaquim silvério e derrama,
a polícia nos dispersa
e o futebol nos conclama,
cantamos salve-rainhas
e salve-se quem puder,
pois Jesus Cristo nos mata
num carnaval de mulatas.
Este é um país de síndicos em geral,
este é um país de cínicos em geral,
este é um país de civis e generais.
Este é o país do descontínuo
onde nada congemina,
e somos índios perdidos
na eletrônica oficina.
Nada nada congemina:
a mão leve do político
com nossa dura rotina,
o salário que nos come
e nossa sede canina,
a esperança que empareda
me a nossa fé em ruína,
nada nada congemina:
a placidez desses santos
e nossa dor peregrina,
e nesse mundo às avessas
– a cor da noite é obsclara
e a claridez vespertina.
3.
Sei que há outras pátrias. Mas
mato o touro nesta Espanha,
planto o lodo neste Nilo,
caço o almoço nesta Zâmbia,
me batizo neste Ganges,
vivo eterno em meu Nepal.
Esta é a rua em que brinquei,
a bola de meia que chutei,
a cabra-cega que encontrei,
o passa-anel que repassei,
a carniça que pulei.
Este é o país que pude
que me deram
e ao que me dei,
e é possível que por ele, imerecido,
– ainda morrerei.
4.
Minha geração se fez de terços e rosários:
– um terço se exilou
– um terço se fuzilou
– um terço desesperou
e nessa missa enganosa
– houve sangue e desamor. Por isto,
canto-o-chão mais áspero e cato-me
ao nível da emoção.
Caí de quatro
animal
sem compaixão.
Uma coisa é um país,
outra uma cicatriz.
Uma coisa é um país,
outra a abatida cerviz.
Uma coisa é um país,
outra esses duros perfis.
Deveria eu catar os que sobraram
os que se arrependeram,
os que sobreviveram em suas tocas
e num seminário de erradios ratos
suplicar:
– expliquem-me a mim
e ao meu país?
Vivo no século vinte, sigo para o vinte e um
ainda preso ao dezenove
como um tonto guarani
e aldeado vacum. Sei que daqui a pouco
não haverá mais país.
País:
loucura de quantos generais a cavalo
escalpelando índios nos murais,
queimando caravelas e livros
– nas fogueiras e cais,
homens gordos melosos sorrisos comensais
politicando subúrbios e arando votos
e benesses nos palanques oficiais.
Leio, releio os exegetas.
Quanto mais leio, descreio. Insisto?
Deve ser um mal do século
– se não for um mal de vista.
Já pensei: – é erro meu. Não nasci no tempo certo.
Em vez de um poeta crente
sou um profeta ateu.
Em vez da epopéia nobre,
os de meu tempo me legam
como tema
– a farsa
e o amargo riso plebeu.
5.
Mas sigo o meu trilho. Falo o que sinto
e sinto muito o que falo
– pois morro sempre que calo.
Minha geração se fez de lições mal-aprendidas
– e classes despreparadas
Olhávamos ávidos o calendário. Éramos jovens.
Tínhamos a “história” ao nosso lado. Muitos
maduravam um rubro outubro
outros iam ardendo um torpe
agosto.
Mas nem sempre ao verde abril
se segue a flor de maio.
Às vezes se segue o fosso
– e o roer do magro osso.
E o que era revolução outrora
agora passa à convulsão inglória.
E enquanto ardíamos a derrota como escória
e os vencedores nos palácios espocavam seus champanhas sobre a aurora
o reprovado aluno aprendia
com quantos paus se faz a derrisória estória.
Convertidos em alvo e presa da real caçada
abriu-se embandeirado
um festival de caça aos pombos
– enquanto raiava sangüínea e fresca a madrugada.
Os mais afoitos e desesperados
em vez de regressarem como eu
sobre os covardes passos,
e em vez de abrirem suas tendas para a fome dos desertos,
seguiram no horizonte uma miragem
e logo da luta
passaram
ao luto.
Vi-os lubrificando suas armas
e os vi tombados pelas ruas e grutas.
Vi-os arrebatando louros e mulheres
e serem sepultados às ocultas.
Vi-os pisando o palco da tropical tragédia
e por mais que os advertisse do inevitável final
não pude lhes poupar o sangue e o ritual.
Hoje
os que sobraram vivem em escuras
e européias alamedas, em subterrâneos
de saudade, aspirando a um chão-de-estrelas,
plangendo um violão com seu violado desejo
a colher flores em suecos cemitérios.
Talvez
todo o país seja apenas um ajuntamento
e o conseqüente aviltamento
– e uma insolvente cicatriz.
Mas este é o que me deram,
e este é o que eu lamento,
e é neste que espero
– livrar-me do meu tormento.
Meu problema, parece, é mesmo de princípio:
– do prazer e da realidade
– que eu pensava
com o tempo resolver
– mas só agrava com a idade.
Há quem se ajuste
engolindo seu fel com mel.
Eu escrevo o desajuste
vomitando no papel.
6.
Mas este é um povo bom
me pedem que repita
como um monge cenobita
enquanto me dão porrada
e me vigiam a escrita.
Sim. Este é um povo bom. Mas isto também diziam
os faraós
enquanto amassavam o barro da carne escrava.
Isso digo toda noite
enquanto me assaltam a casa,
isso digo
aos montes em desalento
enquanto recolho meu sermão ao vento.
Povo. Como cicatrizar nas faces sua imagem perversa e una?
Desconfio muito do povo. O povo, com razão,
– desconfia muito de mim.
Estivemos juntos na praça, na trapaça e na desgraça,
mas ele não me entende
– nem eu posso convertê-lo.
A menos que suba estádios, antenas, montanhas
e com três mentiras eternas
o seduza para além da ordem moral.
Quando cruzamos pelas ruas
não vejo nenhum carinho ou especial predileção nos seus olhos.
Há antes incômoda suspeita. Agarro documentos, embrulhos, família
a prevenir mal-entendidos sangrentos.
Daí vejo as manchetes:
– o poeta que matou o povo
– o povo que só/çobrou ao poeta
– (ou o poeta apesar do povo?)
– Eles não vão te perdoar
– me adverte o exegeta.
Mas como um país não é a soma de rios, leis, nomes de ruas, questionários e geladeiras,
e a cidade do interior não é apenas gás néon, quermesse e fonte luminosa,
uma mulher também não é só capa de revista, bundas e peitos fingindo que é coisa nossa.
Povo
também são os falsários
e não apenas os operários,
povo
também são os sifilíticos
não só atletas e políticos,
povo
são as bichas, putas e artistas
e não só os escoteiros
e heróis de falsas lutas,
são as costureiras e dondocas
e os carcereiros
e os que estão nos eitos e docas.
Assim como uma religião não se faz só de missas na matriz,
mas de mártires e esmolas, muito sangue e cicatriz,
a escravidão
para resgatar os ferros de seus ombros
requer
poetas negros que refaçam seus palmares e quilombos.
Um país não pode ser só a soma
de censuras redondas e quilômetros
quadrados de aventura, e o povo
não é nada novo
– é um ovo
que ora gera e degenera
que pode ser coisa viva
– ou ave torta
depende de quem o põe
– ou quem o gala.
7.
Percebo
que não sou um poeta brasileiro. Sequer
um poeta mineiro. Não há fazendas, morros,
casas velhas, barroquismos nos meus versos.
Embora meu pai viesse de Ouro Preto com bandas de música polícia militar casos de assombração e
uma calma milenar,
embora minha mãe fosse imigrando hortaliças protestantes
tecendo filhos nas fábricas e amassando a fé e o pão,
olho Minas com um amor distante,
como se eu, e não minha mulher
– fosse um poeta etíope.
Fácil não era apenas ao tempo das arcádias
entre cupidos e sanfoninhas,
fácil também era ao tempo dos partidos:
– o poeta sabia “história”
vivia em sua “célula”,
o povo era seu hobby e profissão,
o povo era seu cristo e salvação.
O povo, no entanto, é o cão
e o patrão
– o lobo. Ambos são povo.
E o povo sendo ambíguo
é o seu próprio cão e lobo.
Uma coisa é o povo, outra a fome.
Se chamais povo à malta de famintos,
se chamais povo à marcha regular das armas,
se chamais povo aos urros e silvos no esporte popular
então mais amo uma manada de búfalos em Marajó
e diferença já não há
entre as formigas que devastam minha horta
e as hordas de gafanhoto de 1948
– que em carnaval de fome
o próprio povo celebrou.
Povo
não pode ser sempre o coletivo de fome.
Povo
não pode ser um séquito sem nome.
Povo
não pode ser o diminutivo de homem.
O povo, aliás,
deve estar cansado desse nome,
embora seu instinto o leve à agressão
e embora
o aumentativo de fome
possa ser
revolução.
No microscópio, Aline Gama
Date: 2008/10/27
Subject: poesia hoje - valeu, Gabeira!
To: Aline Gama
Prezados, hoje é um dia meio triste porque o Gabeira não ganhou as eleições. Não acredito em políticos, não espero que nenhum deles conceda qualquer benefício a mim ou aos meus próximos, e nem quero. Talvez esperar a grande solução dos representantes seja até uma forma confortável de se esquivar das responsabilidades individuais, de se tentar melhorar o entorno de cada um com a vontade e o pulso de que se dispõe. Mas nesse caso foi surpreendente que alguém com uma trajetória de conquistas e uma postura política extremamente sincera pudesse chegar tão perto.
Por outro lado, Gabeira já conseguiu uma série de vitórias: afastar - pelo menos por enquanto - a ameaça Crivella e mostrar a todos que é possível fazer uma campanha sem imundiçar a cidade, azucrinar o ouvido dos outros com aqueles malditos carros de som, tentar denegrir a imagem do adversário e fazer alianças a todo custo, jogando uma pá de cal na própria história política. Assim foi o Eduardo Paes, que venceu mas pode bem receber o apelido de um supermercado que creio nem existir mais: Paes Merdonça.
(Se não me engano, foi Aristóteles quem afirmou: o homem é um ser político. Triste é constatar que nem sempre o político é um ser humano.)
Gabeira mostrou que sinceridade, transparência e delicadeza ainda têm o seu espaço. Hoje é um dia triste, mas só um pouco.
Por conta disso, vai um dos poemas políticos mais belos que já li. É longo pacas, mas vale cada verso. Abs, Henrique
Que país é este? - Affonso Romano de Sant’Anna
1.
Uma coisa é um país,
outra um ajuntamento.
Uma coisa é um país,
outra um regimento.
Uma coisa é um país,
outra o confinamento.
Mas já soube datas, guerras, estátuas
usei caderno “Avante”
– e desfilei de tênis para o ditador.
Vinha de um “berço esplêndido” para um “futuro radioso”
e éramos maiores em tudo
– discursando rios e pretensão.
Uma coisa é um país,
outra um fingimento.
Uma coisa é um país,
outra um monumento.
Uma coisa é um país,
outra o aviltamento.
Deveria derribar aflitos mapas sobre a praça
em busca de especiosa raiz? ou deveria
parar de ler jornais
e ler anais
como anal
animal
hiena patética
na merda nacional?
Ou deveria, enfim, jejuar na Torre do Tombo
comendo o que as traças descomem
procurando
o Quinto Império, o primeiro portulano, a viciosa visão do paraíso
que nos impeliu a errar aqui?
Subo, de joelhos, as escadas dos arquivos
nacionais, como qualquer santo barroco
a rebuscar
no mofo dos papiros, no bolor
das pias batismais, no bodum das vestes reais
a ver o que se salvou com o tempo
e ao mesmo tempo
– nos trai
2.
Há 500 anos caçamos índios e operários,
Há 500 anos queimamos árvores e hereges,
Há 500 anos estupramos livros e mulheres,
Há 500 anos sugamos negras e aluguéis.
Há 500 anos dizemos:
que o futuro a Deus pertence,
que Deus nasceu na Bahia,
que São Jorge é que é guerreiro,
que do amanhã ninguém sabe,
que conosco ninguém pode,
que quem não pode sacode.
Há 500 anos somos pretos de alma branca,
não somos nada violentos,
quem espera sempre alcança
e quem não chora não mama
ou quem tem padrinho vivo
não morre nunca pagão.
Há 500 anos propalamos:
este é o país do futuro,
antes tarde do que nunca,
mais vale quem Deus ajuda
e a Europa ainda se curva.
Há 500 anos
somos raposas verdes
colhendo uvas com os olhos,
semeamos promessa e vento
com tempestades na boca,
sonhamos a paz da Suécia
com suíças militares,
vendemos siris na estrada
e papagaios em Haia,
senzalamos casas-grandes
e sobradamos mocambos,
bebemos cachaça e brahma
joaquim silvério e derrama,
a polícia nos dispersa
e o futebol nos conclama,
cantamos salve-rainhas
e salve-se quem puder,
pois Jesus Cristo nos mata
num carnaval de mulatas.
Este é um país de síndicos em geral,
este é um país de cínicos em geral,
este é um país de civis e generais.
Este é o país do descontínuo
onde nada congemina,
e somos índios perdidos
na eletrônica oficina.
Nada nada congemina:
a mão leve do político
com nossa dura rotina,
o salário que nos come
e nossa sede canina,
a esperança que empareda
me a nossa fé em ruína,
nada nada congemina:
a placidez desses santos
e nossa dor peregrina,
e nesse mundo às avessas
– a cor da noite é obsclara
e a claridez vespertina.
3.
Sei que há outras pátrias. Mas
mato o touro nesta Espanha,
planto o lodo neste Nilo,
caço o almoço nesta Zâmbia,
me batizo neste Ganges,
vivo eterno em meu Nepal.
Esta é a rua em que brinquei,
a bola de meia que chutei,
a cabra-cega que encontrei,
o passa-anel que repassei,
a carniça que pulei.
Este é o país que pude
que me deram
e ao que me dei,
e é possível que por ele, imerecido,
– ainda morrerei.
4.
Minha geração se fez de terços e rosários:
– um terço se exilou
– um terço se fuzilou
– um terço desesperou
e nessa missa enganosa
– houve sangue e desamor. Por isto,
canto-o-chão mais áspero e cato-me
ao nível da emoção.
Caí de quatro
animal
sem compaixão.
Uma coisa é um país,
outra uma cicatriz.
Uma coisa é um país,
outra a abatida cerviz.
Uma coisa é um país,
outra esses duros perfis.
Deveria eu catar os que sobraram
os que se arrependeram,
os que sobreviveram em suas tocas
e num seminário de erradios ratos
suplicar:
– expliquem-me a mim
e ao meu país?
Vivo no século vinte, sigo para o vinte e um
ainda preso ao dezenove
como um tonto guarani
e aldeado vacum. Sei que daqui a pouco
não haverá mais país.
País:
loucura de quantos generais a cavalo
escalpelando índios nos murais,
queimando caravelas e livros
– nas fogueiras e cais,
homens gordos melosos sorrisos comensais
politicando subúrbios e arando votos
e benesses nos palanques oficiais.
Leio, releio os exegetas.
Quanto mais leio, descreio. Insisto?
Deve ser um mal do século
– se não for um mal de vista.
Já pensei: – é erro meu. Não nasci no tempo certo.
Em vez de um poeta crente
sou um profeta ateu.
Em vez da epopéia nobre,
os de meu tempo me legam
como tema
– a farsa
e o amargo riso plebeu.
5.
Mas sigo o meu trilho. Falo o que sinto
e sinto muito o que falo
– pois morro sempre que calo.
Minha geração se fez de lições mal-aprendidas
– e classes despreparadas
Olhávamos ávidos o calendário. Éramos jovens.
Tínhamos a “história” ao nosso lado. Muitos
maduravam um rubro outubro
outros iam ardendo um torpe
agosto.
Mas nem sempre ao verde abril
se segue a flor de maio.
Às vezes se segue o fosso
– e o roer do magro osso.
E o que era revolução outrora
agora passa à convulsão inglória.
E enquanto ardíamos a derrota como escória
e os vencedores nos palácios espocavam seus champanhas sobre a aurora
o reprovado aluno aprendia
com quantos paus se faz a derrisória estória.
Convertidos em alvo e presa da real caçada
abriu-se embandeirado
um festival de caça aos pombos
– enquanto raiava sangüínea e fresca a madrugada.
Os mais afoitos e desesperados
em vez de regressarem como eu
sobre os covardes passos,
e em vez de abrirem suas tendas para a fome dos desertos,
seguiram no horizonte uma miragem
e logo da luta
passaram
ao luto.
Vi-os lubrificando suas armas
e os vi tombados pelas ruas e grutas.
Vi-os arrebatando louros e mulheres
e serem sepultados às ocultas.
Vi-os pisando o palco da tropical tragédia
e por mais que os advertisse do inevitável final
não pude lhes poupar o sangue e o ritual.
Hoje
os que sobraram vivem em escuras
e européias alamedas, em subterrâneos
de saudade, aspirando a um chão-de-estrelas,
plangendo um violão com seu violado desejo
a colher flores em suecos cemitérios.
Talvez
todo o país seja apenas um ajuntamento
e o conseqüente aviltamento
– e uma insolvente cicatriz.
Mas este é o que me deram,
e este é o que eu lamento,
e é neste que espero
– livrar-me do meu tormento.
Meu problema, parece, é mesmo de princípio:
– do prazer e da realidade
– que eu pensava
com o tempo resolver
– mas só agrava com a idade.
Há quem se ajuste
engolindo seu fel com mel.
Eu escrevo o desajuste
vomitando no papel.
6.
Mas este é um povo bom
me pedem que repita
como um monge cenobita
enquanto me dão porrada
e me vigiam a escrita.
Sim. Este é um povo bom. Mas isto também diziam
os faraós
enquanto amassavam o barro da carne escrava.
Isso digo toda noite
enquanto me assaltam a casa,
isso digo
aos montes em desalento
enquanto recolho meu sermão ao vento.
Povo. Como cicatrizar nas faces sua imagem perversa e una?
Desconfio muito do povo. O povo, com razão,
– desconfia muito de mim.
Estivemos juntos na praça, na trapaça e na desgraça,
mas ele não me entende
– nem eu posso convertê-lo.
A menos que suba estádios, antenas, montanhas
e com três mentiras eternas
o seduza para além da ordem moral.
Quando cruzamos pelas ruas
não vejo nenhum carinho ou especial predileção nos seus olhos.
Há antes incômoda suspeita. Agarro documentos, embrulhos, família
a prevenir mal-entendidos sangrentos.
Daí vejo as manchetes:
– o poeta que matou o povo
– o povo que só/çobrou ao poeta
– (ou o poeta apesar do povo?)
– Eles não vão te perdoar
– me adverte o exegeta.
Mas como um país não é a soma de rios, leis, nomes de ruas, questionários e geladeiras,
e a cidade do interior não é apenas gás néon, quermesse e fonte luminosa,
uma mulher também não é só capa de revista, bundas e peitos fingindo que é coisa nossa.
Povo
também são os falsários
e não apenas os operários,
povo
também são os sifilíticos
não só atletas e políticos,
povo
são as bichas, putas e artistas
e não só os escoteiros
e heróis de falsas lutas,
são as costureiras e dondocas
e os carcereiros
e os que estão nos eitos e docas.
Assim como uma religião não se faz só de missas na matriz,
mas de mártires e esmolas, muito sangue e cicatriz,
a escravidão
para resgatar os ferros de seus ombros
requer
poetas negros que refaçam seus palmares e quilombos.
Um país não pode ser só a soma
de censuras redondas e quilômetros
quadrados de aventura, e o povo
não é nada novo
– é um ovo
que ora gera e degenera
que pode ser coisa viva
– ou ave torta
depende de quem o põe
– ou quem o gala.
7.
Percebo
que não sou um poeta brasileiro. Sequer
um poeta mineiro. Não há fazendas, morros,
casas velhas, barroquismos nos meus versos.
Embora meu pai viesse de Ouro Preto com bandas de música polícia militar casos de assombração e
uma calma milenar,
embora minha mãe fosse imigrando hortaliças protestantes
tecendo filhos nas fábricas e amassando a fé e o pão,
olho Minas com um amor distante,
como se eu, e não minha mulher
– fosse um poeta etíope.
Fácil não era apenas ao tempo das arcádias
entre cupidos e sanfoninhas,
fácil também era ao tempo dos partidos:
– o poeta sabia “história”
vivia em sua “célula”,
o povo era seu hobby e profissão,
o povo era seu cristo e salvação.
O povo, no entanto, é o cão
e o patrão
– o lobo. Ambos são povo.
E o povo sendo ambíguo
é o seu próprio cão e lobo.
Uma coisa é o povo, outra a fome.
Se chamais povo à malta de famintos,
se chamais povo à marcha regular das armas,
se chamais povo aos urros e silvos no esporte popular
então mais amo uma manada de búfalos em Marajó
e diferença já não há
entre as formigas que devastam minha horta
e as hordas de gafanhoto de 1948
– que em carnaval de fome
o próprio povo celebrou.
Povo
não pode ser sempre o coletivo de fome.
Povo
não pode ser um séquito sem nome.
Povo
não pode ser o diminutivo de homem.
O povo, aliás,
deve estar cansado desse nome,
embora seu instinto o leve à agressão
e embora
o aumentativo de fome
possa ser
revolução.
No microscópio, Aline Gama
27.10.08
Apesar
"Hoje, você é quem manda. Falou, tá falado! Não tem discussão, não! A minha gente hoje anda falando de lado e olhando pro chão, viu? Você que inventou esse Estado, inventou de inventar toda escuridão. Você que inventou o pecado, esqueceu-se de inventar o perdão.
Eu pergunto a você onde vai se esconder da enorme euforia? Como vai proibir quando o galo insistir em cantar? Água nova brotando e a gente se amando sem parar! Quando chegar o momento esse meu sofrimento, vou cobrar com juros, juro! Todo esse amor reprimido, esse grito contido e esse samba no escuro. Você que inventou a tristeza, ora tenha a fineza de desinventar! Você vai pagar e é dobrado cada lágrima rolada nesse meu penar!
Ainda pago para ver o jardim florescer qual você não queria. Você vai se amargar vendo o dia raiar sem lhe pedir licença! Eu vou morrer de rir que esse dia há de vir antes do que você pensa! Você vai ter que ver a manhã renascer e esbanjar poesia! Como vai se explicar vendo o céu clarear, de repente, impunemente? Como vai abafar nosso coro a cantar na sua frente. Apesar de você, amanhã há de ser outro dia!
Você vai se dar mal, etc e tal!"
Do boteco, Aline Gama - Apesar de você do Chico Buarque.
Eu pergunto a você onde vai se esconder da enorme euforia? Como vai proibir quando o galo insistir em cantar? Água nova brotando e a gente se amando sem parar! Quando chegar o momento esse meu sofrimento, vou cobrar com juros, juro! Todo esse amor reprimido, esse grito contido e esse samba no escuro. Você que inventou a tristeza, ora tenha a fineza de desinventar! Você vai pagar e é dobrado cada lágrima rolada nesse meu penar!
Ainda pago para ver o jardim florescer qual você não queria. Você vai se amargar vendo o dia raiar sem lhe pedir licença! Eu vou morrer de rir que esse dia há de vir antes do que você pensa! Você vai ter que ver a manhã renascer e esbanjar poesia! Como vai se explicar vendo o céu clarear, de repente, impunemente? Como vai abafar nosso coro a cantar na sua frente. Apesar de você, amanhã há de ser outro dia!
Você vai se dar mal, etc e tal!"
Do boteco, Aline Gama - Apesar de você do Chico Buarque.
23.10.08
"Eu nasci no samba e não posso parar"
Sempre que ouço uma música dela reencontro algo em mim que na correria do dia-a-dia passa sem ser percebido. Um amor não realizado, outro perdido, outro nem sequer desejado e principalmente a cadência de uma menina de Madureira, negra e pobre, chamada Yvonne da Silva Lara. Sua primeira música “tié-tiê” foi composta com apenas 12 anos, pouco depois ela ficou órfã. Sob o cuidado dos tios, estudou em um internato onde foi aluna de canto orfeônico da mulher de Heitor Villa-Lobos, Lucília Villa-Lobos. Formou-se enfermeira e trabalhou como assistente social com a doutora Nise da Silveira.
Foi nessa complexa trajetória de vida que a menina se transformou em Dona Ivone Lara, diva do samba carioca. Ainda muito jovem em um universo predominantemente masculino e cercado pelo samba, Yvonne deu suas músicas para seu tio tocar em rodas, mentindo sobre a autoria. Durante os fins de semana e nas férias, o samba do Prazer da Serrinha e do Império Serrano encantou o ritmo da rotina de dona de casa, mãe de dois meninos e assistente social.
A história que passa por conflitos de gênero e cor, dramas familiares e pela persistência como compositora de samba é escrita e analisada pela jornalista e antropóloga Mila Burns em sua dissertação de mestrado. Apesar das particularidades, essa é também a história das muitas mulheres negras, mães, sambistas, trabalhadoras, cariocas e também brasileiras. Nela transparece questões sociais e econômicas que merecem muito se transformar em filme, livro, minissérie, novela etc.
Foi nessa complexa trajetória de vida que a menina se transformou em Dona Ivone Lara, diva do samba carioca. Ainda muito jovem em um universo predominantemente masculino e cercado pelo samba, Yvonne deu suas músicas para seu tio tocar em rodas, mentindo sobre a autoria. Durante os fins de semana e nas férias, o samba do Prazer da Serrinha e do Império Serrano encantou o ritmo da rotina de dona de casa, mãe de dois meninos e assistente social.
A história que passa por conflitos de gênero e cor, dramas familiares e pela persistência como compositora de samba é escrita e analisada pela jornalista e antropóloga Mila Burns em sua dissertação de mestrado. Apesar das particularidades, essa é também a história das muitas mulheres negras, mães, sambistas, trabalhadoras, cariocas e também brasileiras. Nela transparece questões sociais e econômicas que merecem muito se transformar em filme, livro, minissérie, novela etc.
Foto: Walter Firmo - Dona Ivone Lara para capa da Fotoptica.
Leia e ouça mais:
Burns, Mila. Nasci para sonhar e cantar. Gênero, projeto e mediação na trajetória de Dona Ivone Lara / Mila Burns. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social – UFRJ, Museu Nacional, 2006.
Alguém me avisou
Tendência
Acreditar com Nilze Carvalho
No microscópio, Aline Gama
Leia e ouça mais:
Burns, Mila. Nasci para sonhar e cantar. Gênero, projeto e mediação na trajetória de Dona Ivone Lara / Mila Burns. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social – UFRJ, Museu Nacional, 2006.
Alguém me avisou
Tendência
Acreditar com Nilze Carvalho
No microscópio, Aline Gama
20.10.08
16.10.08
Eleições 2008 – exercício
Hoje, tentei baixar para esse post o debate que aconteceu no dia 09 de outubro no jornal O Globo, mas não consegui. Pensei também em fazer uma transcrição que colocaria ambos, Gabeira e Paes, sob o microscópio, porém o texto seria longo demais e qualquer edição mostraria a minha preferência. Segue, então, o link para o vídeo: aqui ou aqui. Assim, convido-os ao difícil exercício da política!
Assistam a todo o debate e atentem para os detalhes: o tom de voz, o sentido da fala, os olhares, os gestos do corpo e a ética. Dediquem duas horas para ver e ouvir quase sem filtros, pois há o do câmera. Aconselho doses homeopáticas de 20 minutos com intervalo para beber água, dar um telefonema, checar e-mail e se alongar.
No microscópio, Aline Gama
Assistam a todo o debate e atentem para os detalhes: o tom de voz, o sentido da fala, os olhares, os gestos do corpo e a ética. Dediquem duas horas para ver e ouvir quase sem filtros, pois há o do câmera. Aconselho doses homeopáticas de 20 minutos com intervalo para beber água, dar um telefonema, checar e-mail e se alongar.
No microscópio, Aline Gama
13.10.08
Mal-acostumados
- Então, junta ali com elas para bater uma foto!
- Fica no meio! Você é aniversariante...
- Ih, estou gorda não quero sentar...
Risos
- Sorriam!
- Deixa eu ver como ficou?
- Ficou ótima...
- É ficou boa, mas essa paisagem não dá...
- Ah? É, ficou ótima!
Pego a tulipa e paro a borda sobre o meu lábio debaixo. Olho para paisagem, que não dá, enquanto viro o copo devagar. Vejo prédios brancos, amarelos, verdes, azuis, uma escola cinza, quadras de esporte, duas igrejas, casas de tijolos em morros, piscinas em coberturas, ruas, avenidas e vielas. Imagino que ela gostaria de ver montanhas cobertas de verde ou uma praia ou...
O liquido gelado e levemente amargo aos poucos refresca a minha boca. Penso que todos querem a vista para orla, mas nem todos, que a possuem, a usufruem. Respiram fundo diante do mar e pensam em como são privilegiados, segundo aqueles que enaltecem as belezas naturais do Rio de Janeiro. O fato é que vivemos em uma grande cidade. Prédios, escolas, casas e igrejas fazem parte da paisagem que aos poucos se constrói. Não é a isso que devemos nos acostumar?
- Hum, que delícia! Estupidamente gelada!
Do boteco, Aline Gama
- Fica no meio! Você é aniversariante...
- Ih, estou gorda não quero sentar...
Risos
- Sorriam!
- Deixa eu ver como ficou?
- Ficou ótima...
- É ficou boa, mas essa paisagem não dá...
- Ah? É, ficou ótima!
Pego a tulipa e paro a borda sobre o meu lábio debaixo. Olho para paisagem, que não dá, enquanto viro o copo devagar. Vejo prédios brancos, amarelos, verdes, azuis, uma escola cinza, quadras de esporte, duas igrejas, casas de tijolos em morros, piscinas em coberturas, ruas, avenidas e vielas. Imagino que ela gostaria de ver montanhas cobertas de verde ou uma praia ou...
O liquido gelado e levemente amargo aos poucos refresca a minha boca. Penso que todos querem a vista para orla, mas nem todos, que a possuem, a usufruem. Respiram fundo diante do mar e pensam em como são privilegiados, segundo aqueles que enaltecem as belezas naturais do Rio de Janeiro. O fato é que vivemos em uma grande cidade. Prédios, escolas, casas e igrejas fazem parte da paisagem que aos poucos se constrói. Não é a isso que devemos nos acostumar?
- Hum, que delícia! Estupidamente gelada!
Do boteco, Aline Gama
9.10.08
Yom Kipur à carioca
O Dia do Perdão no judaísmo, como é conhecido no Brasil, aconteceu desde o anoitecer de quarta-feira até o anoitecer de ontem. A marca do anoitecer é o surgimento da primeira estrela no céu que dá início às rezas, mantras e reflexões sobre o modo de vida e o ano que começou há mais ou menos 10 dias.
Segundo a tradição judaica, a vida é uma constante batalha entre o Yétser Hatóv (o desejo de fazer as coisas certas, que é identificado com a alma) e o Yétser HaRá (a vontade de seguir os nossos desejos, vindos do ego e do corpo). O desafio de vida é sincronizar o desejo do ego com o Yétser Hatóv. A tradição ensina que no Yom Kipur o Yétser HaRá, a vontade de seguir os próprios desejos não deve prevalecer. Se o seguimos, é por força do hábito e da rotina. Durante o Yom Kipur deve acontecer, então, um processo de autoperdão pelo reconhecimento de erros e excessos. O dia dedicado às rezas, à pouca alimentação e à não-vaidade, serve para mostrar a nós mesmos que podemos viver com muito menos do que somos acostumados.
Refletindo sobre a vida no Rio de Janeiro, percebo que por costume deixo me levar pelo Yétser HaRá. Assim, peço perdão por deixar as crianças, que vendem mercadorias roubadas e mostram seu sofrimento nos sinais pedindo dinheiro, continuarem a ser - depois de desviar o olhar, subir o vidro do carro e aumentar o rádio ou conversar - crianças nos sinais da cidade a pedir uma vida melhor.
Peço perdão por achar que as calçadas e ruas esburacadas e o trânsito caótico nada tem a ver comigo, pois exerço o meu direito de ir e vir.
Peço perdão por torcer que o assalto no carro da frente não atinja os demais, escondendo rapidamente celular, dinheiro e documento na roupa, ao invés de chamar a polícia, pois temo assistir qualquer tipo de morte.
Imploro perdão por fazer parte de um grupo chamado cariocas, que aceita a violência não denunciando políticos e policiais corruptos por receber favores esporádicos, e ainda aceita a morte de meninos e meninas da linha de frente do tráfico de drogas e armas.
Perdão por continuar a viver sabendo dos restos de vestígios humanos. Nas florestas se encontra saco de biscoitos, garrafas, roupas etc. Diariamente, a irresponsável coleta de lixo não recicla todos os materiais possíveis, além das latas de alumínio, como ferro, papéis e plásticos. A cada instante, o sistema de coleta de esgoto não dá conta de tratar de toda nossa excreção de forma prévia ao lançamento em rios e mares.
Perdôo-me por amar essa cidade assim, incondicionalmente. A aceito do jeito que nós - cariocas - conseguimos fazer, mas acredito que o desejo de melhora propiciará a harmonia do Yétser HaRá com o Yétser Hatóv sincronicamente.
Shaná Tová ve chatimá tová (possas tu ser inscrito e selado para um bom ano)!
No microscópio, Aline Gama
Segundo a tradição judaica, a vida é uma constante batalha entre o Yétser Hatóv (o desejo de fazer as coisas certas, que é identificado com a alma) e o Yétser HaRá (a vontade de seguir os nossos desejos, vindos do ego e do corpo). O desafio de vida é sincronizar o desejo do ego com o Yétser Hatóv. A tradição ensina que no Yom Kipur o Yétser HaRá, a vontade de seguir os próprios desejos não deve prevalecer. Se o seguimos, é por força do hábito e da rotina. Durante o Yom Kipur deve acontecer, então, um processo de autoperdão pelo reconhecimento de erros e excessos. O dia dedicado às rezas, à pouca alimentação e à não-vaidade, serve para mostrar a nós mesmos que podemos viver com muito menos do que somos acostumados.
Refletindo sobre a vida no Rio de Janeiro, percebo que por costume deixo me levar pelo Yétser HaRá. Assim, peço perdão por deixar as crianças, que vendem mercadorias roubadas e mostram seu sofrimento nos sinais pedindo dinheiro, continuarem a ser - depois de desviar o olhar, subir o vidro do carro e aumentar o rádio ou conversar - crianças nos sinais da cidade a pedir uma vida melhor.
Peço perdão por achar que as calçadas e ruas esburacadas e o trânsito caótico nada tem a ver comigo, pois exerço o meu direito de ir e vir.
Peço perdão por torcer que o assalto no carro da frente não atinja os demais, escondendo rapidamente celular, dinheiro e documento na roupa, ao invés de chamar a polícia, pois temo assistir qualquer tipo de morte.
Imploro perdão por fazer parte de um grupo chamado cariocas, que aceita a violência não denunciando políticos e policiais corruptos por receber favores esporádicos, e ainda aceita a morte de meninos e meninas da linha de frente do tráfico de drogas e armas.
Perdão por continuar a viver sabendo dos restos de vestígios humanos. Nas florestas se encontra saco de biscoitos, garrafas, roupas etc. Diariamente, a irresponsável coleta de lixo não recicla todos os materiais possíveis, além das latas de alumínio, como ferro, papéis e plásticos. A cada instante, o sistema de coleta de esgoto não dá conta de tratar de toda nossa excreção de forma prévia ao lançamento em rios e mares.
Perdôo-me por amar essa cidade assim, incondicionalmente. A aceito do jeito que nós - cariocas - conseguimos fazer, mas acredito que o desejo de melhora propiciará a harmonia do Yétser HaRá com o Yétser Hatóv sincronicamente.
Shaná Tová ve chatimá tová (possas tu ser inscrito e selado para um bom ano)!
No microscópio, Aline Gama
6.10.08
Rio de Janeiro em 1936, "City of Splendour"
Vi esse filme pela primeira vez ano passado. Também está no Youtube. Pensei apaixonadamente em filmar uma versão atual dos lugares e do modo de vida. Fica a sugestão para as pessoas competentes!
Do boteco, Aline Gama
2.10.08
Cheia de encantos mil...
É possível pensar que a expressão Cidade Maravilhosa foi construída aos poucos, desde a colonização, nas conversas e nas histórias que vieram da concepção de um Éden Tropical com as praias, as lagoas, as montanhas, a temperatura amena, as florestas e o seminu dos habitantes.
Na Reforma Passos, o Rio de Janeiro abre os tempos eufóricos de uma Belle Époque à moda brasileira. A cidade moderna entusiasma escritores do início do século XX. Novo urbanismo, nova paisagem, novas aspirações e inspirações possibilitam reinventar a sua nomeação, criando imagens reais e imaginárias.
Segundo algumas pesquisas, o termo foi usado primeiramente pela poetisa francesa Jeanne Catulle Mendès que visitava a cidade. O livro “La Ville Merveilleuse” reúne uma série de poesias sobre a estadia dela durante novembro de 1911. A série obedece a uma ordem que vai desde a sua chegada “Arrive dans La Baie de Guanabara” até a sua despedida da cidade “Adieu”. Todas exaltam a cidade esplendorosa, a beleza das paisagens da natureza, a luz do céu azul claro, o ar fresco e os momentos de contemplação vividos pela poetiza.
Outras pesquisas, mostram que o sinônimo de Rio de Janeiro, que virou título de marcha de carnaval e hino oficial da cidade, foi criado pelo escritor maranhense Coelho Neto quando publicou seu artigo “Os sertanejos”, no jornal “A Notícia”, em 1908. Posteriormente, Coelho Neto também publicou um livro chamado “Cidade Maravilhosa” que teve sua primeira tiragem em 1928. Na "Cidade Maravilhosa! Cidade sonho, cidade do amor" o casal do romance seria feliz. Em 1934, André filho compôs a música e a inscreveu para o concurso de marchinhas de carnaval de 1935, cantada por Aurora Miranda, que ficou em segundo lugar. A marcha vitoriosa foi "Coração Ingrato", de Nássara e Frazão, na voz de Silvio Caldas.
No entanto, em pouco tempo é a “Cidade Maravilhosa” que se torna à canção dos cariocas, tocada em momentos de alegria ou entusiasmo cívico. No dia 25 de maio de 1960, o vereador Salles Neto aprovou na Câmara a adoção da marcha de André Filho como hino oficial da cidade. No mesmo ano, contraditoriamente, o Rio de Janeiro deixa de ser a capital federal, função exercida desde 1763, que é transferida para Brasília.
A canção nos remete a beleza dos trópicos, mas temos em seu oposto os problemas humanos que nos acompanham também desde os relatos de colonizadores, nas crônicas e notícias dos jornais, na música e literatura. Há uma contraposição entre a exuberância de florestas e a ausência de civilidade da população nativa, fora dos padrões europeus.
Com o surgimento da favela, o Rio de Janeiro ganha um espaço simbólico para descrever seus problemas e dividir a cidade em duas. As primeiras construções em morros acontecem no ano de 1881! No início do século XX, a favela já é percebida como uma cidade à parte. A Reforma Passos não a inclui! Talvez por ser incipiente, possivelmente por interesses políticos e econômicos. Atravessamos mais que um século e apontamos as armas sem resolver a questão. Espero com as eleições que consigamos mudar o rumo da história que eu já contei aqui.
Leia mais:
Almeida AGd. Maravilhosa e Partida: representações do Rio de Janeiro no telejornalismo local. Saúde Pública. Rio de Janeiro, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca: 2008.
Mendès JC. La Ville Merveilleuse. Paris: E. Sansot & Cie;1913.
Neto C. Cidade Maravilhosa. São Paulo: Compania Melhoramentos; 1933.
No microscópio Aline Gama
Na Reforma Passos, o Rio de Janeiro abre os tempos eufóricos de uma Belle Époque à moda brasileira. A cidade moderna entusiasma escritores do início do século XX. Novo urbanismo, nova paisagem, novas aspirações e inspirações possibilitam reinventar a sua nomeação, criando imagens reais e imaginárias.
Segundo algumas pesquisas, o termo foi usado primeiramente pela poetisa francesa Jeanne Catulle Mendès que visitava a cidade. O livro “La Ville Merveilleuse” reúne uma série de poesias sobre a estadia dela durante novembro de 1911. A série obedece a uma ordem que vai desde a sua chegada “Arrive dans La Baie de Guanabara” até a sua despedida da cidade “Adieu”. Todas exaltam a cidade esplendorosa, a beleza das paisagens da natureza, a luz do céu azul claro, o ar fresco e os momentos de contemplação vividos pela poetiza.
Outras pesquisas, mostram que o sinônimo de Rio de Janeiro, que virou título de marcha de carnaval e hino oficial da cidade, foi criado pelo escritor maranhense Coelho Neto quando publicou seu artigo “Os sertanejos”, no jornal “A Notícia”, em 1908. Posteriormente, Coelho Neto também publicou um livro chamado “Cidade Maravilhosa” que teve sua primeira tiragem em 1928. Na "Cidade Maravilhosa! Cidade sonho, cidade do amor" o casal do romance seria feliz. Em 1934, André filho compôs a música e a inscreveu para o concurso de marchinhas de carnaval de 1935, cantada por Aurora Miranda, que ficou em segundo lugar. A marcha vitoriosa foi "Coração Ingrato", de Nássara e Frazão, na voz de Silvio Caldas.
No entanto, em pouco tempo é a “Cidade Maravilhosa” que se torna à canção dos cariocas, tocada em momentos de alegria ou entusiasmo cívico. No dia 25 de maio de 1960, o vereador Salles Neto aprovou na Câmara a adoção da marcha de André Filho como hino oficial da cidade. No mesmo ano, contraditoriamente, o Rio de Janeiro deixa de ser a capital federal, função exercida desde 1763, que é transferida para Brasília.
A canção nos remete a beleza dos trópicos, mas temos em seu oposto os problemas humanos que nos acompanham também desde os relatos de colonizadores, nas crônicas e notícias dos jornais, na música e literatura. Há uma contraposição entre a exuberância de florestas e a ausência de civilidade da população nativa, fora dos padrões europeus.
Com o surgimento da favela, o Rio de Janeiro ganha um espaço simbólico para descrever seus problemas e dividir a cidade em duas. As primeiras construções em morros acontecem no ano de 1881! No início do século XX, a favela já é percebida como uma cidade à parte. A Reforma Passos não a inclui! Talvez por ser incipiente, possivelmente por interesses políticos e econômicos. Atravessamos mais que um século e apontamos as armas sem resolver a questão. Espero com as eleições que consigamos mudar o rumo da história que eu já contei aqui.
Leia mais:
Almeida AGd. Maravilhosa e Partida: representações do Rio de Janeiro no telejornalismo local. Saúde Pública. Rio de Janeiro, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca: 2008.
Mendès JC. La Ville Merveilleuse. Paris: E. Sansot & Cie;1913.
Neto C. Cidade Maravilhosa. São Paulo: Compania Melhoramentos; 1933.
No microscópio Aline Gama
29.9.08
Do interior para cidade grande
“Eis que no caixa presencio o seguinte diálogo:
Vendedora - Eu não entendo esse negócio de homem querer ser mulher..
Caixa - Nem eu! Isso é coisa de cidade grande porque lá no Ceará não tem esse negócio não. O cara não é homem e assim fica.
Vendedora - Isso não entra na minha cabeça ..
Caixa - Essas modas de cidade grande viram a cabeça das pessoas. Minha prima quase morreu quando o marido chegou na cidade de saia curta, silicone no peito, cabelão. O cara saiu de lá dizendo que vinha pro Rio ganhar dinheiro para sustentar a família e volta mulher!
Vendedora - E não avisou?
Caixa - Não!! A pobre quando viu parece que deu um derrame, quase morreu! Fez uma operação na cabeça, hoje ela tem até um lado mais fundo ... Menina, parou a cidade! Pra mim ele já saiu de lá com essa vontade. Mas tinha medo porque a cidade que minha prima mora é muito pequena. Veio pro Rio, cidade grande e aí deu no que deu..
Eu - Mas ele não avisou??
Caixa - Nadinha. Avisou que ia visitar a família e chegou lá mulher.
Depois de receber R$ 0,30 de troco tive que ir embora.
Até concordo com a moça do caixa: o bruto cabra devia ter um desejo incrível de sair do armário, mas devido a imposições sociais teve que agüentar o fogo no rabo e deixar para a cidade grande o privilégio de conhecer seu "eu-mulher". Mas não avisar a família eu já acho sacanagem. Melhor dizer que morreu, que não vai mais voltar, pedir divórcio e ser feliz. Chegar de surpresa de peito, cabelão, cílios postiços e salto alto, é golpe duro demais para a pobre esposa.”
Ctrl + c, Ctrl + v em trecho do texto da Narinha do HTP
Do boteco, Aline Gama
Vendedora - Eu não entendo esse negócio de homem querer ser mulher..
Caixa - Nem eu! Isso é coisa de cidade grande porque lá no Ceará não tem esse negócio não. O cara não é homem e assim fica.
Vendedora - Isso não entra na minha cabeça ..
Caixa - Essas modas de cidade grande viram a cabeça das pessoas. Minha prima quase morreu quando o marido chegou na cidade de saia curta, silicone no peito, cabelão. O cara saiu de lá dizendo que vinha pro Rio ganhar dinheiro para sustentar a família e volta mulher!
Vendedora - E não avisou?
Caixa - Não!! A pobre quando viu parece que deu um derrame, quase morreu! Fez uma operação na cabeça, hoje ela tem até um lado mais fundo ... Menina, parou a cidade! Pra mim ele já saiu de lá com essa vontade. Mas tinha medo porque a cidade que minha prima mora é muito pequena. Veio pro Rio, cidade grande e aí deu no que deu..
Eu - Mas ele não avisou??
Caixa - Nadinha. Avisou que ia visitar a família e chegou lá mulher.
Depois de receber R$ 0,30 de troco tive que ir embora.
Até concordo com a moça do caixa: o bruto cabra devia ter um desejo incrível de sair do armário, mas devido a imposições sociais teve que agüentar o fogo no rabo e deixar para a cidade grande o privilégio de conhecer seu "eu-mulher". Mas não avisar a família eu já acho sacanagem. Melhor dizer que morreu, que não vai mais voltar, pedir divórcio e ser feliz. Chegar de surpresa de peito, cabelão, cílios postiços e salto alto, é golpe duro demais para a pobre esposa.”
Ctrl + c, Ctrl + v em trecho do texto da Narinha do HTP
Do boteco, Aline Gama
25.9.08
Eleições 2008 - entre o futuro e o infinitivo
As campanhas - falas, promessas e cobertura jornalística - das eleições só conjugam dois tempos verbais e nada explicam. Considerando a mídia superficial e partidária, vou aos sites de três dos meus possíveis candidatos e encontro variações sobre o mesmo tema.
Os verbos são cuidar, mudar, ampliar, transformar, acabar, diminuir, etc. Após os verbos os objetos diretos e indiretos variam entre saúde, educação, transporte e violência. Porém, nada dizem quando e como isso tudo vai acontecer. Alguns falam em parceria com a iniciativa privada, com o governo estadual ou federal, mas ninguém pergunta e eles não respondem:
- Como?
- Quais métodos?
- Em quais prazos?
Eleger um prefeito não é uma escolha lúdica, como a de um namorado ou a de uma religião. Não deveria se tratar de uma paixão cega e tampouco de uma crença fervorosa. Não vejo como votar sem as respostas. Preciso delas para ontem e por escrito para ler e refletir. Somente com elas em mãos, posso escolher legitimamente quem fará algo pela cidade. Só assim terei como cobrar caso as promessas não sejam cumpridas, as verbas desviadas e os prazos expirados.
No microscópio, Aline Gama
Os verbos são cuidar, mudar, ampliar, transformar, acabar, diminuir, etc. Após os verbos os objetos diretos e indiretos variam entre saúde, educação, transporte e violência. Porém, nada dizem quando e como isso tudo vai acontecer. Alguns falam em parceria com a iniciativa privada, com o governo estadual ou federal, mas ninguém pergunta e eles não respondem:
- Como?
- Quais métodos?
- Em quais prazos?
Eleger um prefeito não é uma escolha lúdica, como a de um namorado ou a de uma religião. Não deveria se tratar de uma paixão cega e tampouco de uma crença fervorosa. Não vejo como votar sem as respostas. Preciso delas para ontem e por escrito para ler e refletir. Somente com elas em mãos, posso escolher legitimamente quem fará algo pela cidade. Só assim terei como cobrar caso as promessas não sejam cumpridas, as verbas desviadas e os prazos expirados.
No microscópio, Aline Gama
22.9.08
Ontem, hoje e amanhã também!
- Vou vender meu carro, te falei?
- Não!!!
- Não quero mais. Só me aborreço.
Hoje, 22 de setembro, é o Dia Mundial SEM CARRO, que aqui no Rio de Janeiro, se comemorou ontem, domingo, em um evento com bicicletas. Se houvesse alguma intenção de mudança, a prefeitura, governo estadual ou federal faria uma campanha com explicações óbvias sobre as vantagens diárias de se trocar o carro pelos transportes coletivos. No entanto, eles seriam cobrados pela total deficiência de metrôs, ônibus e trens e comprariam uma briga com a indústria automobilística. Logo, é mais fácil sugerir ridiculamente a bicicleta como meio de transporte.
Há alguns anos um professor fez a seguinte equação para a questão:
►Cálculo mensal do carro = IPVA dividido por 12 meses + Seguro dividido por 12 também + média de gasto com estacionamento semanal vezes 4 + média de gasto mensal com gasolina ou álcool + idas esporádicas ao mecânico = valor final
►Cálculo sem carro = ônibus ou metrô para ida e volta do trabalho vezes 5 dias da semana vezes 4 + saídas em fim de semana com ônibus ou metrô vezes 4 + uso eventuais de táxi (atrasos ou saídas a noite) = valor final
“Fiz o cálculo e vendi meu carro. Hoje, não me desgasto com o trânsito, resolvo coisas no celular, leio o jornal ou alguma outra coisa e ainda economizo”, falou o professor Fernando.
Do boteco, Aline Gama.
17.9.08
Anônimos
Atravesso a rua e penso que quem estou vendo é realmente quem eu gostaria que não fosse naquele momento. Ameaço levantar os óculos escuros. Um cachorro late, o carro buzina e ele olha para o lado. Estou de biquíni, short, fone de ouvido e tênis. Ele de blusa colorida, calça jeans e óculos escuros. Não há mais pressa em seu caminhar. Ia terminar a corrida em passos rápidos em direção ao mar. Me perdi em diálogos possíveis:
- Oi, professor, tudo bem? Desculpa os meus trajes é que...(procuro rapidamente a blusa na bolsa e não encontro).
- Fique tranqüila...
- Tá muito calor e estava correndo, aproveitei p...Falei para você da seleção?
- Sim, como vão as provas?
- Estou indo a praia ler.
- Jura???
- Os Argonautas...
- Ah, não sei do que se trata.
- Desculpa, Argonautas do Pacifico ocidental, do Malinowski.
- Hum, sim, na praia? Exótico, não? Tenho horário para um almoço. Tenho que ir.
- Está bem, até breve, professor.
- Boa praia e leitura...
Ainda bem que o latido do cachorro e a buzina do carro me pouparam dessa tragédia antropológica. Os encontros na cidade, que autoriza o seminu, surpreendem a nós que temos parte da vida em universidades. Não era naquele momento aluna, pesquisadora, candidata a e observadora de. Uma mulher, uma “anônima relativa”, que aproveita a manhã quente de um dia de sol para correr a beira-mar, pensar na vida, ouvir música e encontrar pessoas, mesmo em desencontros. Ali, ele também é antropólogo e professor, que brilhantemente encontra não a mim, mas a saída elegante para a situação.
Leia e ouça mais:
Simmel, G. On individuality and Social Forms. Chicago, The University of Chicago Press,1984.
Velho, G. “Individualismo, anonimato e violência na metrópole”. In: Horizontes Antropológicos – A cidade moderna, 2000. UFRGS, Porto Alegre, n. 13, p. 15-26.
Maria Bethânia canta Tocando em frente.
Vínicius de Moraes canta Samba da Benção.
No microscópio, Aline Gama
- Oi, professor, tudo bem? Desculpa os meus trajes é que...(procuro rapidamente a blusa na bolsa e não encontro).
- Fique tranqüila...
- Tá muito calor e estava correndo, aproveitei p...Falei para você da seleção?
- Sim, como vão as provas?
- Estou indo a praia ler.
- Jura???
- Os Argonautas...
- Ah, não sei do que se trata.
- Desculpa, Argonautas do Pacifico ocidental, do Malinowski.
- Hum, sim, na praia? Exótico, não? Tenho horário para um almoço. Tenho que ir.
- Está bem, até breve, professor.
- Boa praia e leitura...
Ainda bem que o latido do cachorro e a buzina do carro me pouparam dessa tragédia antropológica. Os encontros na cidade, que autoriza o seminu, surpreendem a nós que temos parte da vida em universidades. Não era naquele momento aluna, pesquisadora, candidata a e observadora de. Uma mulher, uma “anônima relativa”, que aproveita a manhã quente de um dia de sol para correr a beira-mar, pensar na vida, ouvir música e encontrar pessoas, mesmo em desencontros. Ali, ele também é antropólogo e professor, que brilhantemente encontra não a mim, mas a saída elegante para a situação.
Leia e ouça mais:
Simmel, G. On individuality and Social Forms. Chicago, The University of Chicago Press,1984.
Velho, G. “Individualismo, anonimato e violência na metrópole”. In: Horizontes Antropológicos – A cidade moderna, 2000. UFRGS, Porto Alegre, n. 13, p. 15-26.
Maria Bethânia canta Tocando em frente.
Vínicius de Moraes canta Samba da Benção.
No microscópio, Aline Gama
15.9.08
Um instante
Saio da reunião com Luiz e a cidade chove. Quero encontrar com ele, mas entro no ônibus em direção a minha casa. No ponto do conturbado trânsito de uma manhã de segunda-feira na Praia de Botafogo, abro o celular e fotografo. Uma, duas, três. Ele é o pixel invisível que enxergo só na paisagem.
Do boteco, Aline Gama.
11.9.08
De que Lado Estamos?
Domingo último, dia em que se comemora a Independência do Brasil, o jornal que chega a minha casa traz na capa uma foto de um grupo de pessoas caminhando na orla do Rio de Janeiro. A notícia sugere que os praticantes de exercícios trocam esteiras e bicicletas ergométricas pelas ciclovias e espaços de lazer da cidade e optam pela atividade em grupo por causa da tão assustadora e ameaçadora violência.
Até aonde investiguei, as academias começaram a ocupar as pistas e a orla da Cidade Maravilhosa para ampliar seu mercado e proporcionar a prática de exercício aliada à paisagem, ao sol e ao banho de mar. Em alguns casos, o grupo sai das salas de musculação, supervisionado por um professor, como parte de um treinamento e não como prevenção a violência como induziu o jornal, que segundo a Associação Nacional de Jornais está entre os dez maiores do país.
Não há na notícia nenhum depoimento, suspiro e exclamação sobre o divertimento e o lazer proporcionado pelos exercícios ao ar livre. Li somente reclamações e lamentos de pessoas que sofreram algum tipo de violência. Não que não exista furtos, assaltos e a absurda falta de policiamento em toda a cidade, mas não é a violência que levou grupos de academia para ciclovias. É a beleza do Rio de Janeiro que convida à pratica de exercícios na orla, em praças e montanhas.
O jornal nos vende o medo, nos diz o que pensar e como pensar a cidade que escolhemos viver. A partir disso, sugere hesitarmos algumas vezes antes de sairmos para caminhar, andar de bicicleta e correr pela cidade. É claro que precisamos de atenção com horários, locais e objetos porque estamos em uma cidade grande que não é devidamente policiada e noticiada, principalmente.
Leia mais:
Antunes, L. “Amigos de Corrida, uma forma de evitar assaltos”. O Globo 07.09.2008: p.35.
Becker, H. S. “De que Lado Estamos?” In: Becker, H. S. Uma teoria da Ação Coletiva. Rio de Janeiro, Jorge Zahar: 1977.
Dreier, P. “How the media Compound Urban Problems”. Journal of Urban Affairs 2005; 27(i.2): 193-201.
McCombs M, Shaw DL. “The Agenda-Setting Function of Mass Media”. The Public Opinion Quarterly 1972; 36 (i.2): 176-187.
No microscópio, Aline Gama
Até aonde investiguei, as academias começaram a ocupar as pistas e a orla da Cidade Maravilhosa para ampliar seu mercado e proporcionar a prática de exercício aliada à paisagem, ao sol e ao banho de mar. Em alguns casos, o grupo sai das salas de musculação, supervisionado por um professor, como parte de um treinamento e não como prevenção a violência como induziu o jornal, que segundo a Associação Nacional de Jornais está entre os dez maiores do país.
Não há na notícia nenhum depoimento, suspiro e exclamação sobre o divertimento e o lazer proporcionado pelos exercícios ao ar livre. Li somente reclamações e lamentos de pessoas que sofreram algum tipo de violência. Não que não exista furtos, assaltos e a absurda falta de policiamento em toda a cidade, mas não é a violência que levou grupos de academia para ciclovias. É a beleza do Rio de Janeiro que convida à pratica de exercícios na orla, em praças e montanhas.
O jornal nos vende o medo, nos diz o que pensar e como pensar a cidade que escolhemos viver. A partir disso, sugere hesitarmos algumas vezes antes de sairmos para caminhar, andar de bicicleta e correr pela cidade. É claro que precisamos de atenção com horários, locais e objetos porque estamos em uma cidade grande que não é devidamente policiada e noticiada, principalmente.
Leia mais:
Antunes, L. “Amigos de Corrida, uma forma de evitar assaltos”. O Globo 07.09.2008: p.35.
Becker, H. S. “De que Lado Estamos?” In: Becker, H. S. Uma teoria da Ação Coletiva. Rio de Janeiro, Jorge Zahar: 1977.
Dreier, P. “How the media Compound Urban Problems”. Journal of Urban Affairs 2005; 27(i.2): 193-201.
McCombs M, Shaw DL. “The Agenda-Setting Function of Mass Media”. The Public Opinion Quarterly 1972; 36 (i.2): 176-187.
No microscópio, Aline Gama
8.9.08
Procura-se
Diante da lista dos alunos da disciplina, vi meu nome suceder o número que estava marcado a lápis. Eu pesquiso livros, artigos, pessoas, falas, botequins, filmes, notícias e alguém me pesquisa! Por quê? O que? Para que?
Resposta no link para comentários, por favor.
Estava eu pagando a conta quando um moço leu o meu nome.
- Você não vai colocar seu telefone?
- não...
- Mas como faço para te encontrar?
- Não sei, procura na Internet...
Fui ao ‘sábio’ do século XXI – o Google – digitar meu nome. Não sou uma das candidatas do Concurso Sereias, nem defensora pública e também não fiz vestibular para UFBA, mas sou sim a da dissertação Maravilhosa e Partida.
Do boteco, Aline Gama.
Resposta no link para comentários, por favor.
Estava eu pagando a conta quando um moço leu o meu nome.
- Você não vai colocar seu telefone?
- não...
- Mas como faço para te encontrar?
- Não sei, procura na Internet...
Fui ao ‘sábio’ do século XXI – o Google – digitar meu nome. Não sou uma das candidatas do Concurso Sereias, nem defensora pública e também não fiz vestibular para UFBA, mas sou sim a da dissertação Maravilhosa e Partida.
Do boteco, Aline Gama.
4.9.08
Gratitude, Merci, Gracias, Obrigada...
Durante quatro meses em 16 manhãs de quartas-feiras, o despertador me acordava e eu reclamava pelos minutos a mais que queria ter ficado na cama. Não era possível atrasar. Ligava o rádio, comia chocolate e chegava na sala de aula. O meu silêncio nas rápidas duas horas me assustava. Era só ouvidos atentos, anotações e interrogações. Por quê? Como? O que quer dizer isso? Voltava para casa andando num movimento de auto-organização de questões.
Há alguns dias, depois de meses tendo pesadelos com notas, avisos, e-mail, telefonemas, fui pegar o conceito A. Se soubesse, dava cambalhotas de felicidade.
Ontem, escreveram para mim em um e-mail que me veio como uma música: “estou bem melhor das tonturas, obrigada”.
Sempre que conquisto alguma coisa costumo agradecer e às vezes estranho a mim mesma: “Por que devo agradecer se lutei, estudei, dei o meu sangue, corri atrás e suei a camisa?”
O conceito A, a idéia boa, o Tai Chi sincronizado, a cura pela massagem nas pernas que um dia foram roxas, na coluna que não conseguia ficar em pé sem doer, tudo são como ondas bem surfadas. O movimento, que não é meu, é apenas trabalhado pelo meu coração, mente, mãos e pés. Obrigada, muito obrigada!
Leia mais:
Velho, G.(org) Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro, Jorge Zahar: 2004.
No microscópio, Aline Gama
Há alguns dias, depois de meses tendo pesadelos com notas, avisos, e-mail, telefonemas, fui pegar o conceito A. Se soubesse, dava cambalhotas de felicidade.
Ontem, escreveram para mim em um e-mail que me veio como uma música: “estou bem melhor das tonturas, obrigada”.
Sempre que conquisto alguma coisa costumo agradecer e às vezes estranho a mim mesma: “Por que devo agradecer se lutei, estudei, dei o meu sangue, corri atrás e suei a camisa?”
O conceito A, a idéia boa, o Tai Chi sincronizado, a cura pela massagem nas pernas que um dia foram roxas, na coluna que não conseguia ficar em pé sem doer, tudo são como ondas bem surfadas. O movimento, que não é meu, é apenas trabalhado pelo meu coração, mente, mãos e pés. Obrigada, muito obrigada!
Leia mais:
Velho, G.(org) Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro, Jorge Zahar: 2004.
No microscópio, Aline Gama
1.9.08
Contradições
- Maravilhosa,
mas toda cidade tem seu lado feio.
- Tá frio,
mas tá calor.
- “Era uma vez...”
uma cidade que é assim ou uma história de amor?
- Tudo ruim,
mas “tudo bem”!
- Cachorro manso,
mas mantenha distância.
Do boteco, Aline Gama.
mas toda cidade tem seu lado feio.
- Tá frio,
mas tá calor.
- “Era uma vez...”
uma cidade que é assim ou uma história de amor?
- Tudo ruim,
mas “tudo bem”!
- Cachorro manso,
mas mantenha distância.
Do boteco, Aline Gama.
27.8.08
Como partir uma Cidade Maravilhosa
Um dos apelidos do Rio parece que foi inventado recentemente, mas no início do século XX as crônicas de Olavo Bilac já tratavam a favela como uma “cidade à parte” e a de Benjamim Costallat descrevia que “a Favela é uma cidade dentro da cidade”. O título do livro de Zuenir Ventura relata a estadia de dez meses do jornalista em Vigário Geral, que acabara de passar pela chacina de 21 pessoas, em 29 de agosto de 1993, e foi amplamente noticiada.
No livro, moradores do asfalto, artistas plásticos, antropólogos, sociólogos e ele adentram a favela para criar o movimento “Viva Rio”, ao lado de moradores que não são nem bandidos, nem criminosos e tampouco traficantes. A necessidade de justiça e de recuperação da auto–estima perdida na chacina une pessoas, apesar de morarem em locais diferentes e de, segundo Ventura, serem de partes diferentes da cidade. Na leitura, o diálogo entre as partes contradiz o título dado ao livro. A sugestão de que a “Cidade Partida”, de Zuenir Ventura, descreve uma situação de guerrilha urbana, que divide os moradores da favela e do asfalto, os pobres e os ricos, os bandidos contra a sociedade, vem de uma leitura rápida e descuidada.
Ao chamar atenção para a questão do tráfico na favela, a expressão vira apelido nos mais diversos setores da sociedade e reverbera em artigos científicos, mesas de bar e na mídia até os dias atuais. O próprio Zuenir Ventura, de vez em quando, usa a expressão para redividir a cidade que é partida entre os que não querem e os que querem pular Carnaval ou entre os que são contra ou a favor de determinado assunto.
A questão está na atribuição de valores e na demarcação territorial que aponta aonde está ou não está a diferença. Não é o epíteto, mas sim o que ele divide e denomina como favela. A nominação, como mostra a Sociologia, serve para demarcar, individualizar, agregar ou segregar. O sim, ou o não, da "Cidade Partida" depende de escalas orientadas por interesses. Escolher dizer que a favela, e conseqüentemente, os favelados são parte da cidade e como eles podem ou devem ser percebidos como tal, pela religião, cor da pele, renda, anos de estudos e tipo de trabalho é fundamental para a vida, o trabalho e as relações dos mais de 1 milhão de habitantes das 752 favelas do Rio.
Leia mais:
Almeida AGd. Maravilhosa e Partida: representações do Rio de Janeiro no telejornalismo local. Saúde Pública. Rio de Janeiro, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca: 2008.
Costallat B. A favela que eu vi. In: Costallat B Mistérios do Rio. Rio de Janeiro: H. Antunes; 1931.
Sen A. Desigualdade reexaminada. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001.
Valladares LdP. A invenção da favela: do mito de origem a favela.com. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2005.
Ventura Z. Cidade Partida. São Paulo: Companhia das Letras; 1994.
Zaluar A, Alvito M(orgs.). Um século de Favela. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas; 1998.
No microscópio, Aline Gama
No livro, moradores do asfalto, artistas plásticos, antropólogos, sociólogos e ele adentram a favela para criar o movimento “Viva Rio”, ao lado de moradores que não são nem bandidos, nem criminosos e tampouco traficantes. A necessidade de justiça e de recuperação da auto–estima perdida na chacina une pessoas, apesar de morarem em locais diferentes e de, segundo Ventura, serem de partes diferentes da cidade. Na leitura, o diálogo entre as partes contradiz o título dado ao livro. A sugestão de que a “Cidade Partida”, de Zuenir Ventura, descreve uma situação de guerrilha urbana, que divide os moradores da favela e do asfalto, os pobres e os ricos, os bandidos contra a sociedade, vem de uma leitura rápida e descuidada.
Ao chamar atenção para a questão do tráfico na favela, a expressão vira apelido nos mais diversos setores da sociedade e reverbera em artigos científicos, mesas de bar e na mídia até os dias atuais. O próprio Zuenir Ventura, de vez em quando, usa a expressão para redividir a cidade que é partida entre os que não querem e os que querem pular Carnaval ou entre os que são contra ou a favor de determinado assunto.
A questão está na atribuição de valores e na demarcação territorial que aponta aonde está ou não está a diferença. Não é o epíteto, mas sim o que ele divide e denomina como favela. A nominação, como mostra a Sociologia, serve para demarcar, individualizar, agregar ou segregar. O sim, ou o não, da "Cidade Partida" depende de escalas orientadas por interesses. Escolher dizer que a favela, e conseqüentemente, os favelados são parte da cidade e como eles podem ou devem ser percebidos como tal, pela religião, cor da pele, renda, anos de estudos e tipo de trabalho é fundamental para a vida, o trabalho e as relações dos mais de 1 milhão de habitantes das 752 favelas do Rio.
Leia mais:
Almeida AGd. Maravilhosa e Partida: representações do Rio de Janeiro no telejornalismo local. Saúde Pública. Rio de Janeiro, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca: 2008.
Costallat B. A favela que eu vi. In: Costallat B Mistérios do Rio. Rio de Janeiro: H. Antunes; 1931.
Sen A. Desigualdade reexaminada. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001.
Valladares LdP. A invenção da favela: do mito de origem a favela.com. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2005.
Ventura Z. Cidade Partida. São Paulo: Companhia das Letras; 1994.
Zaluar A, Alvito M(orgs.). Um século de Favela. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas; 1998.
No microscópio, Aline Gama
24.8.08
Do outro lado do mundo
- Vamos lá, vai, vai...
gritado por Maurren Maggi para si mesmo na pista de prova.
Na mesa ao lado
- Meu irmão to de saco cheio dessa Lei Seca. Dois chopes, por favor!
- Que isso?
- Não to dirigindo, posso beber em dobro. Acabei de discutir com o taxista...
- Relaxa cara...
- Sabe qual é? Meu carro não vale mais nada.
- Como assim, Bro?
- Nunca saio para trabalhar de carro. Só fim de semana. Bebia e pegava umas gatinhas.
- hum...
- Só falta agora inventarem uma lei que proíba sexo no carro...Ai, ferrou! Quer meu carro, te pago um chope?
Do boteco, Aline Gama.
gritado por Maurren Maggi para si mesmo na pista de prova.
Na mesa ao lado
- Meu irmão to de saco cheio dessa Lei Seca. Dois chopes, por favor!
- Que isso?
- Não to dirigindo, posso beber em dobro. Acabei de discutir com o taxista...
- Relaxa cara...
- Sabe qual é? Meu carro não vale mais nada.
- Como assim, Bro?
- Nunca saio para trabalhar de carro. Só fim de semana. Bebia e pegava umas gatinhas.
- hum...
- Só falta agora inventarem uma lei que proíba sexo no carro...Ai, ferrou! Quer meu carro, te pago um chope?
Do boteco, Aline Gama.
19.8.08
Ver e enxergar
Ofereço a um homem forte de 1 metro e 90 os meus olhos.
Desço do ônibus e ele me pega pelo braço. Tenho que caminhar até o hospital, para o qual já estava destinada a ir. Aviso o momento certo de atravessar a rua até que na nossa frente um bispo. Imediatamente, penso que não serei mais só nas próximas duas quadras. Tenho quase 1 metro de largura e uma inclinação a minha direita complicada demais de medir. Puxo ele para mim e aviso da árvore, das irregularidades do chão e peço para ele ir com cuidado. O carro, o cachorro, o bebê, o carrinho, o buraco, o buraco - segura firme no meu braço e mal sabe que não peso 50 quilos - o buraco, o degrau da calçada de uma casa, o jardim, o buraco, o buraco. Perdi minha visão há mais ou menos quatro meses, vejo vultos e sei diferenciar quando há sol. Fim da calçada, aviso o momento certo de atravessar a rua, o degrau. Vamos devagar de novo. Justo agora que vou me aposentar! Passei a vida toda trabalhando muito e agora não vejo nada, as minhas retinas descolaram. Aviso o momento certo de atravessar a rua, a calçada, o degrau, um, dois. É na segunda porta. Pela ladeira ou pela escada? Minha mulher está me esperando ali! São qua...um, dois, três, quatro e mais um. Sento aonde? Moça, por favor, avisa a esposa desse senhor que ele está a sua espera. Obrigado! Boa sorte na operação!
Não somos o outro e seguimos...Se ouvimos música, não ouvimos o sinal sonoro. Não temos uma calçada uniforme e nem prefeito. Não enxergamos. Não escutamos. Não percebemos. Pagamos, simplesmente pagamos, e não enxergamos.
E se essa fosse a nossa história de amor?
Depois de escolhermos caminhar juntos, teríamos que atravessar a rua. A nossa primeira discussão seria sobre algo que não podemos mudar, um bispo, juntos quase cairíamos. Assustados e mais próximos seguiríamos. As diferenças, os gostos, os outros, as escolhas, os buracos, os buracos. Fim da calçada, aviso o momento certo de atravessar a rua, o degrau. Vamos devagar de novo. O bebê, o carrinho, a vida, o jardim. Mostro a mim mesmo e a você que podemos continuar juntos. O cachorro, a casa, os outros, os buracos. Justamente agora que aprendemos a caminhar. Trabalhamos muito e agora terei que ficar sem você. O silêncio, um, dois, três, o buraco, a ausência. Não posso mais ficar a sua espera. Obrigada e boa sorte!
Sigo, simplesmente sigo...
Leia e veja mais:
Rodrigues, J. C. Uma paixão cega pelos meios visuais? ALCEU, 2005 v.6 n.11: p. 5 -18.
Sacks, O. Ver e não ver. In: Um antropólogo em Marte. São Paulo, Companhia das Letras: 2006.
Saramago, J. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo, Companhia das Letras: 1995.
Eu, você e todos nós, da Miranda July, de 2005, com 90 min. Original: Me and You and Everyone we Know.
No microscópio, Aline Gama
Desço do ônibus e ele me pega pelo braço. Tenho que caminhar até o hospital, para o qual já estava destinada a ir. Aviso o momento certo de atravessar a rua até que na nossa frente um bispo. Imediatamente, penso que não serei mais só nas próximas duas quadras. Tenho quase 1 metro de largura e uma inclinação a minha direita complicada demais de medir. Puxo ele para mim e aviso da árvore, das irregularidades do chão e peço para ele ir com cuidado. O carro, o cachorro, o bebê, o carrinho, o buraco, o buraco - segura firme no meu braço e mal sabe que não peso 50 quilos - o buraco, o degrau da calçada de uma casa, o jardim, o buraco, o buraco. Perdi minha visão há mais ou menos quatro meses, vejo vultos e sei diferenciar quando há sol. Fim da calçada, aviso o momento certo de atravessar a rua, o degrau. Vamos devagar de novo. Justo agora que vou me aposentar! Passei a vida toda trabalhando muito e agora não vejo nada, as minhas retinas descolaram. Aviso o momento certo de atravessar a rua, a calçada, o degrau, um, dois. É na segunda porta. Pela ladeira ou pela escada? Minha mulher está me esperando ali! São qua...um, dois, três, quatro e mais um. Sento aonde? Moça, por favor, avisa a esposa desse senhor que ele está a sua espera. Obrigado! Boa sorte na operação!
Não somos o outro e seguimos...Se ouvimos música, não ouvimos o sinal sonoro. Não temos uma calçada uniforme e nem prefeito. Não enxergamos. Não escutamos. Não percebemos. Pagamos, simplesmente pagamos, e não enxergamos.
E se essa fosse a nossa história de amor?
Depois de escolhermos caminhar juntos, teríamos que atravessar a rua. A nossa primeira discussão seria sobre algo que não podemos mudar, um bispo, juntos quase cairíamos. Assustados e mais próximos seguiríamos. As diferenças, os gostos, os outros, as escolhas, os buracos, os buracos. Fim da calçada, aviso o momento certo de atravessar a rua, o degrau. Vamos devagar de novo. O bebê, o carrinho, a vida, o jardim. Mostro a mim mesmo e a você que podemos continuar juntos. O cachorro, a casa, os outros, os buracos. Justamente agora que aprendemos a caminhar. Trabalhamos muito e agora terei que ficar sem você. O silêncio, um, dois, três, o buraco, a ausência. Não posso mais ficar a sua espera. Obrigada e boa sorte!
Sigo, simplesmente sigo...
Leia e veja mais:
Rodrigues, J. C. Uma paixão cega pelos meios visuais? ALCEU, 2005 v.6 n.11: p. 5 -18.
Sacks, O. Ver e não ver. In: Um antropólogo em Marte. São Paulo, Companhia das Letras: 2006.
Saramago, J. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo, Companhia das Letras: 1995.
Eu, você e todos nós, da Miranda July, de 2005, com 90 min. Original: Me and You and Everyone we Know.
No microscópio, Aline Gama
13.8.08
Um pouco de China aqui nas praças do Rio
- Gostaria de ter visto a abertura com você. Achei sem graça...
- É difícil entender a China!
- A Sônia Bridi conhece um pouco, não? Ela morou lá...
- Talvez, mas ela não falou nada de interessante...
- Hum...
[Ajudo a família a trazer estantes, mesa, geladeira, caixas e mais caixas para o novo local de moradia de frente para Afonso Pena. Vejo na praça um grupo devidamente uniformizado com calças pretas e camisas brancas escritas "Projeto Tai Chi Chuan nas Praças". À frente do grupo está um homem alto, grisalho, mais afro-descendente que eu e uma voz de trombone para acordar a vizinhança. Prometo a mim mesmo que um dia vou acordar de madrugada, colocar calça preta e blusa branca e reaprender.
Na primeira semana, terça, quarta, quinta e sexta. Eu, o despertador e a vontade estamos em conflito. Segunda a noite, separo a roupa e não acordo. Passa o primeiro mês e nada. Segunda semana do segundo mês, segunda, terça não acordo, quarta-feira, 12 de outubro de 2005, coloco sandálias e desço. Dou bom-dia ao Gonçalo e atravesso portaria e rua.
O professor olha para os meus pés. Você devia ter vindo de tênis! Pratico Tai Chi ali com eles, só que descalça. O professor questiona se machucou. Digo que não, mas... Finco meus pés e a energia da Terra e do Céu, do Sol e da Lua, que tomam o meu corpo, ao Tai Chi e sua filosofia. A medida que dou passos pelo caminho, abro o pergaminho da vida, sobrescrevendo os mesmos movimentos milenares com pés, dedos e mãos.]
- Mais um chope?
Do boteco, Aline Gama
- É difícil entender a China!
- A Sônia Bridi conhece um pouco, não? Ela morou lá...
- Talvez, mas ela não falou nada de interessante...
- Hum...
[Ajudo a família a trazer estantes, mesa, geladeira, caixas e mais caixas para o novo local de moradia de frente para Afonso Pena. Vejo na praça um grupo devidamente uniformizado com calças pretas e camisas brancas escritas "Projeto Tai Chi Chuan nas Praças". À frente do grupo está um homem alto, grisalho, mais afro-descendente que eu e uma voz de trombone para acordar a vizinhança. Prometo a mim mesmo que um dia vou acordar de madrugada, colocar calça preta e blusa branca e reaprender.
Na primeira semana, terça, quarta, quinta e sexta. Eu, o despertador e a vontade estamos em conflito. Segunda a noite, separo a roupa e não acordo. Passa o primeiro mês e nada. Segunda semana do segundo mês, segunda, terça não acordo, quarta-feira, 12 de outubro de 2005, coloco sandálias e desço. Dou bom-dia ao Gonçalo e atravesso portaria e rua.
O professor olha para os meus pés. Você devia ter vindo de tênis! Pratico Tai Chi ali com eles, só que descalça. O professor questiona se machucou. Digo que não, mas... Finco meus pés e a energia da Terra e do Céu, do Sol e da Lua, que tomam o meu corpo, ao Tai Chi e sua filosofia. A medida que dou passos pelo caminho, abro o pergaminho da vida, sobrescrevendo os mesmos movimentos milenares com pés, dedos e mãos.]
- Mais um chope?
Do boteco, Aline Gama
Juras de amor pela cidade e à cidade
Tenho ido a muitos casamentos. No último, o pai da moça estava muito emocionado. Mãos tremulas apertando as da filha, em seu belo vestido branco e buquê de flores vermelhas. Elegante e ousada. Os olhos dele cheios de lágrimas que não desceram no caminhar pelo tapete até a entrega ao noivo diante da juíza de paz. Logo ele, que sempre soube das coisas do coração, mas nunca se deixava levar por um aperto no peito ou pelo ritmo descompassado diante das coisas da vida.
Abraços apertados, beijos e afagos nunca fizeram parte das expressões do pai da moça, doutor em coração, como demonstração de carinho. Vinha dele palavras e gestos nem sempre compreendidos e muitas vezes duros, mas imbuídos do desejo absurdo e sincero de ver as meninas lutarem pela tão desejada felicidade. Estava ele ali, o pai da noiva, também realizando um sonho na Confeitaria Colombo.
Apesar das cerimônias terem rituais bastante parecidos e os números de 2006 mostrarem que só o Rio teve 27mil e 544 registros de união civil, os casamentos de hoje não são mais como muito antigamente. A recém-mocinha tinha seus dotes negociados com a família do rapaz. A infância pulava diretamente para a vida adulta da noite para o dia, em plena lua de mel. O ritual religioso era realizado em Igrejas, Capelas e Sinagogas. A comemoração dava-se na casa dos pais da moça ou em local alugado pela família que recebia as congratulações dos convidados por terem conseguido casar a filha.
Hoje, os casais trocam alianças a qualquer idade sob ou sem o rigor das Leis Divinas e dos Homens. Importa o desejo, a coragem e o amor. A Cidade Maravilhosa abre seus pontos turísticos para que ali bem perto do céu, no Morro da Urca e no Cristo Redentor; ou no Museu de Arte Moderna e em outros patrimônios históricos; ou ainda no meio da Baia de Guanabara, em plena Ilha Fiscal, existam também juras de cuidado e fidelidade nos dias vindouros, como uma prova de amor também à cidade.
Leia mais:
ARIÈS, Philippe. Historia social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
FERES-CARNEIRO, Terezinha. Casamento contemporâneo: o difícil convívio da individualidade com a conjugalidade. Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre, v. 11, n. 2, 1998.
GOMES, Isabel Cristina; PAIVA, Maria Lucia de Souza Campos. Casamento e família no século XXI: possibilidade de holding?. Psicol. estud., Maringá, v. 8, n. spe, 2003.
NORGREN, Maria de Betânia Paes et al . Satisfação conjugal em casamentos de longa duração: uma construção possível. Estud. psicol. (Natal), Natal, v. 9, n. 3, 2004.
IBGE – Cidades: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php
No microscópio, Aline Gama
Abraços apertados, beijos e afagos nunca fizeram parte das expressões do pai da moça, doutor em coração, como demonstração de carinho. Vinha dele palavras e gestos nem sempre compreendidos e muitas vezes duros, mas imbuídos do desejo absurdo e sincero de ver as meninas lutarem pela tão desejada felicidade. Estava ele ali, o pai da noiva, também realizando um sonho na Confeitaria Colombo.
Apesar das cerimônias terem rituais bastante parecidos e os números de 2006 mostrarem que só o Rio teve 27mil e 544 registros de união civil, os casamentos de hoje não são mais como muito antigamente. A recém-mocinha tinha seus dotes negociados com a família do rapaz. A infância pulava diretamente para a vida adulta da noite para o dia, em plena lua de mel. O ritual religioso era realizado em Igrejas, Capelas e Sinagogas. A comemoração dava-se na casa dos pais da moça ou em local alugado pela família que recebia as congratulações dos convidados por terem conseguido casar a filha.
Hoje, os casais trocam alianças a qualquer idade sob ou sem o rigor das Leis Divinas e dos Homens. Importa o desejo, a coragem e o amor. A Cidade Maravilhosa abre seus pontos turísticos para que ali bem perto do céu, no Morro da Urca e no Cristo Redentor; ou no Museu de Arte Moderna e em outros patrimônios históricos; ou ainda no meio da Baia de Guanabara, em plena Ilha Fiscal, existam também juras de cuidado e fidelidade nos dias vindouros, como uma prova de amor também à cidade.
Leia mais:
ARIÈS, Philippe. Historia social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
FERES-CARNEIRO, Terezinha. Casamento contemporâneo: o difícil convívio da individualidade com a conjugalidade. Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre, v. 11, n. 2, 1998.
GOMES, Isabel Cristina; PAIVA, Maria Lucia de Souza Campos. Casamento e família no século XXI: possibilidade de holding?. Psicol. estud., Maringá, v. 8, n. spe, 2003.
NORGREN, Maria de Betânia Paes et al . Satisfação conjugal em casamentos de longa duração: uma construção possível. Estud. psicol. (Natal), Natal, v. 9, n. 3, 2004.
IBGE – Cidades: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php
No microscópio, Aline Gama
11.8.08
A porta – do Rio para o Ceará
- Vai para Disney nas férias, Seu Gonçalo?
- Não, vou ao Ceará. Todo ano vou lá ver a família e minhas terrinhas...
- Vai de avião?
- De ônibus...
- Mas não é longe?
- 03 dias...
- Caramba, avião, hoje em dia, não é tão caro! Você pode parcelar...
- É que minha cidade fica a uma hora da capital e tenho que ir do aeroporto para rodoviária pegar mais um ônibus.
- De ônibus você vai direto?
- Não...
- Então, de avião é mais rápido e dá para passar mais tempo com a família...
- Ih, eu faço isso há 30 anos. O ônibus vai parando... Esse troço de avião cai, não é não?
Risos
- É verdade, avião cai...
Do boteco, Aline Gama
- Não, vou ao Ceará. Todo ano vou lá ver a família e minhas terrinhas...
- Vai de avião?
- De ônibus...
- Mas não é longe?
- 03 dias...
- Caramba, avião, hoje em dia, não é tão caro! Você pode parcelar...
- É que minha cidade fica a uma hora da capital e tenho que ir do aeroporto para rodoviária pegar mais um ônibus.
- De ônibus você vai direto?
- Não...
- Então, de avião é mais rápido e dá para passar mais tempo com a família...
- Ih, eu faço isso há 30 anos. O ônibus vai parando... Esse troço de avião cai, não é não?
Risos
- É verdade, avião cai...
Do boteco, Aline Gama
7.8.08
Não só de Leis
O designer Fred Gelli escreveu na coluna “O RIO da gente” que a cidade, leia-se a orla da Zona Sul, está inundada pelo lixo. Baseado nas mudanças com a Lei Seca, sugere a criação de uma lei com multas e penalidades para aqueles que sujam a cidade. Acredito nas boas intenções do rapaz e concordo que precisamos de uma cidade mais limpa.
Para reforçar seu argumento, o designer compara o Rio com a Suécia e Cingapura, que possuem leis para tais faltas, mas esquece de dizer que a população de ambos países – e não cidades - é infinitamente menor, que o nível educacional é maior e, ainda, que diferenças culturais existem. Em números de 2006, a população da Suécia é de 9,08 milhões e a de Cingapura 4,48. Ambas com 100% da população com nível secundário completo.
Só a cidade do Rio, caro Fred, tem 6 milhões de habitantes, com o percentual de 5% de analfabetos. Não preciso colocar em questão o nível educacional daqueles que chegam à graduação.
Além disso, há diferenças culturais! Na Suécia, a população tem o hábito de limpar e organizar a própria vida, porque as empregadas domésticas são caras. O governo sueco supre a população com Saúde e Educação. O espaço público lá é pensado como um bem-comum.
Então, podemos supor que a cultura do cuidado com a casa se estenda às ruas e que as leis lá devem servir para turistas?! Por falta de leis que proíbam, você também joga o lixo nas ruas e praias ou procura a lixeira mais próxima?
Precisamos, além de leis, de uma transformação do entendimento de que o público deve ficar por conta do governo. Somos responsáveis por ruas e praias que continuarão sendo nossas depois do domingo de sol e do clássico do futebol. Não precisamos só de leis, mas de uma conscientização de que o Rio é de cada um de nós.
Mais:
DaMatta, R. A casa & a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.
ONU - World Development Indicators database, April 2008: http://www.onu-brasil.org.br/
IBGE – Indicadores Sociais: http://www.ibge.gov.br/
Suécia: http://www.sweden.se/
Resposta ao "Cidade inundada pelo lixo", O Globo, p. 4, 05.08.2008.
No microscópio, Aline Gama
Para reforçar seu argumento, o designer compara o Rio com a Suécia e Cingapura, que possuem leis para tais faltas, mas esquece de dizer que a população de ambos países – e não cidades - é infinitamente menor, que o nível educacional é maior e, ainda, que diferenças culturais existem. Em números de 2006, a população da Suécia é de 9,08 milhões e a de Cingapura 4,48. Ambas com 100% da população com nível secundário completo.
Só a cidade do Rio, caro Fred, tem 6 milhões de habitantes, com o percentual de 5% de analfabetos. Não preciso colocar em questão o nível educacional daqueles que chegam à graduação.
Além disso, há diferenças culturais! Na Suécia, a população tem o hábito de limpar e organizar a própria vida, porque as empregadas domésticas são caras. O governo sueco supre a população com Saúde e Educação. O espaço público lá é pensado como um bem-comum.
Então, podemos supor que a cultura do cuidado com a casa se estenda às ruas e que as leis lá devem servir para turistas?! Por falta de leis que proíbam, você também joga o lixo nas ruas e praias ou procura a lixeira mais próxima?
Precisamos, além de leis, de uma transformação do entendimento de que o público deve ficar por conta do governo. Somos responsáveis por ruas e praias que continuarão sendo nossas depois do domingo de sol e do clássico do futebol. Não precisamos só de leis, mas de uma conscientização de que o Rio é de cada um de nós.
Mais:
DaMatta, R. A casa & a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.
ONU - World Development Indicators database, April 2008: http://www.onu-brasil.org.br/
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Suécia: http://www.sweden.se/
Resposta ao "Cidade inundada pelo lixo", O Globo, p. 4, 05.08.2008.
No microscópio, Aline Gama