– Mais faixas de pedestres com redutores de velocidade e sinalizadores.
– Mais uso de bicicletas por cariocas.
– Mais policiamento nas ciclovias.
– Mais ciclovias para além da orla, isto é, pistas entre parques, praças, museus e shoppings.
– Motoristas obedientes ao código de trânsito.
– Melhores ônibus e mais metrô.
– Tarifa diária para uso de carros na cidade.
– Mais cadeiras e coberturas em pontos de ônibus que deveriam ser em um recuo.
– Maior sinalização nos transportes públicos. Que ônibus passa por aqui? Em quantos minutos o metrô ou o ônibus estarão nesse ponto?
– Menos tempo para chegar logo ali, em 2010.
Aline Gama
www.detran.rj.gov.br
www.metrorio.com.br
www.rioonibus.com
17.12.09
7.12.09
Diário
Cinco de dezembro de zero nove, às sete e meia da noite, carros parados, buzinas, pessoas gritando adjetivos não publicáveis, música, fogos, abraços e papai Noel ainda vai demorar vinte dias para chegar, mas já deve ter recebido a minha carta e a sua.
Seis de dezembro, às nove horas e vinte e três minutos da manhã, ouço samba, fogos e “vamos ser campeão, vamos Flamengo”, abro os olhos e levanto. A cidade é vermelha e preta. Crianças, velhos, jovens, famílias inteiras preparam-se para o jogo. Pessoas gritando adjetivos não publicáveis, abraços, cerveja gelada, abraços, sorrisos e beijo na camisa vermelha e preta. Carros parados, buzinas, fogos, fumaça, barulho, barulho, barulho, gol, choro, silêncio, rezas, goooolllllllll, choro, adjetivos não publicáveis, rezas, gooooollllllll e tudo fca fora da odrem.
Aline Gama
Seis de dezembro, às nove horas e vinte e três minutos da manhã, ouço samba, fogos e “vamos ser campeão, vamos Flamengo”, abro os olhos e levanto. A cidade é vermelha e preta. Crianças, velhos, jovens, famílias inteiras preparam-se para o jogo. Pessoas gritando adjetivos não publicáveis, abraços, cerveja gelada, abraços, sorrisos e beijo na camisa vermelha e preta. Carros parados, buzinas, fogos, fumaça, barulho, barulho, barulho, gol, choro, silêncio, rezas, goooolllllllll, choro, adjetivos não publicáveis, rezas, gooooollllllll e tudo fca fora da odrem.
Aline Gama
30.11.09
Rio 2016 – ironia
Robin Williams diz: “Espero que a Oprah não esteja chateada com as olimpíadas. Chicago mandou Oprah e Michelle (Obama). O Brasil mandou 50 strippers e meio quilo de pó. Não foi justo.”
Veja aqui no Letterman.
Respondo: Esse cara deve estar maluco! Desde quando o Rio de Janeiro tem problemas? Quem contou a ele que os nossos políticos estão envolvidos com o tráfico? Ele perdeu o amor a vida? Perdeu a noção do perigo! O Rio de Janeiro é perfeito! É uma cidade maravilhosa!!!
Aline Gama, inspirada em comercial.
Veja aqui no Letterman.
Respondo: Esse cara deve estar maluco! Desde quando o Rio de Janeiro tem problemas? Quem contou a ele que os nossos políticos estão envolvidos com o tráfico? Ele perdeu o amor a vida? Perdeu a noção do perigo! O Rio de Janeiro é perfeito! É uma cidade maravilhosa!!!
Aline Gama, inspirada em comercial.
22.11.09
Nara
Essa moça passeou pela minha vida nos últimos dias. Já tinha ouvido falar, mas nunca... A história é incrível, o olhar é...a voz...e o silêncio...
Descobri que existe uma biografia dela: "Nara Leão: a musa dos trópicos", de Cássio Cavalcante que acaba de entrar para minha lista de compras e leitura.
Foto roubada
1.11.09
LEI Nº 5.432, de 1 de novembro de 2009.
Institui o Código de Trânsito de Cariocas do Gênero Feminino.
Faço saber que Amigas decretam e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1º O trânsito de quaisquer meninas e mulheres nas vias terrestres do território da cidade do Rio de Janeiro, abertas à circulação, rege-se por este Código.
§ 1º Considera-se trânsito a utilização do aparelho locomotor para ir e vir por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos. Esse Código dirigir-se-á somente ao trânsito do gênero feminino.
§ 2º Os órgãos e entidades componentes do Sistema Carioca de Trânsito do Gênero Feminino, mulheres e meninas, assim como amigos, familiares, namorados, amantes e maridos acompanhantes, respondem objetivamente, no âmbito das respectivas competências, por danos causados as cidadãs em virtude de ação, reação e diferentes humores para a manutenção do direito do trânsito seguro.
CAPÍTULO II
DAS NORMAS GERAIS DE CIRCULAÇÃO E CONDUTA
Art. 2º. As usuárias das vias terrestres devem:
I - abster-se de responder a todo ato que possa constituir perigo para si, mesmo que isso cause danos a propriedades masculinas;
II - abster-se de obstruir o trânsito ou torná-lo perigoso, ignorando assovios, buzinas, gestos e olhares, pois pode criar obstáculos ao direito de ir e vir dos demais transeuntes.
Art. 3 º. O trânsito do gênero feminino nas vias cariocas abertas à circulação obedecerá às seguintes normas:
I - a circulação far-se-á prioritariamente pelas calçadas, admitindo-se caminhadas pela rua diante de algumas exceções devido à ocupação indevida de:
a) veículos automotores,
b) ex-amores,
c) desafetos,
d) vizinhos chatos e
e) inimigos de qualquer espécie.
II - a usuária deverá manter distância de segurança lateral e frontal entre si e os demais estranhos, não aceitando, conforme as normas maternas, balas e cantadas que não interessem.
III - a usuária deverá manter proximidade de amigos e familiares acompanhantes para devida interação. Admite-se a proximidade de estranhos para devida compreensão da conversa, leitura do nome da marca de roupa e detalhes da vestimenta e ainda início de relacionamentos.
Art. 4º. Toda usuária, ao perceber vitrines de qualquer tipo de comércio que a interesse, deve e pode:
I - parar o tempo que quiser para observação das mercadorias, reflexão sobre mercadorias complementares que não estão em sua posse, análise de contas bancárias e cartões de crédito e verificação de cartões de crédito, cheque e dinheiro em bolsos e bolsa;
II - desviar-se do local de destino para aquisição da mercadoria.
Art. 5º. O uso de equipamentos eletrônicos, tais como celulares e Ipods, deverá emitir som sem irritar o bem-estar de outras usuárias e demais transeuntes.
Art. 6º. Toda usuária, ao intuir que o outro que a segue tem o propósito de cantá-la, deverá:
I - em caso de desinteresse, se estiver circulando pela faixa da esquerda, deslocar-se para a faixa da direita, acelerar a marcha ou diminuir em um movimento contrário;
II - em caso de interesse, manter o seu ritmo e fingir-se desinteressada.
Art. 7º. A circulação nas vias públicas tem por finalidade:
I - convivência e interação social;
II - refletir e solucionar problemas pessoais, tais como:
a)brigas de relacionamentos,
b)questões financeiras,
c)organização de lazer e trabalho,
d)problemas familiares e
e)após as sessões de terapias.
III - exercício físico.
CAPÍTULO III
DAS NORMAS FUNDAMENTAIS ANTERIORES A CIRCULAÇÃO
Art. 8º. Antes de circular nas vias públicas, a usuária deverá verificar suas vestimentas e considerar que mesmo com roupas adequadas está sujeita a sanções masculinas.
Art. 9º. Ao pensar em colocar as vestimentas para circulação nas vias públicas, a usuária deverá verificar o nível de paciência, bem como assegurar-se do bom humor suficiente para chegar ao local de destino.
CAPÍTULO IV
DA NORMA INDISPENSÁVEL À CIRCULAÇÃO
Art. 10º. A usuária deverá, a todo momento, ter domínio de suas emoções, caminhando com atenção e cuidados imprescindíveis à sua segurança e bem-estar.
Aline Gama
Faço saber que Amigas decretam e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1º O trânsito de quaisquer meninas e mulheres nas vias terrestres do território da cidade do Rio de Janeiro, abertas à circulação, rege-se por este Código.
§ 1º Considera-se trânsito a utilização do aparelho locomotor para ir e vir por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos. Esse Código dirigir-se-á somente ao trânsito do gênero feminino.
§ 2º Os órgãos e entidades componentes do Sistema Carioca de Trânsito do Gênero Feminino, mulheres e meninas, assim como amigos, familiares, namorados, amantes e maridos acompanhantes, respondem objetivamente, no âmbito das respectivas competências, por danos causados as cidadãs em virtude de ação, reação e diferentes humores para a manutenção do direito do trânsito seguro.
CAPÍTULO II
DAS NORMAS GERAIS DE CIRCULAÇÃO E CONDUTA
Art. 2º. As usuárias das vias terrestres devem:
I - abster-se de responder a todo ato que possa constituir perigo para si, mesmo que isso cause danos a propriedades masculinas;
II - abster-se de obstruir o trânsito ou torná-lo perigoso, ignorando assovios, buzinas, gestos e olhares, pois pode criar obstáculos ao direito de ir e vir dos demais transeuntes.
Art. 3 º. O trânsito do gênero feminino nas vias cariocas abertas à circulação obedecerá às seguintes normas:
I - a circulação far-se-á prioritariamente pelas calçadas, admitindo-se caminhadas pela rua diante de algumas exceções devido à ocupação indevida de:
a) veículos automotores,
b) ex-amores,
c) desafetos,
d) vizinhos chatos e
e) inimigos de qualquer espécie.
II - a usuária deverá manter distância de segurança lateral e frontal entre si e os demais estranhos, não aceitando, conforme as normas maternas, balas e cantadas que não interessem.
III - a usuária deverá manter proximidade de amigos e familiares acompanhantes para devida interação. Admite-se a proximidade de estranhos para devida compreensão da conversa, leitura do nome da marca de roupa e detalhes da vestimenta e ainda início de relacionamentos.
Art. 4º. Toda usuária, ao perceber vitrines de qualquer tipo de comércio que a interesse, deve e pode:
I - parar o tempo que quiser para observação das mercadorias, reflexão sobre mercadorias complementares que não estão em sua posse, análise de contas bancárias e cartões de crédito e verificação de cartões de crédito, cheque e dinheiro em bolsos e bolsa;
II - desviar-se do local de destino para aquisição da mercadoria.
Art. 5º. O uso de equipamentos eletrônicos, tais como celulares e Ipods, deverá emitir som sem irritar o bem-estar de outras usuárias e demais transeuntes.
Art. 6º. Toda usuária, ao intuir que o outro que a segue tem o propósito de cantá-la, deverá:
I - em caso de desinteresse, se estiver circulando pela faixa da esquerda, deslocar-se para a faixa da direita, acelerar a marcha ou diminuir em um movimento contrário;
II - em caso de interesse, manter o seu ritmo e fingir-se desinteressada.
Art. 7º. A circulação nas vias públicas tem por finalidade:
I - convivência e interação social;
II - refletir e solucionar problemas pessoais, tais como:
a)brigas de relacionamentos,
b)questões financeiras,
c)organização de lazer e trabalho,
d)problemas familiares e
e)após as sessões de terapias.
III - exercício físico.
CAPÍTULO III
DAS NORMAS FUNDAMENTAIS ANTERIORES A CIRCULAÇÃO
Art. 8º. Antes de circular nas vias públicas, a usuária deverá verificar suas vestimentas e considerar que mesmo com roupas adequadas está sujeita a sanções masculinas.
Art. 9º. Ao pensar em colocar as vestimentas para circulação nas vias públicas, a usuária deverá verificar o nível de paciência, bem como assegurar-se do bom humor suficiente para chegar ao local de destino.
CAPÍTULO IV
DA NORMA INDISPENSÁVEL À CIRCULAÇÃO
Art. 10º. A usuária deverá, a todo momento, ter domínio de suas emoções, caminhando com atenção e cuidados imprescindíveis à sua segurança e bem-estar.
Aline Gama
22.10.09
Fechada para balanço
Tenho uma fila de idéias (que no meu português deve continuar ter acento. Se eu soubesse onde, colocaria dois) de post, mas estou em silêncio. Nada sai. Estou aprendendo com a vida e a dor. Até breve!
Aline Gama
Aline Gama
12.10.09
Errata
“Surfando no mangue do Leblon”
Foto de Gabriel de Paiva e frase de capa do jornal O Globo de 10.10.09
Mangue: “ 1 designação comum a diversas árvores, esp. da fam. das rizoforáceas, nativas das regiões costeiras tropicais das Américas, da África e Ásia(...) 2 floresta ou associação halófila em que predomina esse tipo de árvore e que se pode formar junto a praias, à foz de rios, ou na margem lamacenta de portos, rios lagoas 3 área de prostituição(...)", do dicionário Houaiss.
Esgoto: “1 m.q. esgotamento (‘ato ou efeito’) 2 abertura ou cano por onde correm ou se esgotam líquidos e dejeções 2.1 sistema de canalização, ger. subterrâneo, que recebe a água da chuva e os detritos de um conjunto populacional.”,do dicionário Houaiss.
Surfando no esgoto do Leblon
Aline Gama
5.10.09
28.9.09
Bombom da sorte
Entro no ônibus, cansada de tanto caminhar pela Cidade Maravilhosa. Logo em seguida, entra ele com um pacote enorme de guloseimas: amendoins, chicletes, paçocas, balas, biscoitos e não lembro mais, mostrando que a cidade não é maravilhosa para todo mundo a toda hora.
Tudo devidamente agrupado por categorias e separado em pequenos saquinhos que valem apenas R$ 1,00: dois bombons, dois pacotes de amendoins salgados, dois pacotes de bala, duas barras de doces (chocolate ou goiabada), seis paçocas ou seis doces de leite. Todos os saquinhos são agrupados como se fosse um cacho de bananas ou uvas, na ponta um gancho que fica pendurado no corrimão alto do ônibus. Além disso, que parece pesado, ele carrega uma mochila com mais mercadoria e uma pochette com dinheiro, moedas, carteira de identidade, chave e celular.
Dizem que a mercadoria é roubada, mas acredito no suor do rosto, no esforço do braço, na simpatia da revenda e dou um real em troca de dois bombons “Serenata de Amor” que eu queria só para mim. Abro e na parte superior e interna da embalagem um desenho de um casal se beijando, o bombom crocante e saboroso me impedem de...Como saboreando até ler:
“Beijo, a melhor coisa do mundo. Não há estudos profundos sobre o beijo. Provavelmente, no meio da pesquisa, os cientistas descobriram que é muito mais gostoso beijar do que sair por aí pesquisando.”
Falo sozinha com o papel, sorrio e confirmo a declaração, aliás, a premonição.
Aline Gama
Tudo devidamente agrupado por categorias e separado em pequenos saquinhos que valem apenas R$ 1,00: dois bombons, dois pacotes de amendoins salgados, dois pacotes de bala, duas barras de doces (chocolate ou goiabada), seis paçocas ou seis doces de leite. Todos os saquinhos são agrupados como se fosse um cacho de bananas ou uvas, na ponta um gancho que fica pendurado no corrimão alto do ônibus. Além disso, que parece pesado, ele carrega uma mochila com mais mercadoria e uma pochette com dinheiro, moedas, carteira de identidade, chave e celular.
Dizem que a mercadoria é roubada, mas acredito no suor do rosto, no esforço do braço, na simpatia da revenda e dou um real em troca de dois bombons “Serenata de Amor” que eu queria só para mim. Abro e na parte superior e interna da embalagem um desenho de um casal se beijando, o bombom crocante e saboroso me impedem de...Como saboreando até ler:
“Beijo, a melhor coisa do mundo. Não há estudos profundos sobre o beijo. Provavelmente, no meio da pesquisa, os cientistas descobriram que é muito mais gostoso beijar do que sair por aí pesquisando.”
Falo sozinha com o papel, sorrio e confirmo a declaração, aliás, a premonição.
Aline Gama
21.9.09
A imagem em questão III - Ferida sobre a pele II
Quando vi essa foto coloquei a mão em cima. Faço isso com as dores e as feridas desde pequena, dizendo: “vai passar” ou “vai ficar boa”. Nos segundos antes de tirar a mão, desejava fortemente a cura. Sem dor, sem sangue e ainda sem o fogo sobre a pele da Terra, nunca foi possível remover as cicatrizes.
Aline Gama
Foto de Maria Elisa Franco do incêndio na Pedra da Gávea do dia 08.09.2009
14.9.09
Inside
Piso na areia da praia do Leblon e sinto a brisa quente. Tiro tudo e quase o biquini para entrar n’água. Tenho medo da superfície lisa do mar que não mostra quando as ondas azuis chegam, mas mergulho de cabeça.
Dentro d’água escolho as ondas que me fazem deslizar. Me sinto submersa. Penso em você que voa sobre água. Distância ou proximidade? Não sou de superfícies. Estou dentro. Faço curvas com corpo, jogo água nos banhistas, dou cambalhotas, giro, mudo o caminho, subo a onda, desço até quase a beira do mar. Inclino o corpo dou meia volta para o fundo que é o meu lugar.
Saio d’água. Sinto o sol banhar meu corpo de calor. O céu aponta a tempestade. O vento quente dá lugar ao sudoeste. Levanta areia, fecha o meu livro e toda a praia se transforma em folhas. Cadeiras, cangas, pessoas, barracas, isopores, tudo é leve e se move. A natureza é soberana.
Como se boquiaberta, assisto.
Aviso ao meu vizinho que não vai parar. Não penso em fotografar. Não penso em correr. Finco os meus pés na Terra e meus olhos na superfície lisa do mar transformada em carneirinhos. O vento atravessou países, estados, cidades, bairros e casas. Destruiu, matou, levou tudo até me envolver em seu canto.
Aline Gama para ALN
Rio, 08.09.2009
Dentro d’água escolho as ondas que me fazem deslizar. Me sinto submersa. Penso em você que voa sobre água. Distância ou proximidade? Não sou de superfícies. Estou dentro. Faço curvas com corpo, jogo água nos banhistas, dou cambalhotas, giro, mudo o caminho, subo a onda, desço até quase a beira do mar. Inclino o corpo dou meia volta para o fundo que é o meu lugar.
Saio d’água. Sinto o sol banhar meu corpo de calor. O céu aponta a tempestade. O vento quente dá lugar ao sudoeste. Levanta areia, fecha o meu livro e toda a praia se transforma em folhas. Cadeiras, cangas, pessoas, barracas, isopores, tudo é leve e se move. A natureza é soberana.
Como se boquiaberta, assisto.
Aviso ao meu vizinho que não vai parar. Não penso em fotografar. Não penso em correr. Finco os meus pés na Terra e meus olhos na superfície lisa do mar transformada em carneirinhos. O vento atravessou países, estados, cidades, bairros e casas. Destruiu, matou, levou tudo até me envolver em seu canto.
Aline Gama para ALN
Rio, 08.09.2009
8.9.09
Cidade Pollyanna
Ouvi no telejornal, li nos jornais e na internet, mas entrei no site da Forbes para ler com os próprios olhos. A cidade do Rio de Janeiro foi eleita a mais feliz do mundo. O argumento é o mesmo de 500 anos atrás: as belezas naturais, as montanhas, as praias e a recepção calorosa dos índios que atualmente são chamados de carioca e inventaram o Carnaval.
Não se menciona a parte socioeconômica da cidade porque esse é o nosso lado triste. Não mostramos quando recebemos o PAN, o COI e muito menos aqueles que entram pelo Galeão e sentem o cheiro podre das águas da baia da Guanabara e passam por inúmeras favelas.
O PAN se foi e nada ficou além das promessas! Anotem: o mesmo poderá acontecer se recebermos as Olimpíadas em 2016. Não temos um sistema de transporte. Não temos Saúde Pública suficiente. Não temos um sistema educacional e uma segurança pública competentes. E ainda sim julgam-nos felizes. Até quando vamos ficar fazendo o jogo do contente?
Aline Gama
Não se menciona a parte socioeconômica da cidade porque esse é o nosso lado triste. Não mostramos quando recebemos o PAN, o COI e muito menos aqueles que entram pelo Galeão e sentem o cheiro podre das águas da baia da Guanabara e passam por inúmeras favelas.
O PAN se foi e nada ficou além das promessas! Anotem: o mesmo poderá acontecer se recebermos as Olimpíadas em 2016. Não temos um sistema de transporte. Não temos Saúde Pública suficiente. Não temos um sistema educacional e uma segurança pública competentes. E ainda sim julgam-nos felizes. Até quando vamos ficar fazendo o jogo do contente?
Aline Gama
31.8.09
Violência com a praia
Piso na areia, pego sol, mergulho, tomo sucolé do Claudinho, como kibe do Mustafá e Camaretto, enquanto penso na resposta a pergunta da minha amiga paulista: “nossa, meu, por que dizem que o Rio é tão violento?”
Esqueço de responder...
Mas o telejornal da Band diz que “facções criminosas impõem medo nas praias cariocas”. Ela ri e diz que se a mãe dela viu, deve estar preocupada.
Veja e ouça você a reportagem no www.bandnews.band.com.br
Informo, então, que eu nunca vi, mas brigas entre gangues de diferentes favelas ou diferentes torcidas de times de futebol acontecem. O que falta na reportagem é coerência entre o texto da Cidade Partida e as imagens da Cidade Maravilhosa e ainda responder quando aconteceram as brigas, em quais praias e envolvendo quais facções.
Aline Gama
Esqueço de responder...
Mas o telejornal da Band diz que “facções criminosas impõem medo nas praias cariocas”. Ela ri e diz que se a mãe dela viu, deve estar preocupada.
Veja e ouça você a reportagem no www.bandnews.band.com.br
Informo, então, que eu nunca vi, mas brigas entre gangues de diferentes favelas ou diferentes torcidas de times de futebol acontecem. O que falta na reportagem é coerência entre o texto da Cidade Partida e as imagens da Cidade Maravilhosa e ainda responder quando aconteceram as brigas, em quais praias e envolvendo quais facções.
Aline Gama
24.8.09
A imagem em questão II - "Yes, we can!"
Sou do tipo que fecha os olhos, franze a testa, aperta a almofada ou o braço ao lado e ainda viro o rosto diante de cenas de violência e terror, mesmo sendo o primeiro encontro ou a primeira ida ao cinema. Já ganhei abraços e beijos, mas também risos. Nunca sei se são pelo inusitado da reação espontânea ou por pena. Lamento ser sempre mais forte que eu, mas acredito naquilo que vejo.
Circulando entre as fotografias de Robert Polidori, no Instituto Moreira Salles, e do World Press Photo 09, na Caixa Cultural, vi muito mais destruição do que gostaria. Passei rápido pelas muitas imagens de sofrimento e parei diante das que realmente me comoviam. Nenhuma imagem me pareceu inédita. Nada de novo. O corpo sangrando, a lágrima, as paredes furadas pelas guerras, o grito e o choro congelados, a intensidade das cores da natureza, o caos de apartamentos e cidades habitados pelo homem e só.
Não que a ida às exposições não valha apena. É preciso ver e sentir o que nos falta em imagens, assim como o que nos sobra. A imagem não revelada é a do abraço entre amigos, do aperto de mão entre rivais, do beijo entre amantes, do olhar carinhoso entre estranhos ou da brincadeira de crianças. Enfim, Robert Doisneau!
Aline Gama
A bela foto de Michelle e Barack Obama é de Callie Shell. O primeiro lugar na categoria "People in the News".
17.8.09
Alberto, uma homenagem
Escrevo sobre Alberto.
Não o Alberto que se esconde em segredos.
Não o Alberto apaixonado por belas parisienses e brasileiras.
Não o Alberto que fala sem ser compreendido e
nem os ritos e os mitos de Alberto,
mas o que declara amor a humanidade em sua criação.
Não o Alberto que só sonha.
Não o Alberto preocupado com cálculos.
Não o Alberto que desconheço,
Não o Alberto mineiro e
nem o brasileiro e o francês,
mas o que projeta, constrói e experimenta.
Não o Alberto naturalista e Caeiro de Pessoa.
Não o Alberto transeunte de ruas e Carmens de João Paulo Cuenca.
Não o Alberto que encanta e
nem o Alberto não inventado por Julio Verne,
mas o pequeno Alberto que realiza o gigantesco sonho de voar.
Aline Gama sobre Alberto Santos Dumont.
Não o Alberto que se esconde em segredos.
Não o Alberto apaixonado por belas parisienses e brasileiras.
Não o Alberto que fala sem ser compreendido e
nem os ritos e os mitos de Alberto,
mas o que declara amor a humanidade em sua criação.
Não o Alberto que só sonha.
Não o Alberto preocupado com cálculos.
Não o Alberto que desconheço,
Não o Alberto mineiro e
nem o brasileiro e o francês,
mas o que projeta, constrói e experimenta.
Não o Alberto naturalista e Caeiro de Pessoa.
Não o Alberto transeunte de ruas e Carmens de João Paulo Cuenca.
Não o Alberto que encanta e
nem o Alberto não inventado por Julio Verne,
mas o pequeno Alberto que realiza o gigantesco sonho de voar.
Aline Gama sobre Alberto Santos Dumont.
14.8.09
9.8.09
Um instante II
Desejo o encontro. Caminho. Passo pela janela. Olho para dentro. Vejo a porta que abre. Está de verde e sorri. Não para mim. Sobressalto. Perco o chão. Só sinto. Continuo. Desgraço a sorte, mas torço pelo segundo instante. Nó na garganta. Lamento. Como se não quisesse, caminho.
Aline Gama
Aline Gama
2.8.09
A imagem em questão
A: ola!
eu: oi, tudo bem?
A: tudo bem?
eu: tudo tranquilinho e vc?
A: tudo bem...você tem webcam?
eu: tenho
A: quer tentar uma experiência?
eu: quero...
A: vou ligar minha câmera..se der merda, vou reinicar o pc e te chamo de novo, ok?
eu: ta
A: então, vamos lá...
A vous invite à utiliser le chat audio et vidéo de Gmail. Rendez-vous sur http://mail.google.com/videochat pour démarrer.
A: ...você recebeu algum convite para fazer chat com vídeo?
eu: recebi
A: e ai? aceitou? aconteceu algo?
eu: sim...to fazendo. pediu p eu reiniciar os navegadores. tenho q sair e voltar
A: acho que você precisa se tornar visível, também vou fazer isso.
8 minutos
eu: oi
A: espera um pouco, eu estou te vendo já...faz cara de quem está sendo filmada...você esta me vendo?
eu: : P
A: não sei pq não está funcionando...eu tb estou te ouvindo, você acabou de falar ai, ai
eu: to nervosa de me ver aqui
A: que lindo sorriso...não sei o que está acontecendo.
eu: vc quer tentar me convidar p vê se rola?
A: não sei o que posso fazer mais...
3 minutos
eu: não te ouço, só vejo
A: eu te ouço...te vejo...
Que inferno! Que difícil! Acredito na proximidade. No olhar que olha a câmera e também vê a mim. Os olhos, a boca, a pele...Sem cheiro, sem gosto, sem calor, sem aquilo que vibra. A vida. Meus outros sentidos me confundem. Acredito sem experimentar a presença em sua completude. A presença da tela só me traz a ausência.
Aline Gama
eu: oi, tudo bem?
A: tudo bem?
eu: tudo tranquilinho e vc?
A: tudo bem...você tem webcam?
eu: tenho
A: quer tentar uma experiência?
eu: quero...
A: vou ligar minha câmera..se der merda, vou reinicar o pc e te chamo de novo, ok?
eu: ta
A: então, vamos lá...
A vous invite à utiliser le chat audio et vidéo de Gmail. Rendez-vous sur http://mail.google.com/videochat pour démarrer.
A: ...você recebeu algum convite para fazer chat com vídeo?
eu: recebi
A: e ai? aceitou? aconteceu algo?
eu: sim...to fazendo. pediu p eu reiniciar os navegadores. tenho q sair e voltar
A: acho que você precisa se tornar visível, também vou fazer isso.
8 minutos
eu: oi
A: espera um pouco, eu estou te vendo já...faz cara de quem está sendo filmada...você esta me vendo?
eu: : P
A: não sei pq não está funcionando...eu tb estou te ouvindo, você acabou de falar ai, ai
eu: to nervosa de me ver aqui
A: que lindo sorriso...não sei o que está acontecendo.
eu: vc quer tentar me convidar p vê se rola?
A: não sei o que posso fazer mais...
3 minutos
eu: não te ouço, só vejo
A: eu te ouço...te vejo...
Que inferno! Que difícil! Acredito na proximidade. No olhar que olha a câmera e também vê a mim. Os olhos, a boca, a pele...Sem cheiro, sem gosto, sem calor, sem aquilo que vibra. A vida. Meus outros sentidos me confundem. Acredito sem experimentar a presença em sua completude. A presença da tela só me traz a ausência.
Aline Gama
26.7.09
Domingo
Meu corpo acorda, eu não. Ouço do distante mundo humano.
- O que vamos fazer hoje?
- Ã... fazer hoje, por quê?
Já estou sendo acordada pelos meus olhos que insistem em abrir sem que ninguém esteja ao meu lado. Saco! (repetição sobre o mesmo tema)
- Então, eu tô terminando de ler o jornal.
- Hum, e?
- Vou passear, você não quer vir comigo?
- Hum, acho que não...
- Poxa, vamos! O dia tá bonito! Vamos fazer alguma coisa?!
- Mas por que EU tenho que fazer alguma coisa?
- Porque todo mundo faz, ué?!
- Então, posso fazer o que estou fazendo?
- Mas, você não tá fazendo nada.
- Tô sim! Minhas células estão fazendo respiração celular com o ar que eu respiro, se reproduzindo e se renovando a partir das vitaminas e sais minerais daquilo que digeri, meus neurônios estão fazendo sinapses enquanto escrevo, risco, converso com você. Tô funcionando em stand by. (risos)
- Para com isso, você tá deprimida?
- Por quê? Por não querer fazer nada?
- É... Eu, hein, nunca te vi assim!
- Essa mania de ter que fazer alguma coisa sempre... Tá tudo bem! O dia de domingo no Rio tem um silêncio. Tem menos carros na rua, menos música, menos gente, só quero ficar assim como o dia, pode ser?
- Pode...Qualquer coisa, liga para o meu celular.
- Ok..."Despreocupa-se e pensa no essencial".
- O que vamos fazer hoje?
- Ã... fazer hoje, por quê?
Já estou sendo acordada pelos meus olhos que insistem em abrir sem que ninguém esteja ao meu lado. Saco! (repetição sobre o mesmo tema)
- Então, eu tô terminando de ler o jornal.
- Hum, e?
- Vou passear, você não quer vir comigo?
- Hum, acho que não...
- Poxa, vamos! O dia tá bonito! Vamos fazer alguma coisa?!
- Mas por que EU tenho que fazer alguma coisa?
- Porque todo mundo faz, ué?!
- Então, posso fazer o que estou fazendo?
- Mas, você não tá fazendo nada.
- Tô sim! Minhas células estão fazendo respiração celular com o ar que eu respiro, se reproduzindo e se renovando a partir das vitaminas e sais minerais daquilo que digeri, meus neurônios estão fazendo sinapses enquanto escrevo, risco, converso com você. Tô funcionando em stand by. (risos)
- Para com isso, você tá deprimida?
- Por quê? Por não querer fazer nada?
- É... Eu, hein, nunca te vi assim!
- Essa mania de ter que fazer alguma coisa sempre... Tá tudo bem! O dia de domingo no Rio tem um silêncio. Tem menos carros na rua, menos música, menos gente, só quero ficar assim como o dia, pode ser?
- Pode...Qualquer coisa, liga para o meu celular.
- Ok..."Despreocupa-se e pensa no essencial".
25.7.09
20.7.09
O ser CARIOCA
Carioca não diz sim, fala JÁ É!;
Carioca não briga, CAI NA PORRADA;
Carioca não entende, SE LIGA;
Carioca não entra, INAVADE;
Carioca não pede, IMPÕE;
Carioca não reclama, PROTESTA;
Carioca não mente, MANDA UM CAÔ;
Carioca não fala oi, fala COÉ;
Carioca não fala vai, fala METE O PÉ ou VAZA.
Carioca não pede desculpas, diz FOI MAL;
Carioca não diz obrigado, diz VALEU;
Carioca não passeia, DÁ UM ROLÉ;
Carioca não fala meu, fala MANÉ;
Carioca não fala tá me tirando, mano?, fala TÁ DE SACANAGEM, NÉ?!
Carioca jamais é mano, é sempre MERMÃO!
Carioca não ouve música, ESCUTA UM SOM;
Carioca não atende o celular dizendo alo, e sim dizendo FALA AÊ;
Carioca não dá idéia, MANDA UMA REAL!
Carioca não fica chateado, fica BOLADO!
Carioca não pergunta o que aconteceu?, mas QUAL FOI?
Carioca não conversa, DESENROLA;
Carioca não sai escondido, DÁ UM PERDIDO;
Carioca num pede por favor, fala NA MORAL;
Carioca não tem mano, tem PARCEIRO, BROTHER, FIEL, BRAÇO;
Carioca não aparece, ELE BOTA A CARA!
Carioca não é marrento, é CARIOCA!
Carioca não usa tênis, vai de HAVAIANAS!
Carioca não fala tá certo, fala TÁ TRANQUILO!;
Carioca não fala deixa comigo, fala TAMO JUNTO E MISTURADO!
Carioca não ama, SE APAIXONA;
Carioca não pensa, FAZ E PRONTO, se der merda, deu!
Ctrl+c, Ctrl+v e Del de e-mail sem autor.
Aline Gama
Carioca não briga, CAI NA PORRADA;
Carioca não entende, SE LIGA;
Carioca não entra, INAVADE;
Carioca não pede, IMPÕE;
Carioca não reclama, PROTESTA;
Carioca não mente, MANDA UM CAÔ;
Carioca não fala oi, fala COÉ;
Carioca não fala vai, fala METE O PÉ ou VAZA.
Carioca não pede desculpas, diz FOI MAL;
Carioca não diz obrigado, diz VALEU;
Carioca não passeia, DÁ UM ROLÉ;
Carioca não fala meu, fala MANÉ;
Carioca não fala tá me tirando, mano?, fala TÁ DE SACANAGEM, NÉ?!
Carioca jamais é mano, é sempre MERMÃO!
Carioca não ouve música, ESCUTA UM SOM;
Carioca não atende o celular dizendo alo, e sim dizendo FALA AÊ;
Carioca não dá idéia, MANDA UMA REAL!
Carioca não fica chateado, fica BOLADO!
Carioca não pergunta o que aconteceu?, mas QUAL FOI?
Carioca não conversa, DESENROLA;
Carioca não sai escondido, DÁ UM PERDIDO;
Carioca num pede por favor, fala NA MORAL;
Carioca não tem mano, tem PARCEIRO, BROTHER, FIEL, BRAÇO;
Carioca não aparece, ELE BOTA A CARA!
Carioca não é marrento, é CARIOCA!
Carioca não usa tênis, vai de HAVAIANAS!
Carioca não fala tá certo, fala TÁ TRANQUILO!;
Carioca não fala deixa comigo, fala TAMO JUNTO E MISTURADO!
Carioca não ama, SE APAIXONA;
Carioca não pensa, FAZ E PRONTO, se der merda, deu!
Ctrl+c, Ctrl+v e Del de e-mail sem autor.
Aline Gama
14.7.09
No Parque Lage
Ela fica de frente para gruta e é assim: grande e linda. O difícil foi enquadrá-la no celular.
Para saber mais sobre o Parque Lage, clique aqui Escola de Artes Visuais ou aqui História .
Aline Gama
12.7.09
Entreouvido por mim*
- Você já sabe o que quer ser quando crescer Teozinho?
- Sei, sim, vovó. Quer ser motorista e passear pelo mundo.
- Mas você não quer ser engenheiro, médico, dentista?
- Não quero passear.
- São profissões tão bonitas, meu filho. Você pode passear nas férias! Pensa nisso!? Pensa que até você crescer você pode escolher outra profissão.
- É, pode ser. Eu só sei vovó que não quero ser Senador. Você e papai tem falado muito mal de Senador, vovó. Não deve ser bom ser Senador, né?
Em uma clínica de fisioterapia em Copacabana, a avó achando graça conta a fisioterapeuta.
--- - - - - -
- Ele é o homem da minha vida. Tá foda! To completamente entregue...
- Ah, que bom! Legal vocês terem se encontrado e resolvido morar junto.
- Sabe, tenho até medo dessa felicidade toda. Tenho um medo enorme do sonho acabar.
- Se acabar, você passa em outra padaria e compra mais.
Quase amigas conversam em uma mesa de bar em Ipanema.
--- - - - - -
- Moça, dá licença? Você quer comprar vassoura? Te faço um desconto.
- Quero não moço, obrigada!
- Mas moça, essas vassouras são boas. Você...
- Moço, eu só uso vassoura para voar! Ra, ra, ra
- Que isso moça?! Fala isso, não!!! Re, re, re
Moça ao sair de um prédio na Tijuca, sendo seguida pelo vendedor.
Aline Gama
* plágio de título do "Entreouvido por aí" da Revista O Globo.
- Sei, sim, vovó. Quer ser motorista e passear pelo mundo.
- Mas você não quer ser engenheiro, médico, dentista?
- Não quero passear.
- São profissões tão bonitas, meu filho. Você pode passear nas férias! Pensa nisso!? Pensa que até você crescer você pode escolher outra profissão.
- É, pode ser. Eu só sei vovó que não quero ser Senador. Você e papai tem falado muito mal de Senador, vovó. Não deve ser bom ser Senador, né?
Em uma clínica de fisioterapia em Copacabana, a avó achando graça conta a fisioterapeuta.
--- - - - - -
- Ele é o homem da minha vida. Tá foda! To completamente entregue...
- Ah, que bom! Legal vocês terem se encontrado e resolvido morar junto.
- Sabe, tenho até medo dessa felicidade toda. Tenho um medo enorme do sonho acabar.
- Se acabar, você passa em outra padaria e compra mais.
Quase amigas conversam em uma mesa de bar em Ipanema.
--- - - - - -
- Moça, dá licença? Você quer comprar vassoura? Te faço um desconto.
- Quero não moço, obrigada!
- Mas moça, essas vassouras são boas. Você...
- Moço, eu só uso vassoura para voar! Ra, ra, ra
- Que isso moça?! Fala isso, não!!! Re, re, re
Moça ao sair de um prédio na Tijuca, sendo seguida pelo vendedor.
Aline Gama
* plágio de título do "Entreouvido por aí" da Revista O Globo.
5.7.09
Receita de inverno
Sol: ali no cantinho da janela, na cadeira perto da porta ou entre as árvores, de tarde ou de manhã, com livros, jornais ou nada na mão, me coloco sob sua luz e aprecio a beleza do azul até ela me aquecer. Estou viciada e agora?! Leste e oeste são distâncias menores na Cidade Maravilhosa. É preciso navegar para sobreviver.
Banho: tiro a roupa e começo a tremer. É mais forte que eu! Bebida com gelo, você e a temperatura do inverno fazem meu corpo balançar. Embaixo da água, caindo quente sobre o pescoço, mesmo só, desejo que o tempo pare.
Vinho: com uma garrafa na mão, a espera por você é o momento mais frio do inverno. Duas taças sobre a mesa de centro, o delicioso barulho da rolha saindo e o vinho que vem da sua boca para minha é da melhor safra.
Sopa: em uma noite de frio, depois de um lançamento, sentamos com amigos para beber, falar mais mal que bem da vida e comer. Coincidentemente, o caldo verde para nós dois chega e nele a carne que no prato não é o meu forte. Dou para você meus pedaços pela primeira vez.
Filme: debaixo do edredom, comendo chocolate meio-amargo ao seu lado, Ettore Scola, Woody Allen e muitos outros com frases, ângulos, luzes, cortes e cores preenchem a estação. No clímax seu sorriso, sua lágrima, sua respiração profunda e tudo começa quando termina. Seu pé encontra o meu, quebramos o silêncio com um olhar e a distância com um abraço.
Aline Gama
foto roubada e editada, logo, minha.
Banho: tiro a roupa e começo a tremer. É mais forte que eu! Bebida com gelo, você e a temperatura do inverno fazem meu corpo balançar. Embaixo da água, caindo quente sobre o pescoço, mesmo só, desejo que o tempo pare.
Vinho: com uma garrafa na mão, a espera por você é o momento mais frio do inverno. Duas taças sobre a mesa de centro, o delicioso barulho da rolha saindo e o vinho que vem da sua boca para minha é da melhor safra.
Sopa: em uma noite de frio, depois de um lançamento, sentamos com amigos para beber, falar mais mal que bem da vida e comer. Coincidentemente, o caldo verde para nós dois chega e nele a carne que no prato não é o meu forte. Dou para você meus pedaços pela primeira vez.
Filme: debaixo do edredom, comendo chocolate meio-amargo ao seu lado, Ettore Scola, Woody Allen e muitos outros com frases, ângulos, luzes, cortes e cores preenchem a estação. No clímax seu sorriso, sua lágrima, sua respiração profunda e tudo começa quando termina. Seu pé encontra o meu, quebramos o silêncio com um olhar e a distância com um abraço.
Aline Gama
foto roubada e editada, logo, minha.
28.6.09
Rio, junk food
Levanto, aperto a campainha e ando para descer do ônibus que faz a curva, freia, para e abre a porta. No caminho entre levantar e descer, vejo perto de um poste de luz, apagado, um grupo de pessoas mexendo naqueles sacos pretos de lixo. São 23h41, mostra o visor do meu celular antes d’eu sair do ônibus. Penso: meu Deus, vou morrer!!! Fecho o casaco, como se me protegesse. Continuo? Sigo? Para onde e por que? Vou ser assaltada, estuprada, devorada! O que eles estão fazendo ali essa hora?
Lembro: estão na calçada onde existem três restaurantes. Um japonês, uma pastelaria chinesa e um McDonalds que já fecharam suas portas, trancaram suas grades e ligaram seus alarmes.
Atravesso e acelero meus passos.
A busca daquelas pessoas abaixadas, rasgando sacos pretos de lixo, é por comida. Não é uma tribo de esfomeados da Etiópia, não são as famílias do distante nordeste brasileiro e muito menos marcianos verdes abduzidos para o planeta Terra em plena Cidade Partida. Estão na minha passagem e são daqui!!!
Meu estomago embrulha. Me sinto menor do que um grão de ervilha. Revejo meus desejos, sonhos, conceitos e caminhos.
O que eu estou fazendo aqui essa hora? Qual era mesmo a festa que me divertia e da qual eu vinha???
Quero chorar e não consigo. Quero parar. Quero não ver o que me dói. Corro de mim mesma. Quero dormir para poder sonhar! Quero um carro para poder subir os vidros, ligar o ar condicionado no calor, aumentar a música e cantar bem alto para ninguém ouvir...
Aline Gama para J.C.R.
Lembro: estão na calçada onde existem três restaurantes. Um japonês, uma pastelaria chinesa e um McDonalds que já fecharam suas portas, trancaram suas grades e ligaram seus alarmes.
Atravesso e acelero meus passos.
A busca daquelas pessoas abaixadas, rasgando sacos pretos de lixo, é por comida. Não é uma tribo de esfomeados da Etiópia, não são as famílias do distante nordeste brasileiro e muito menos marcianos verdes abduzidos para o planeta Terra em plena Cidade Partida. Estão na minha passagem e são daqui!!!
Meu estomago embrulha. Me sinto menor do que um grão de ervilha. Revejo meus desejos, sonhos, conceitos e caminhos.
O que eu estou fazendo aqui essa hora? Qual era mesmo a festa que me divertia e da qual eu vinha???
Quero chorar e não consigo. Quero parar. Quero não ver o que me dói. Corro de mim mesma. Quero dormir para poder sonhar! Quero um carro para poder subir os vidros, ligar o ar condicionado no calor, aumentar a música e cantar bem alto para ninguém ouvir...
Aline Gama para J.C.R.
24.6.09
22.6.09
Tempo, tempo, tempo...
"Boa tarde", digo. "Bom dia", recebo. "Já almocei", rio. O sol não levantou. Eu já. Atravessa rápido minha janela e mesa. Esquenta pouco. Vivemos sobre incipiente eixo do inverno. Leio, escrevo e almoço. Às 14h32 para de deixar os livros, os papéis e o note mornos e dourados.
Vejo futebol no intervalo. 90 minutos passam rápido para ver o time jogar mal e insuportavelmente devagar com o barulho de cornetas. Aqui não relativizo, entendo ou acho interessante habitus alheio. Acho um saco, penso em como será a Copa do Mundo na Africa do Sul, aperto o muting e ponto.
Chego tarde e cansada. Ocupada, respondo e-mails. Checo tarefas. Ao lado do seu nome o verde. Disponível. O chá quente desce atravessado. Tenho mais perguntas que respostas. Sono. Fecho windows!? Duvido e aposto. Tenho insônia, palpitações e silêncios. Sinto, sinto e escrevo.
Cedo demais para encontrar você. Ainda tremo ao te ver entrar. Resmungo. Mau-humor. O silêncio e a ausência. Sem cheiro, gosto, temperatura e música. Só a do meu coração só. Caixas e caixas de chocolate. Nada ajuda o ponteiro dos dias a andar depressa.
Aline Gama
Vejo futebol no intervalo. 90 minutos passam rápido para ver o time jogar mal e insuportavelmente devagar com o barulho de cornetas. Aqui não relativizo, entendo ou acho interessante habitus alheio. Acho um saco, penso em como será a Copa do Mundo na Africa do Sul, aperto o muting e ponto.
Chego tarde e cansada. Ocupada, respondo e-mails. Checo tarefas. Ao lado do seu nome o verde. Disponível. O chá quente desce atravessado. Tenho mais perguntas que respostas. Sono. Fecho windows!? Duvido e aposto. Tenho insônia, palpitações e silêncios. Sinto, sinto e escrevo.
Cedo demais para encontrar você. Ainda tremo ao te ver entrar. Resmungo. Mau-humor. O silêncio e a ausência. Sem cheiro, gosto, temperatura e música. Só a do meu coração só. Caixas e caixas de chocolate. Nada ajuda o ponteiro dos dias a andar depressa.
Aline Gama
18.6.09
Azul-violeta, uma homenagem
Com um pincel na mão, a pele branca, os olhos claros e o cabelo avermelhado em um pouco do azul pingou o vermelho. Fez o índigo. O sol não mais esquentou o vento frio do outono, que soprou. As cerdas do pincel esbarraram no canto do índigo e uma linha vermelha escorreu pela borda, adentrou o azul e misturou-se. Azul-violeta.
E não deveria ser assim.
E eu pediria: não faça, posso me apaixonar!
Em um trabalho sobre Ianelli para graduação, em 1998, escrevi: "A cor liberta-o da objetividade e da razão, instrumento anímico, subjetivo, intimista ou, como em seus trabalhos atuais, instrumento de expansão do Eros. A linha funciona como uma imposição de ordem e aprisionamento da forma".
Aline Gama
Sem título, 1993. Óleo sobre tela. Arcangelo Ianelli (SP, 18.07.1922 — SP, 26.05.2009).
10.6.09
7.6.09
Ela só quer
Escolhe aquela mesa, a do canto. Sem o calor do corpo ao lado, ela gosta das almofadas, travesseiros, paredes e cantos. Ele senta em frente a ela, escolhe o prato e o vinho. Apoia os braços sobre a mesa, cruza as mãos como se fosse brincar de rodar em movimento de espera ou de abaixar os polegares sozinho. Não faz.
Faz afirmações, negações e perguntas que se entrecruzam as afirmações, suspiros, perguntas e silêncios dela. O vinho chega, a mão esquerda desce da mesa e a direita roda a taça, leva a boca, prova e acena com a cabeça. O vinho está bom. A esquerda sobe, reencontra a direita e se cruzam.
“Uma vez estava no Centro do Rio, na inauguração de um bar de um amigo e vi o Theo indo em direção à porta”. “Hum”. Levanta as sobrancelhas. O dedo indicador direito da moça, implicante, se enfia entre os dedos cruzados das mãos dele. “Faz pouco tempo?”; “Não, ele tinha três anos, agora tem sete”. O prato, talharim com camarão, chega em uma frigideira fervendo e é divido em dois. Ela preferia que fosse dividido à garfadas até encontrarem o fio em comum como no desenho. As taças esvaziam, a conversa roda e os talheres são levados a boca. “Hum”; “bom”; “adoro esse prato”; “delicioso”. As taças enchem, o talharim acaba, esvaziam o vinho.
“Deixei o Theo sair e fui atrás, ele caminhou na calçada. Virou a primeira esquina, a segunda, dez passos, puxei ele pelo braço e levei de volta pro bar, muito irritado”. Os dedos cruzados das mãos dele apertam o indicador da moça. “Disse a ele: Theo, você podia ter se machucado. Não faz mais isso! Você podia nunca mais ver o papai, a mamãe e seus amigos. Você sabe que o maior medo do papai é perder você!”; "Com apenas três anos, ele fala:"
- Nós temos que enfrentar nossos medos!!!
Tempo depois, as mãos ainda estão cruzadas, os braços se apoiam na pesquisa, na coordenação, no evento, na viagem e no Theo. O dedo indicador dela em vão continua a se enfiar entre os dedos entrelaçados dele. Entre o corpo e o coração dele, que se fecha para ela pelas as mãos, está o medo e o vazio, que a moça quer preencher.
Aline Gama
Vale ver e ouvir Marisa Monte indecentemente cantando.
Faz afirmações, negações e perguntas que se entrecruzam as afirmações, suspiros, perguntas e silêncios dela. O vinho chega, a mão esquerda desce da mesa e a direita roda a taça, leva a boca, prova e acena com a cabeça. O vinho está bom. A esquerda sobe, reencontra a direita e se cruzam.
“Uma vez estava no Centro do Rio, na inauguração de um bar de um amigo e vi o Theo indo em direção à porta”. “Hum”. Levanta as sobrancelhas. O dedo indicador direito da moça, implicante, se enfia entre os dedos cruzados das mãos dele. “Faz pouco tempo?”; “Não, ele tinha três anos, agora tem sete”. O prato, talharim com camarão, chega em uma frigideira fervendo e é divido em dois. Ela preferia que fosse dividido à garfadas até encontrarem o fio em comum como no desenho. As taças esvaziam, a conversa roda e os talheres são levados a boca. “Hum”; “bom”; “adoro esse prato”; “delicioso”. As taças enchem, o talharim acaba, esvaziam o vinho.
“Deixei o Theo sair e fui atrás, ele caminhou na calçada. Virou a primeira esquina, a segunda, dez passos, puxei ele pelo braço e levei de volta pro bar, muito irritado”. Os dedos cruzados das mãos dele apertam o indicador da moça. “Disse a ele: Theo, você podia ter se machucado. Não faz mais isso! Você podia nunca mais ver o papai, a mamãe e seus amigos. Você sabe que o maior medo do papai é perder você!”; "Com apenas três anos, ele fala:"
- Nós temos que enfrentar nossos medos!!!
Tempo depois, as mãos ainda estão cruzadas, os braços se apoiam na pesquisa, na coordenação, no evento, na viagem e no Theo. O dedo indicador dela em vão continua a se enfiar entre os dedos entrelaçados dele. Entre o corpo e o coração dele, que se fecha para ela pelas as mãos, está o medo e o vazio, que a moça quer preencher.
Aline Gama
Vale ver e ouvir Marisa Monte indecentemente cantando.
Mãos
Sinto calor e na cidade é frio. Sinto frio. Você não está. A planilha de Excell, os dois arquivos de Word, o EndNote, o PowerDVD, o filme, o artigo, a mostra e só quero que o Gtalk faça barulho e seja você in azul.
Não quero distância, feriado, tempo, trabalho, telefonemas, e-mails e desejos não respondidos. Finais, felizes ou não, não são para mim. Eros que virou Philia que virou Ágape...Assim te espero. Vou sentir falta de me encaixar no seu colo, do cheiro do seu suor, dos seus olhos, das brotoejas e pintas.
Vivo a sofrer pelos meus começos que hoje são muitos. O vermelho e o verde; o azul, o vermelho e os pratas; o verde e o amarelo. O tempo de cada um, o meu inevitável silêncio, o momento possível da troca, a dor dos primeiros nãos, a felicidade dos primeiros sins até que cada dedo se cruze e as palmas se encontrem para caminhar junto.
Aline Gama
Foto da Gávea roubada da Tereza Xavier
31.5.09
Silêncio por favor
Antes de ler, clique aqui, veja e ouça.
Levanto da cama, meu coração pulsa 43bpm. Faço e tomo café com pão, manteiga, queijo e mel. Chuveiro, roupas coloridas, acessórios e na bolsa o Sagrado que se mistura ao profano. A roupa branca, o lenço azul, o colar de cristais, o escudo e a apostila. O caderno, as folhas em branco, a carteira de dinheiro, o celular, os fones e os textos. Em 112 bpm, caminho rezando e pedindo proteção, troco as cores sobre a pele pelo branco e até as sete e meia chego na sala.
Leio com eles o texto, olho o relógio, converso, confesso, os ponteiros caminham e aprendo mais do que ensino. Troco o branco sobre a pele pelas cores, fone no ouvido e risco o meio fio com os meus passos apressados em 135bpm. Não há outro meio mais rápido. O táxi dá voltas e fica preso no trânsito, o ônibus não chega e o metro meu pés não alcançam. Não sou inglesa, mas no primeiro mês chegava no meio das frases e dos gestos.
Entro e sento antes. Espero. Garrafa e copo laranja, cores sobre a pele, azul céu sob a água dos olhos, em uma mão o vermelho, na outra os pratas. Ouço e sinto e vejo o motivo da escolha de um autor depois do outro. Entre uma narrativa e outra, conta histórias, cita filmes, anota falas, perguntas e reclamações. Em 80 bpm, o vermelho, o profundo azul, os pratas me silenciam. Aprecio o tom e as cores, desato uns nós e refaço outros. São duas as autorias, a do texto e a da fala que me cala.
Sem querer e sem acreditar no acaso: “E aqueles que vivem a angustia da vida acadêmica e da vida religiosa?” Abaixo a cabeça, coração em suspensão, levo os dedos a testa, no ponto do terceiro olho e fecho os outros dois. “...que passam por iniciações, não podem se revelar e sofrem com as contradições...”. Não acredito no que ouço, mas escuto com espanto. “Eles também são complexos como nós, que vamos ao homeopata e a acupuntura, usamos alopatia e vamos ao pai de santo...” Levanto a cabeça, abro os olhos em lágrimas e sinto com se nua estivesse – respiro - como se tivesse atravessado a mesa – respiro - para ser em palavras e gestos do vermelho, dos pratas e do azul descrita em meias-verdades.
Aline Gama
Levanto da cama, meu coração pulsa 43bpm. Faço e tomo café com pão, manteiga, queijo e mel. Chuveiro, roupas coloridas, acessórios e na bolsa o Sagrado que se mistura ao profano. A roupa branca, o lenço azul, o colar de cristais, o escudo e a apostila. O caderno, as folhas em branco, a carteira de dinheiro, o celular, os fones e os textos. Em 112 bpm, caminho rezando e pedindo proteção, troco as cores sobre a pele pelo branco e até as sete e meia chego na sala.
Leio com eles o texto, olho o relógio, converso, confesso, os ponteiros caminham e aprendo mais do que ensino. Troco o branco sobre a pele pelas cores, fone no ouvido e risco o meio fio com os meus passos apressados em 135bpm. Não há outro meio mais rápido. O táxi dá voltas e fica preso no trânsito, o ônibus não chega e o metro meu pés não alcançam. Não sou inglesa, mas no primeiro mês chegava no meio das frases e dos gestos.
Entro e sento antes. Espero. Garrafa e copo laranja, cores sobre a pele, azul céu sob a água dos olhos, em uma mão o vermelho, na outra os pratas. Ouço e sinto e vejo o motivo da escolha de um autor depois do outro. Entre uma narrativa e outra, conta histórias, cita filmes, anota falas, perguntas e reclamações. Em 80 bpm, o vermelho, o profundo azul, os pratas me silenciam. Aprecio o tom e as cores, desato uns nós e refaço outros. São duas as autorias, a do texto e a da fala que me cala.
Sem querer e sem acreditar no acaso: “E aqueles que vivem a angustia da vida acadêmica e da vida religiosa?” Abaixo a cabeça, coração em suspensão, levo os dedos a testa, no ponto do terceiro olho e fecho os outros dois. “...que passam por iniciações, não podem se revelar e sofrem com as contradições...”. Não acredito no que ouço, mas escuto com espanto. “Eles também são complexos como nós, que vamos ao homeopata e a acupuntura, usamos alopatia e vamos ao pai de santo...” Levanto a cabeça, abro os olhos em lágrimas e sinto com se nua estivesse – respiro - como se tivesse atravessado a mesa – respiro - para ser em palavras e gestos do vermelho, dos pratas e do azul descrita em meias-verdades.
Aline Gama
25.5.09
A escuta ou observação não-participante
Caminho sem fones de ouvido, devagar, com uma mão no bolso, outra na pasta, bolsa tiracolo, pensando na vida... “É isso mesmo: eles sempre passam para pegar arrego!!!” “Lá aonde moro, na Mangueira, outro dia eu fiquei contando... passaram dez, você acredita? Passaram 10 carros de polícia para pegar dinheiro com os caras!” “ E você sabe que foi o governo que fez isso, não é?” “Não é mole, agora depois de tudo errado quem vai conseguir consertar?” “Não tem mais jeito, não!!!”
Penso e quase falo, moço deve ter um jeito sim! Acompanho o casal e a conversa.
“Outro dia eu estava conversando com uma amiga que dá aula...Ela falou que as meninas hoje só querem ser manequins.” “Na minha época eu e minhas amigas queríamos ser professoras, medicas, mães de família...Agora, as meninas começam a transar cedo e querem vida fácil.” “É, ninguém quer trabalhar nesse país!”
Quase falo, mas olho para quem são eles e sigo.
São quase nove horas da manhã. Ela é branca de cabelos pretos e baixinha. Veste bermuda de coton azul, top preto, blusa branca larga e tênis, se despede e vira para direita. Ele é negro, cabelos grisalhos e alto. Usa camisa de botão estampada, calça social bege, sapato marrom, manda lembranças a família dela e segue para esquerda.
Viro a esquerda, penso que o que vi e ouvi é um dos nossos jeitos e decoro as falas para escrever aqui.
Aline Gama
Penso e quase falo, moço deve ter um jeito sim! Acompanho o casal e a conversa.
“Outro dia eu estava conversando com uma amiga que dá aula...Ela falou que as meninas hoje só querem ser manequins.” “Na minha época eu e minhas amigas queríamos ser professoras, medicas, mães de família...Agora, as meninas começam a transar cedo e querem vida fácil.” “É, ninguém quer trabalhar nesse país!”
Quase falo, mas olho para quem são eles e sigo.
São quase nove horas da manhã. Ela é branca de cabelos pretos e baixinha. Veste bermuda de coton azul, top preto, blusa branca larga e tênis, se despede e vira para direita. Ele é negro, cabelos grisalhos e alto. Usa camisa de botão estampada, calça social bege, sapato marrom, manda lembranças a família dela e segue para esquerda.
Viro a esquerda, penso que o que vi e ouvi é um dos nossos jeitos e decoro as falas para escrever aqui.
Aline Gama
17.5.09
Em arquivos
Nos intervalos e momentos de descanso da pesquisa sobre a representação do Rio de Janeiro nos telejornais, navegava pela internet em arquivos iconográficos da cidade na Biblioteca Nacional, no Museu Histórico Nacional e no Museu da Imagem e do Som. Achava e acho que sempre é preciso conhecer outras perspectivas.
A cidade pulsa em pequenas verdades, muda tudo a cada momento e é a mesma a cada instante...A fotografia e a pintura trazem lugares, pessoas e detalhes do Rio que foi e que não precisa ser mais...
Augusto Malta é um dos grandes que me mostrou uma cidade não descrita pela literatura e pelos jornais da época. Foi preciso ver e rever, assim como navegar...As imagens, que revelam mais um Rio sobre o olhar do fotógrafo, despertaram em mim visões de novas cidades.
Aline Gama
Foto de divulgação do livro “Augusto Malta e o Rio de Janeiro - 1903-1936”, de George Ermakoff.
11.5.09
Da França para Baixada Fluminense
"De Gisèle Cossard Binon, cidadã francesa, mulher de diplomata, herdeira de uma mansão no Parc des Sceaux, nos arredores de Paris, branca de olhos azuis, nasceu Omindarewá, mãe-de-santo, dona de terreiro e moradora da Baixada Fluminense..."
Para ler o resto, clica aqui no Estadão
Para ler o resto, clica aqui no Estadão
10.5.09
Da janela
Do meu canto de trabalho, ouço o choro de uma criança ainda pequena. Um vizinho que chegou ao mundo há mais ou menos um ano. Em alguma janela de madeira ou alumínio com cortinas ou persianas, por detrás de alguma parede bege, branca ou de ladrilhos, o choro cresceu.
Quando estava entretida entre palavras, imagens e referências que devia escolher para escrever a dissertação, a apresentação e o contato com a banca de defesa no início de zero oito, o choro, que era fino e estridente, vinha de um recém-nascido. Ao lado do choro, imaginava a voz de uma mãe que em plena madrugada tentava compreender seu filho. “Eu estou aqui!”; “O que você tem?”; “Eu sei que doi viver”; “Eu estou aqui!”...Colo, imagens em preto e branco ainda difusas, coração batendo perto do ouvido, leite vindo do peito e silêncio.
O choro vizinho com o passar dos meses ganhou outro tom, mais encorpado e grave, menos freqüente e demorado. Em zero nove, não há choro todos os dias, mas o reconheço como um vizinho achegado sem nunca tê-lo visto. Seu choro nos aproxima, ainda tenho que decidir palavras, imagens e referências. Intimamente, desejo sentir um choro meu, olhando e desejando a mim.
Imagino, agora, um tombo, uma birra, um biquinho de quem faz charme para conseguir o que quer e, pronto, chora e desperta meus instintos...Mais uma vez, colo, imagens coloridas, coração batendo perto do ouvido, objeto do choro conquistado e o silêncio que nos une.
Aline Gama
Foto minha do meu canto
4.5.09
O Sagrado no futebol - A Torcida
Segundo tempo, os jogadores do Flamengo até chegam na grande área com bola, olham para o lado, procuram, simplesmente não há o cara que vai chutar a bola para dentro do gol. Não há um artilheiro. Enquanto isso, o Botafogo tenta entrar com bola e tudo até conseguir o empate.
A torcida do Flamengo, que ocupa quase todo o estádio, se abraça, reza junto, xinga e canta, gritando. No pênalti ou na falta contra, coloca a mão no coração, beija o escudo, fecha os olhos e reza. São algumas mil pessoas em uma só vibração. O time não chega, mas a torcida está lá.
É mais do que um jogador em campo. É uma barreira no gol de Bruno. É o artilheiro que não foi contratado. É a zaga que rouba a bola. Homens, mulheres e crianças na Raça, na Urubuzada, na Flamanguaça e na Torcida Jovem que fazem do time Tricampeão do Carioca.
A foto é da minha amiga Bianca Teixeira, de 25.05.2009.
Aqui tem o link para o Cadê você? cadê você?
Aline Gama
27.4.09
O Sagrado no futebol
Passa pela roleta, beija o ingresso e o escudo da camisa. Sobe a rampa rezando o Pai Nosso e pára para brigar com a estátua do jogador do time adversário: “ta pensando o que? seu time não vai ganhar, não!”. Dá uns tapas na escultura de bronze e cospe na estátua que é apenas a imagem do rosto de Mané Garrincha. Caminha em direção a arquibancada expressando toda a sua raiva. Antes do fim da rampa de acesso a arquibancada, pára, faz mais uma prece e entra com o pé direito para olhar o campo.
Na primeira falta, fala para si mesmo “puta que pariu, esqueci!!!”. Puxa a carteira do bolso e tira do compartimento destinado a cartões de crédito, imagens de São Jorge, Santa Rita de Cássia, Santo Expedito, Nossa Senhora da Aparecida, Jesus Cristo, Nossa Senhora de Fátima e São Judas Tadeu.
O juiz marca o ponto da bola e conversa com o jogador. Ele beija cada uma das imagens e pede ajuda. O juiz caminha e marca a linha da barreira. Ele abre todos em forma de leque com uma mão, apontando as imagens dos santos para o gramado, vira cabeça em direção a torcida para não ver e pressiona os olhos com os dedos da outra mão e reza. O juiz apita, a barreira levanta, a bola passa por baixo e entra no gol. Ele xinga, pula de raiva e olha para os santos, beija cada um e grita, olhando para as imagens “vamos lá, caralho!!!”
Antes de virar de novo os santos para o gramado, me mostra “esse foi o último que ganhei!”. A imagem é de São Judas Tadeu. “Ele é que vai ajudar o Mengão, hoje!”. Segura firmemente todos os santos virados para o campo durante todo o jogo. A cada falta contra o Flamengo, beija São Jorge, Santa Rita de Cássia, Santo Expedito, Nossa Senhora da Aparecida, Jesus Cristo, Nossa Senhora de Fátima e São Judas Tadeu. Confia a eles a jogada e reza sem ver. O jogo termina. “Esqueci dos Santos. Eu não posso esquecer!!! Você tem que me lembrar. Se eles tivessem visto o jogo desde o início, não tínhamos empatado”.
Aline Gama
Na primeira falta, fala para si mesmo “puta que pariu, esqueci!!!”. Puxa a carteira do bolso e tira do compartimento destinado a cartões de crédito, imagens de São Jorge, Santa Rita de Cássia, Santo Expedito, Nossa Senhora da Aparecida, Jesus Cristo, Nossa Senhora de Fátima e São Judas Tadeu.
O juiz marca o ponto da bola e conversa com o jogador. Ele beija cada uma das imagens e pede ajuda. O juiz caminha e marca a linha da barreira. Ele abre todos em forma de leque com uma mão, apontando as imagens dos santos para o gramado, vira cabeça em direção a torcida para não ver e pressiona os olhos com os dedos da outra mão e reza. O juiz apita, a barreira levanta, a bola passa por baixo e entra no gol. Ele xinga, pula de raiva e olha para os santos, beija cada um e grita, olhando para as imagens “vamos lá, caralho!!!”
Antes de virar de novo os santos para o gramado, me mostra “esse foi o último que ganhei!”. A imagem é de São Judas Tadeu. “Ele é que vai ajudar o Mengão, hoje!”. Segura firmemente todos os santos virados para o campo durante todo o jogo. A cada falta contra o Flamengo, beija São Jorge, Santa Rita de Cássia, Santo Expedito, Nossa Senhora da Aparecida, Jesus Cristo, Nossa Senhora de Fátima e São Judas Tadeu. Confia a eles a jogada e reza sem ver. O jogo termina. “Esqueci dos Santos. Eu não posso esquecer!!! Você tem que me lembrar. Se eles tivessem visto o jogo desde o início, não tínhamos empatado”.
Aline Gama
22.4.09
Tenho medo da tromba d'água
20.4.09
Página de um diário
Fim de um dia de sol e calor, estou entre um grupo de amigos dos mais diversos lugares na praia de Ipanema. Ao todo somos mais ou menos 15 pessoas entre 20 e poucos e 30 anos. Uma estudou comigo desde o colégio, outra é mais amiga dessa amiga, mas estudamos juntas na mesma faculdade. Alguns dos outros, homens e mulheres, são meus vizinhos desde os 7 anos de idade. Os demais são namoradas, namorados e amigos de amigos.
O sol daqui a pouco vai se pôr e alguns vão aplaudir. Deus sabe o porquê do pôr-do-sol ser aplaudido. Alguém antecipa o que virá depois, porque hoje é sábado: “então, o que vocês vão fazer mais tarde?”; “tenho um jantar de aniversário de uma amiga e não posso levar ninguém”; “eu vou dormir, tive uma festa ontem e estou cansada”; “compramos ingresso para um show, vocês querem ir?”; “onde?”; “que horas”; “quanto?”; “nos falamos mais tarde...”.
Acontecem os aplausos e o tempo esfria. Todos fazem movimentos de saída. Ele veste a bermuda, outro coloca a camisa, ela deixa cair o vestido, a outra se aperta no short, todos calçam chinelos de dedo e andam em direção a dona da barraca que chama-se Dilma. Na barraca da Dilma trabalha uma equipe que veste literalmente a mesma camisa: uma menina, que não lembro o nome, Bruno e Rodrigo, todos jovens. Ela aluga cadeiras e guarda-sóis, vende água com/sem gás e de coco, refrigerantes, cerveja e biscoito O Globo. A equipe traz os pedidos e leva os produtos. No final, quem consumiu paga para Dilma que cumprimenta os fregueses, atende, anota tudo em seu caderno, erra algumas coisas, mas confia em nós.
Entre a saída da praia e a entrada da noite que é de sábado, o tempo é curto. Um banho, um almoço que pelo horário é jantar e a sesta de no máximo uma hora com celulares e telefones desligados. Durante esses eventos, as conversas decidem que a noite será diante de um palco, com música brasileira, cantada por um negro que gosto muito.
Acordo e acho que não quero ir, mas devo. Combinei. Vai ser legal. É sábado. Ligo o som, como chocolate e acredito no ‘vou me divertir’. Vou com alguns dos amigos que estavam na praia. Lá, nós e mais 3 mil pessoas ficam diante do palco, bebem, fumam cigarro e maconha, cantam e dançam. Alguém pega na minha mão e eu pulo de susto. “Que isso?”. Olho para o dono da mão que segura a minha e sorri. “Eu só queria segurar na sua mão, pode?”. Fico sem graça e faço que sim com a cabeça. A música brasileira, cantada por um negro, continua. Minha outra mão segura uma bebida que acaba e é levada pelo garçom. O dono da mão, que segura uma das minhas, usa a outra mão e me tira para dançar. Olho para os meus amigos e meu corpo é levado pela dança porque hoje é sábado.
Aline Gama
O sol daqui a pouco vai se pôr e alguns vão aplaudir. Deus sabe o porquê do pôr-do-sol ser aplaudido. Alguém antecipa o que virá depois, porque hoje é sábado: “então, o que vocês vão fazer mais tarde?”; “tenho um jantar de aniversário de uma amiga e não posso levar ninguém”; “eu vou dormir, tive uma festa ontem e estou cansada”; “compramos ingresso para um show, vocês querem ir?”; “onde?”; “que horas”; “quanto?”; “nos falamos mais tarde...”.
Acontecem os aplausos e o tempo esfria. Todos fazem movimentos de saída. Ele veste a bermuda, outro coloca a camisa, ela deixa cair o vestido, a outra se aperta no short, todos calçam chinelos de dedo e andam em direção a dona da barraca que chama-se Dilma. Na barraca da Dilma trabalha uma equipe que veste literalmente a mesma camisa: uma menina, que não lembro o nome, Bruno e Rodrigo, todos jovens. Ela aluga cadeiras e guarda-sóis, vende água com/sem gás e de coco, refrigerantes, cerveja e biscoito O Globo. A equipe traz os pedidos e leva os produtos. No final, quem consumiu paga para Dilma que cumprimenta os fregueses, atende, anota tudo em seu caderno, erra algumas coisas, mas confia em nós.
Entre a saída da praia e a entrada da noite que é de sábado, o tempo é curto. Um banho, um almoço que pelo horário é jantar e a sesta de no máximo uma hora com celulares e telefones desligados. Durante esses eventos, as conversas decidem que a noite será diante de um palco, com música brasileira, cantada por um negro que gosto muito.
Acordo e acho que não quero ir, mas devo. Combinei. Vai ser legal. É sábado. Ligo o som, como chocolate e acredito no ‘vou me divertir’. Vou com alguns dos amigos que estavam na praia. Lá, nós e mais 3 mil pessoas ficam diante do palco, bebem, fumam cigarro e maconha, cantam e dançam. Alguém pega na minha mão e eu pulo de susto. “Que isso?”. Olho para o dono da mão que segura a minha e sorri. “Eu só queria segurar na sua mão, pode?”. Fico sem graça e faço que sim com a cabeça. A música brasileira, cantada por um negro, continua. Minha outra mão segura uma bebida que acaba e é levada pelo garçom. O dono da mão, que segura uma das minhas, usa a outra mão e me tira para dançar. Olho para os meus amigos e meu corpo é levado pela dança porque hoje é sábado.
Aline Gama
17.4.09
Raios de cidade
Diz o senso comum e eu acredito que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar.
O relógio da foto fica no Edifício da Central do Brasil no Centro do Rio. A foto é do Domingos Peixoto da Agência O Globo.
Aline Gama
13.4.09
Intertexto e a ideia
Quando criei esse espaço, só sabia que queria continuar escrevendo sobre o Rio de Janeiro e suas representações. Pensei muito em como e o que fazer com um blog. Uma delas foi a tentativa de ter um perfil acadêmico. Um editor de uma página de blogs de sociologia até me avaliou:
“It sounds like a great blog full of insights about life in Brazil today and our colleague. Both our Portuguese-speaking reviewer and all of us at Contexts encourage you to keep up the great work. However, for practical reasons, we don't think it would work as a Contexts blog. As you suggest, the language barrier would be a problem given the limited staff & resources we have here at Contexts”(Jon Smajda, Web Editor, Contexts Magazine).
A ideia se foi, mas eles continuam lendo como outras pessoas (agradeço a preferência). Acontece que, seguindo os cânones do carioca way of life, tendo a informalidade feliz da vida. Deu bobeira, sento, tomo uma cerveja, abraço, faço carinho, chamo de amigo, choro junto e sofro, nada que não acabe em um samba ou em mais uma rodada de chope. Permaneceu, assim, o desejo de ser imagens e relatos “sobre-vivências” sociais, psicológicas, espirituais e estéticas na cidade Maravilhosa & Partida.
No entanto, sempre achei que os blogs seriam uma ferramenta interessante para pesquisa ainda sem saber como, quando, onde e porque fazer. Aos poucos, outras pessoas falam e fazem. A última foi a genial ideia de uma grande amiga e escritora com o complete a frase. Diante de tantas formas de entrevista, observação participante e considerações precipitadas, Rosana Caiado mostra que há uma nova forma em um novo meio.
Aline Gama
“It sounds like a great blog full of insights about life in Brazil today and our colleague. Both our Portuguese-speaking reviewer and all of us at Contexts encourage you to keep up the great work. However, for practical reasons, we don't think it would work as a Contexts blog. As you suggest, the language barrier would be a problem given the limited staff & resources we have here at Contexts”(Jon Smajda, Web Editor, Contexts Magazine).
A ideia se foi, mas eles continuam lendo como outras pessoas (agradeço a preferência). Acontece que, seguindo os cânones do carioca way of life, tendo a informalidade feliz da vida. Deu bobeira, sento, tomo uma cerveja, abraço, faço carinho, chamo de amigo, choro junto e sofro, nada que não acabe em um samba ou em mais uma rodada de chope. Permaneceu, assim, o desejo de ser imagens e relatos “sobre-vivências” sociais, psicológicas, espirituais e estéticas na cidade Maravilhosa & Partida.
No entanto, sempre achei que os blogs seriam uma ferramenta interessante para pesquisa ainda sem saber como, quando, onde e porque fazer. Aos poucos, outras pessoas falam e fazem. A última foi a genial ideia de uma grande amiga e escritora com o complete a frase. Diante de tantas formas de entrevista, observação participante e considerações precipitadas, Rosana Caiado mostra que há uma nova forma em um novo meio.
Aline Gama
6.4.09
Com açúcar - meu mundo mágico
Pauso a leitura do difícil Tristeza da Doçura, do Marshall Sahlins, seguro o texto com uma mão e atendo o celular com a outra.
- Oi, Aline, é doutora Márcia. Você deixou um recado na minha secretária, o que aconteceu?
- Pois é, a cauterização química criou uma ferida que não quer fechar. É uma região sensível.
- É, eu sei. O que você tem em casa de pomada? Fibrase, algum cicatrizante...
- Hum, talvez fibra...- Já sei! Sabe aquele açúcar que você coloca no café?
- Açúcar do café? Hum...Sei...
- Então, você vai colocar na ferida.
- Açúcar??? Mas a ferida vai ficar doce, doutora!
- Vai e vai ficar boa!!!
- Mas doutora...
- Qualquer coisa, me liga
- Mas... Está bem.
- E as outras feridas, doutora? As feridas da alma... posso colocar açúcar em tudo? Tudo vai ficar doce e cicatrizar? Posso carregar um avião de bombeiro jogar açúcar sobre a cidade? Posso fazer da Cidade Partida uma cidade doce? Cicatrizar as feridas como se apagasse um incêndio, doutora?
Olho para o telefone e olho para o texto. Vejo o telefone, o azul da parede, o computador, a luz, os livros da estante e o texto em que se lê:
“Na Europa, entretanto, todas (as bebidas: chá, café, chocolate) passaram a ser tomadas com açúcar, desde a época de sua introdução. É como se o amargor adoçado do chá pudesse produzir, no registro dos sentidos, o tipo de mudança moral que as pessoas desejavam em sua existência terrena – ‘os dias desta nossa peregrinação”(p. 606).
Apoio o texto e o celular sobre a mesa. Levo as mãos aos olhos, afasto a cadeira para trás, me curvo, apoio os cotovelos sobre o joelho e a cabeça sobre as mãos e reescrevo-me.
Aline Gama
- Oi, Aline, é doutora Márcia. Você deixou um recado na minha secretária, o que aconteceu?
- Pois é, a cauterização química criou uma ferida que não quer fechar. É uma região sensível.
- É, eu sei. O que você tem em casa de pomada? Fibrase, algum cicatrizante...
- Hum, talvez fibra...- Já sei! Sabe aquele açúcar que você coloca no café?
- Açúcar do café? Hum...Sei...
- Então, você vai colocar na ferida.
- Açúcar??? Mas a ferida vai ficar doce, doutora!
- Vai e vai ficar boa!!!
- Mas doutora...
- Qualquer coisa, me liga
- Mas... Está bem.
- E as outras feridas, doutora? As feridas da alma... posso colocar açúcar em tudo? Tudo vai ficar doce e cicatrizar? Posso carregar um avião de bombeiro jogar açúcar sobre a cidade? Posso fazer da Cidade Partida uma cidade doce? Cicatrizar as feridas como se apagasse um incêndio, doutora?
Olho para o telefone e olho para o texto. Vejo o telefone, o azul da parede, o computador, a luz, os livros da estante e o texto em que se lê:
“Na Europa, entretanto, todas (as bebidas: chá, café, chocolate) passaram a ser tomadas com açúcar, desde a época de sua introdução. É como se o amargor adoçado do chá pudesse produzir, no registro dos sentidos, o tipo de mudança moral que as pessoas desejavam em sua existência terrena – ‘os dias desta nossa peregrinação”(p. 606).
Apoio o texto e o celular sobre a mesa. Levo as mãos aos olhos, afasto a cadeira para trás, me curvo, apoio os cotovelos sobre o joelho e a cabeça sobre as mãos e reescrevo-me.
Aline Gama
2.4.09
Honrando o nome
A Cidade Partida agora tem muros físicos e de concreto que dividem floresta e favela. Sobre a questão dos muros "recomendo fortemente"*: Caldeira, T. P. d. R. (2000). Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo, Ed. 34/ Edusp.
Foto: Marcelo Carnaval - O Globo Online 27.03
Aline Gama
* expressão do meu ex-orientador.
30.3.09
“Quando os gatos saem, os ratos fazem a festa”
Estou caminhando pelo bairro onde moro como exercício para o físico e para alma. Ouço música, canto e penso em solucionar os problemas do mundo. Os meus primeiros, é claro! Por mim passam pessoas de todos os tipos, exercitando-se ou não.
Em um determinado momento, vejo duas meninas com jeans e mochilas, que devem estar a caminho ou saindo do colégio ou da recém iniciada graduação. Elas conversam e caminham devagar. Em mais algumas passadas rápidas, sei que as ultrapassarei.
Antes de mim e de frente para elas um menino negro, vestindo uma camisa suja e listrada, uma bermuda e descalço, vai de encontro e fala para elas alguma coisa, que o fone de ouvido me impede de escutar. Sinto um calafrio, um susto. É um assalto ou um pedido de dinheiro? Que diferença faz mesmo?
Meu coração acelera ainda mais. Eu tremo. O fone de ouvido toca uma música que não ouço. Quero correr e chorar, mas continuo. Rapidamente, pego o celular e penso no telefone da polícia. Não lembro. Não sei. Não uso. Chego mais perto. Passo por elas e não as vejo abrir a mochila. Continuo, olhando para trás. Elas respondem e passam pelo menino. Olham para mim. Sabiam que eu estava de olho. A conversa e a caminhada delas continuam. A minha também.
Penso que na próxima curva vou chegar no carro da polícia que sempre está lá. Caminho rápido e não encontro. É hora de almoço. Todos temos direito, mas poderia existir escala. O velho ditado se cumpre.
Aline Gama
Em um determinado momento, vejo duas meninas com jeans e mochilas, que devem estar a caminho ou saindo do colégio ou da recém iniciada graduação. Elas conversam e caminham devagar. Em mais algumas passadas rápidas, sei que as ultrapassarei.
Antes de mim e de frente para elas um menino negro, vestindo uma camisa suja e listrada, uma bermuda e descalço, vai de encontro e fala para elas alguma coisa, que o fone de ouvido me impede de escutar. Sinto um calafrio, um susto. É um assalto ou um pedido de dinheiro? Que diferença faz mesmo?
Meu coração acelera ainda mais. Eu tremo. O fone de ouvido toca uma música que não ouço. Quero correr e chorar, mas continuo. Rapidamente, pego o celular e penso no telefone da polícia. Não lembro. Não sei. Não uso. Chego mais perto. Passo por elas e não as vejo abrir a mochila. Continuo, olhando para trás. Elas respondem e passam pelo menino. Olham para mim. Sabiam que eu estava de olho. A conversa e a caminhada delas continuam. A minha também.
Penso que na próxima curva vou chegar no carro da polícia que sempre está lá. Caminho rápido e não encontro. É hora de almoço. Todos temos direito, mas poderia existir escala. O velho ditado se cumpre.
Aline Gama
26.3.09
23.3.09
Aqui & lá
Entro, sinto o ar gelado e sento, enquanto penso em tanta coisa que nada mais existe. De repente, ouço uma batida do meu lado direito que me desperta, mas só movo os olhos. Estou no metro, um menino e uma menina sentam ao meu lado e seus pais ficam em pé de frente para eles. Ele aponta para o símbolo, inscrito em um plástico azul.
- É do McDonald, acabei de ganhar...
- No Mac Lanche Feliz? Como funciona?
- É só mexer que sai o som, tem 03 tipos de...
Não presto mais atenção ao que ele diz, só percebo seu sotaque, mas não reconheço. O Brasil é um país grande. O que eles devem estar fazendo aqui? Visitando a família, conhecendo a cidade violenta e também Maravilhosa, indo a praia, ao cinema. Aparentam cansaço. São quase nove horas da noite de um sábado chuvoso. Devem ter passado a tarde em um shopping: cinema, pipoca, refrigerante, brinquedos, brinquedos, lanche e casa.
- Hum, bacana! Me deixa tentar? Gostei. Você tem sotaque. Você é de onde?
- Do sul...
- Você está aqui de férias?
- Não, férias é lá.
- Hum, quanto tempo você mora aqui?
- Tempo? Hum, tempo eu não sei...
Ele tem respostas ótimas para perguntas tão óbvias. Não ter noção da passagem do tempo e seguir o fluxo biológico é uma das melhores coisas da vida! Ouço ao fundo "I´m yours" no celular de alguém no vagão.
- Você já começou a aula?
- Já.
- Ano passado você estudou aqui ou lá?
- Aqui.
Era o que eu precisava saber...
- E você gosta mais daqui ou de lá?
- De lá!
Bingo! Era só isso que eu queria ouvir, além da música.
Aline Gama
- É do McDonald, acabei de ganhar...
- No Mac Lanche Feliz? Como funciona?
- É só mexer que sai o som, tem 03 tipos de...
Não presto mais atenção ao que ele diz, só percebo seu sotaque, mas não reconheço. O Brasil é um país grande. O que eles devem estar fazendo aqui? Visitando a família, conhecendo a cidade violenta e também Maravilhosa, indo a praia, ao cinema. Aparentam cansaço. São quase nove horas da noite de um sábado chuvoso. Devem ter passado a tarde em um shopping: cinema, pipoca, refrigerante, brinquedos, brinquedos, lanche e casa.
- Hum, bacana! Me deixa tentar? Gostei. Você tem sotaque. Você é de onde?
- Do sul...
- Você está aqui de férias?
- Não, férias é lá.
- Hum, quanto tempo você mora aqui?
- Tempo? Hum, tempo eu não sei...
Ele tem respostas ótimas para perguntas tão óbvias. Não ter noção da passagem do tempo e seguir o fluxo biológico é uma das melhores coisas da vida! Ouço ao fundo "I´m yours" no celular de alguém no vagão.
- Você já começou a aula?
- Já.
- Ano passado você estudou aqui ou lá?
- Aqui.
Era o que eu precisava saber...
- E você gosta mais daqui ou de lá?
- De lá!
Bingo! Era só isso que eu queria ouvir, além da música.
Aline Gama
19.3.09
16.3.09
Entre fios - parte II
- Você, que é ligada na arquitetura urbana, deve ter percebido como é isso aqui.
- Hum...
- É uma bagunça!
- Você olha para cima e vê essa quantidade absurda de fios. Não é à toa que de vez em quando acontece um incêndio.
Bagunça somos nós. Uma quantidade de fios que não se deixa perceber, sentimentos contraditórios, fios de sangue e de tecidos, mas nada causa incêndio. Tudo está em suspensão. Andamos por um.
- E se você olha para os prédios você vê que embaixo é uma coisa. Uma loja de roupas, de móveis, de comida... Tem de tudo! E em cima alguns têm um sobrado colonial caindo aos pedaços, outros pintaram e destruíram a fachada, transformado em qualquer outra coisa. É um crime isso! Essas pedras antigas são as mesmas do Pão de Açúcar. É uma raridade, mas aqui é uma zona. Cada um faz o que quer. Para mim, isso aqui é uma grande favela urbana.
Passado e presente se digladiam. O passado se enlaça pelos fios de eletricidade, de internet e de telefone ao presente das lojas de comidas a eletrodomésticos. Os fios são e estão no meio. Enlaçam, como os molhos da culinária, vista por Freyre e DaMatta. É assim que nos expressamos em nossa arquitetura. Concordo com você: a cidade é uma favela que se quer Maravilhosa. Dá-se um jeito. Perde-se o passado e tudo aquilo que poderíamos ter sido!
- Você conhece essa Igrejinha?
- Não. Você sabe de quem é?
- Não.
- Vamos entrar?
- Vamos.
- De fora você vê que esse camelô fez um furo e colocou um gancho para a sua lona.
- Que isso! Que absurdo!
- É assim! Ninguém toma conta de nada. Não existe regra e não existe vigilância.
Ele passa para a minha direita e fica para trás....Perco o de vista em uma Igreja tão pequenina. Caminho só até o altar para ter outra perspectiva da Igreja e ver de lá a Santa. Fico a olhar. Sagrado e profano invadem um ao outro em mim e em toda arquitetura da cidade. Uma profusão de entidades, santos, deuses, mestres em meio a discípulos pecadores. Não só no SAARA a ilegalidade é vizinha de porta do sagrado. Rapidamente, percebo estar só em um lugar que não desejo mais ficar. Apenas caminho para única saída que conheço.
Aline Gama
Entre fios - parte I
- Hum...
- É uma bagunça!
- Você olha para cima e vê essa quantidade absurda de fios. Não é à toa que de vez em quando acontece um incêndio.
Bagunça somos nós. Uma quantidade de fios que não se deixa perceber, sentimentos contraditórios, fios de sangue e de tecidos, mas nada causa incêndio. Tudo está em suspensão. Andamos por um.
- E se você olha para os prédios você vê que embaixo é uma coisa. Uma loja de roupas, de móveis, de comida... Tem de tudo! E em cima alguns têm um sobrado colonial caindo aos pedaços, outros pintaram e destruíram a fachada, transformado em qualquer outra coisa. É um crime isso! Essas pedras antigas são as mesmas do Pão de Açúcar. É uma raridade, mas aqui é uma zona. Cada um faz o que quer. Para mim, isso aqui é uma grande favela urbana.
Passado e presente se digladiam. O passado se enlaça pelos fios de eletricidade, de internet e de telefone ao presente das lojas de comidas a eletrodomésticos. Os fios são e estão no meio. Enlaçam, como os molhos da culinária, vista por Freyre e DaMatta. É assim que nos expressamos em nossa arquitetura. Concordo com você: a cidade é uma favela que se quer Maravilhosa. Dá-se um jeito. Perde-se o passado e tudo aquilo que poderíamos ter sido!
- Você conhece essa Igrejinha?
- Não. Você sabe de quem é?
- Não.
- Vamos entrar?
- Vamos.
- De fora você vê que esse camelô fez um furo e colocou um gancho para a sua lona.
- Que isso! Que absurdo!
- É assim! Ninguém toma conta de nada. Não existe regra e não existe vigilância.
Ele passa para a minha direita e fica para trás....Perco o de vista em uma Igreja tão pequenina. Caminho só até o altar para ter outra perspectiva da Igreja e ver de lá a Santa. Fico a olhar. Sagrado e profano invadem um ao outro em mim e em toda arquitetura da cidade. Uma profusão de entidades, santos, deuses, mestres em meio a discípulos pecadores. Não só no SAARA a ilegalidade é vizinha de porta do sagrado. Rapidamente, percebo estar só em um lugar que não desejo mais ficar. Apenas caminho para única saída que conheço.
Aline Gama
Entre fios - parte I
12.3.09
Forwarded message II - Rio de Janeiro em 1967
"O helicóptero pertencia à antiga Companhia VOTEC (Voos Técnicos e Executivos), facilmente identificada pela logo-marca. Foi a primeira empresa contratada para efetuar voos para as plataformas marítimas da PETROBRAS. Trata-se de um clip gravado durante a produção do filme "Roberto Carlos em ritmo de aventura", elaborado em plena época da Jovem Guarda. Na travessia do Túnel Novo, o trânsito foi interrompido e pode-se ver alguns veículos aguardando o término da acção. Ainda não existiam a Torre do Rio Sul ou o Condomínio Morada do Sol. A Avenida Atlântica possuía, apenas, uma pista de rolamento. Ao passar pela Cinelândia (Avenidas 13 de Maio e Rio Branco) pode ser visto o antigo Senado Federal (conhecido como Palácio Monroe) demolido durante as obras do Metrô Rio (não perguntem por quê).
O pouso foi feito no prédio do antigo Banco do Estado da Guanabara, hoje, Banco Itaú S.A., na Avenida Nilo Peçanha, provavelmente, o único heliporto existente, então, no centro da cidade. Naquela época que deixou muitas saudades, o Rio de Janeiro era chamado de Estado da Guanabara. O piloto que realizou este voo já faleceu e pelas normas actuais de segurança seria impossível realizar um procedimento semelhante. Até hoje se elogia a habilidade do piloto em passar pelo túnel, em uma única passagem, sem um treinamento mais específico...
Rodrigo Fernandes Lima."
Veja também o vídeo Rio de Janeiro em 1936!
Ctrl+c,Ctrl+v de e-mail, Aline Gama
9.3.09
Há inteligência no poder?
Foi notícia na sexta, dia 05 de março, no SBT-Rio, que uma quadrilha de assaltantes foi presa. Nas filmagens, os quatro homens tinham marcas de tortura. Antes de serem achados pela polícia, foram pegos pelo tráfico e torturados, pois o assalto que vira notícia, como todos nós sabemos, prejudica o comércio de drogas nas favelas próximas porque chama os policiais a ação. A polícia, além de inibir os negócios, pede arrego* para não acabar com o tráfico local. Sendo assim, a lei do tráfico é: atrapalhou os negócios, paga com tortura ou muitas vezes com a própria vida como aconteceu com os dois assaltantes de André. Segundo a mesma notícia, eles também foram mortos pelo tráfico.
Ao conversar com qualquer morador de favela do Rio, ele pode contar que os traficantes sabem quando a polícia vai agir. Eles se preparam para o confronto, escondendo aonde podem a maioria das drogas, informações dos negócios e armamentos, deixando que a polícia apreenda alguma coisa. A polícia mostra nos jornais, que também foram avisados da ação policial, as armas, as drogas, os números de presos e mortos.
Mas a ação quase nunca resolve a questão porque é pontual. O comércio se restabelece rapidamente. Quando a polícia sai do local, novas drogas e armamentos são adquiridos através da corrupção que se espalha por toda a cidade. Os traficantes, crianças e adolescentes mortos, que viram números nos institutos de pesquisa, são substituídos.
Gráficos estatísticos extremamente complexos cruzam informações de faixa etária com cor da pele, profissão e local de moradia para dizer que o comércio, que continua ilegal, continua matando. Com tais informações, os institutos elaboram novos projetos, financiados pelo governo, que se propõem a continuar a contagem do número de mortos em detalhes sórdidos. O mesmo governo também financia a inteligência e a força policial. O dinheiro do financiamento é adquirido com empréstimos internacionais que serão pagos com os impostos.
Além de pagar pela ação da polícia e pelos institutos de pesquisas, também pagamos as ONGs e os tratamentos de saúde daqueles que não morreram, mas sofreram física ou psicologicamente com a violência cometida. Os adolescentes e crianças que ganham R$500,00 em uma semana, pagam o arrego dos policiais e sabem que se forem pego não ficarão presos, não trocam a curta vida do tráfico por bolsa família, bolsa escola, bater lata, dançar ou jogar bola em alguma ONG. O governo, que financia ONGs, institutos de pesquisas e ações policiais, não tem verba para competir com o apelo financeiro do tráfico.
No entanto, institutos de pesquisa e inteligência policial já adquiriram conhecimento do território, dos diferentes agentes e locais de ação do tráfico, mas não propõem novas estratégias de ação. Assim, o modo de produção industrial do tráfico continua. Se há alguma inteligência, ela é usada para manter essa rede de produção e comércio, pois usar armas e diferentes tipos de violência física para combate está longe de ser uma medida eficiente.
Aline Gama
* tipo de suborno usado pelo tráfico com drogas e dinheiro para o policial não prender e impedir a venda de drogas.
Ao conversar com qualquer morador de favela do Rio, ele pode contar que os traficantes sabem quando a polícia vai agir. Eles se preparam para o confronto, escondendo aonde podem a maioria das drogas, informações dos negócios e armamentos, deixando que a polícia apreenda alguma coisa. A polícia mostra nos jornais, que também foram avisados da ação policial, as armas, as drogas, os números de presos e mortos.
Mas a ação quase nunca resolve a questão porque é pontual. O comércio se restabelece rapidamente. Quando a polícia sai do local, novas drogas e armamentos são adquiridos através da corrupção que se espalha por toda a cidade. Os traficantes, crianças e adolescentes mortos, que viram números nos institutos de pesquisa, são substituídos.
Gráficos estatísticos extremamente complexos cruzam informações de faixa etária com cor da pele, profissão e local de moradia para dizer que o comércio, que continua ilegal, continua matando. Com tais informações, os institutos elaboram novos projetos, financiados pelo governo, que se propõem a continuar a contagem do número de mortos em detalhes sórdidos. O mesmo governo também financia a inteligência e a força policial. O dinheiro do financiamento é adquirido com empréstimos internacionais que serão pagos com os impostos.
Além de pagar pela ação da polícia e pelos institutos de pesquisas, também pagamos as ONGs e os tratamentos de saúde daqueles que não morreram, mas sofreram física ou psicologicamente com a violência cometida. Os adolescentes e crianças que ganham R$500,00 em uma semana, pagam o arrego dos policiais e sabem que se forem pego não ficarão presos, não trocam a curta vida do tráfico por bolsa família, bolsa escola, bater lata, dançar ou jogar bola em alguma ONG. O governo, que financia ONGs, institutos de pesquisas e ações policiais, não tem verba para competir com o apelo financeiro do tráfico.
No entanto, institutos de pesquisa e inteligência policial já adquiriram conhecimento do território, dos diferentes agentes e locais de ação do tráfico, mas não propõem novas estratégias de ação. Assim, o modo de produção industrial do tráfico continua. Se há alguma inteligência, ela é usada para manter essa rede de produção e comércio, pois usar armas e diferentes tipos de violência física para combate está longe de ser uma medida eficiente.
Aline Gama
* tipo de suborno usado pelo tráfico com drogas e dinheiro para o policial não prender e impedir a venda de drogas.
5.3.09
Elegia da rebeldia
"Eu não gosto do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto
Eu agüento até rigores
Eu não tenho pena dos traídos
Eu hospedo infratores e banidos
Eu respeito conveniências
Eu não ligo pra conchavos
Eu suporto aparências
Eu não gosto de maus tratos
Mas o que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto
Eu agüento até os modernos
E seus segundos cadernos
Eu agüento até os caretas
E suas verdades perfeitas
O que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto
Eu agüento até os estetas
Eu não julgo competência
Eu não ligo pra etiqueta
Eu aplaudo rebeldias
Eu respeito tiranias
E compreendo piedades
Eu não condeno mentiras
Eu não condeno vaidades
O que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto
Eu gosto dos que têm fome
Dos que morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem"
Música da Adriana Calcanhoto, que eu queria ter escrito, está tocando muitas vezes por dia na minha mente e no meu som porque a morte ainda dói.
Aline Gama
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto
Eu agüento até rigores
Eu não tenho pena dos traídos
Eu hospedo infratores e banidos
Eu respeito conveniências
Eu não ligo pra conchavos
Eu suporto aparências
Eu não gosto de maus tratos
Mas o que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto
Eu agüento até os modernos
E seus segundos cadernos
Eu agüento até os caretas
E suas verdades perfeitas
O que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto
Eu agüento até os estetas
Eu não julgo competência
Eu não ligo pra etiqueta
Eu aplaudo rebeldias
Eu respeito tiranias
E compreendo piedades
Eu não condeno mentiras
Eu não condeno vaidades
O que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto
Eu gosto dos que têm fome
Dos que morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem"
Música da Adriana Calcanhoto, que eu queria ter escrito, está tocando muitas vezes por dia na minha mente e no meu som porque a morte ainda dói.
Aline Gama
2.3.09
Cidade das cores
26.2.09
A morte de AZ
Mataram na madrugada de hoje um fotógrafo do jornal O DIA que muito provavelmente seria um dos informantes da minha pesquisa de doutorado se mais um episódio de violência não interrompesse mais uma vida na Cidade Perdida.
Conheci André em uma trilha no dia 20.09.2008, conversamos um pouco e ao chegar em casa nos adicionamos no orkut. Foi quando descobri que André, além de bonito e simpático, era um fotógrafo jovem e dos bons. Como ainda estava em processo de seleção para o doutorado, não falei muito sobre a pesquisa com fotojornalistas. Tudo era incerto. Existe um tempo entre passar na seleção, cursar disciplinas e começar o trabalho de campo, mas mal sabia eu que incerto é a vida de todos nós que transitamos nas ruas do Rio de Janeiro. Ao ver na televisão a notícia da morte de André, perdi o chão. Os e-mails dele ainda estão em minha caixa de entrada e seu celular em minha agenda.
Que inferno! Que absurdo! Mais um!!! Como é possível nem começar uma pesquisa e já ter uma história de morte para contar? Não é isso que eu quero! E os meus outros possíveis informantes - Tristão, Márcia Folleto, Severino, Custódio, Evandro, etc – sobreviverão? Eu sobreviverei? Será mais uma história a ser esquecida nas páginas dos jornais e nas estatísticas policiais do Rio de Janeiro?
Aline Gama
Conheci André em uma trilha no dia 20.09.2008, conversamos um pouco e ao chegar em casa nos adicionamos no orkut. Foi quando descobri que André, além de bonito e simpático, era um fotógrafo jovem e dos bons. Como ainda estava em processo de seleção para o doutorado, não falei muito sobre a pesquisa com fotojornalistas. Tudo era incerto. Existe um tempo entre passar na seleção, cursar disciplinas e começar o trabalho de campo, mas mal sabia eu que incerto é a vida de todos nós que transitamos nas ruas do Rio de Janeiro. Ao ver na televisão a notícia da morte de André, perdi o chão. Os e-mails dele ainda estão em minha caixa de entrada e seu celular em minha agenda.
Que inferno! Que absurdo! Mais um!!! Como é possível nem começar uma pesquisa e já ter uma história de morte para contar? Não é isso que eu quero! E os meus outros possíveis informantes - Tristão, Márcia Folleto, Severino, Custódio, Evandro, etc – sobreviverão? Eu sobreviverei? Será mais uma história a ser esquecida nas páginas dos jornais e nas estatísticas policiais do Rio de Janeiro?
Aline Gama
23.2.09
Cidade do barulhinho bom
Ziriquidum, baticudum, nheco-nheco, tam-tam zas-zas, zas-zas, tum-tum, nheco-nheco, baticudum, ziriquidum, tam-tam zas-zas, zas-zas, tum-tum, nheco-nheco, pam-pam, zas-zas, zas-zas, tum-tum, nheco-nheco, baticudum, ziriquidum...
Aline Gama
Foto: Bloco Me Esquece que é Carnaval, de Aline Gama do celular.
19.2.09
Vik no Rio
Vik e suas obras estão no Rio pela segunda vez em uma grande retrospectiva de seus 20 anos trabalho. Na primeira, nos idos de 2001, eu, ainda menina e estagiaria, conversei e fotografei ele fazendo caras bocas com sua namorada, Janaina Tschape. Ontem, nem sequer consegui ouvir ecos de sua voz na palestra. Fiquei do lado de fora com mais 30 pessoas. Voltei, então, a passear por suas obras...
Apesar de já ter visto muitas daquelas imagens, foi como se fosse a primeira vez. Suas correlações assustam. Mostram o estranho que há em nós humanos ocidentais. O mapa-mundi de Vik é um grande resto de computadores que dá o que pensar. Basta perceber em que países estão as CPUs. Os diamantes e o caviar estão naquilo que valorizamos: as divas e os monstros hoollywoodianos. O resto daquilo que produzimos, o lixo e a sucata, nos trazem a imagem de crianças órfãs e de trabalhadores do lixão de Gramacho.
É isso que queremos produzir? Somos isso?! Poderiam eles, catadores e crianças, formarem imagens com diamantes, chocolates e geléias? Essas são as perguntas que eu não fiz.
Tenho quase certeza que ele responderia que sim. Afinal, as crianças fazem poses de obras de arte. Vik as reconstrói com chinelos de borracha, tampas de vaso sanitário, arames, pneus, tecidos, garrafas pets, carcaça de orelhão, elasticos, cordas, roupas etc. São os nossos restos que mostram o resto de nós, mas que são incluídas por ele no belo. Vik é genial ao nos reapresentar em pixels, em recortes de revistas, em restos, em brinquedos, em linhas e em grãos a arte.
Aline Gama
Foto: Aline Gama - mar 2001
16.2.09
Cidade Chuvosa
Tenho que escolher calça, casaco, blusa, bota ou tênis e usar guarda-chuva, quando só queria me enfiar em um vestido e sair para um chope gelado em uma noite quente. Ando desejando o sol, gosto da água, mas prefiro no mar, no chuveiro, no copo, na cachoeira e não descendo do céu, molhando meu ir e vir.
Tá bem...Eu sei. Somos feitos de sol e chuva. No mais são histórias, mas até elas são tristes como a chuva ou alegres como os dias de sol...
Aline Gama
Foto: Cris D
12.2.09
Entre fios – parte I
Recebo o convite depois desse post para ir ao SAARA e penso, porque sou abusada, que é uma boa oportunidade de transformar ele em um informante sobre essa cidade que para mim é Maravilhosa e Partida.
Assim, diferente da relação estabelecida nos últimos anos, no caminho para encontrá-lo, penso que ele tem pós-doutorado na França, conhece mais cidades e fala mais línguas que eu, se define como Sociólogo Urbano e sua primeira publicação é de 1986. Penso também se li alguma coisa parecida com o que pretendendo fazer. Muitos escreveram sobre pesquisar em sua própria cidade e da relação proximidade e distância, que oscila quando vamos em busca de conhecer algo através de alguém que julgamos próximos. Mas quando se tem admiração, como proceder, que técnicas usar, como não errar...
Pertencemos à mesma cultura e vivemos na mesma cidade há alguns anos. Ele nada sabe que será mais que um encontro e eu ainda estou em processo de formulação do que fazer durante e depois do passeio. As dúvidas surgem: vou só observar, o que devo perguntar, que horas e quando, tiro um caderno de campo para anotações, devo contar a ele, como e quando.
- Oi, quanto tempo? Quase não te reconheci de boné! (nos abraçamos) Você está todo suado!
- Esse sol absurdo! Também são 11h30, já dei algumas voltas e você me disse que vinha mais cedo.
- Desculpa o atraso.
- E ai, aonde vamos?
- Não sei. Hoje, você vai me guiar! Não conheço e não sei nada.
- Venho aqui algumas vezes como exercício profissional e também por necessidade de compras. Você encontra de um tudo aqui, qualquer tipo de mercadoria e pessoas das mais diferentes origens. É sempre impressionante!
- Hum, você vai ser meu informante!
Estamos no dia 14 de janeiro, época em que o Rio de Janeiro recebe muitos turistas e que muitos trabalhadores tiram férias por ser Verão e mês de férias escolares. Como é um dia comum, sem proximidade com feriados e festas, o público que circula pelo bairro do Centro é em sua maioria de pessoas que veem até a região para trabalhar que são jovens e adultos até a faixa de 60 anos. Vimos trabalhadores de diferentes níveis: homens e mulheres vestidos como executivos com calças sociais, camisas sociais, blasers e vestidos; homens e mulheres vestidos como ambulantes com bermudas, t-shirts, tops e jeans; e alguns estrangeiros que são percebidos pela cor de pele e cabelos e pela conversa em espanhol.
- Tá... A primeira coisa que quero te mostrar é essa vala de esgoto que passa do lado dos camelôs. É um cheiro horroroso e as pessoas trabalham assim. Não reclamam*. Eu venho aqui, vejo isso e outras coisas que vou mostrar depois e penso que essa cidade não tem jeito. É lamentável! Quero te mostrar coisas da arquitetura, vamos seguir por aqui...
A frase – “essa cidade não tem jeito” - me corta a alma, ainda mais vindo dele. Sou jovem demais para aceitar. Penso que o Rio tem um jeito que é nosso e que nesse jeito é possível existir e ser feliz. No entanto, nós - pesquisadores ou não - ainda estamos descobrindo qual é esse nosso jeito e, principalmente, como funciona e quando para que possamos ser melhores do que ontem. Essa sim é a minha grande questão!
*link para o vídeo de uma outra vala de esgoto que vi quase um mês depois (09.02.2009) e que me deu coragem para escrever.
Aline Gama
Assim, diferente da relação estabelecida nos últimos anos, no caminho para encontrá-lo, penso que ele tem pós-doutorado na França, conhece mais cidades e fala mais línguas que eu, se define como Sociólogo Urbano e sua primeira publicação é de 1986. Penso também se li alguma coisa parecida com o que pretendendo fazer. Muitos escreveram sobre pesquisar em sua própria cidade e da relação proximidade e distância, que oscila quando vamos em busca de conhecer algo através de alguém que julgamos próximos. Mas quando se tem admiração, como proceder, que técnicas usar, como não errar...
Pertencemos à mesma cultura e vivemos na mesma cidade há alguns anos. Ele nada sabe que será mais que um encontro e eu ainda estou em processo de formulação do que fazer durante e depois do passeio. As dúvidas surgem: vou só observar, o que devo perguntar, que horas e quando, tiro um caderno de campo para anotações, devo contar a ele, como e quando.
- Oi, quanto tempo? Quase não te reconheci de boné! (nos abraçamos) Você está todo suado!
- Esse sol absurdo! Também são 11h30, já dei algumas voltas e você me disse que vinha mais cedo.
- Desculpa o atraso.
- E ai, aonde vamos?
- Não sei. Hoje, você vai me guiar! Não conheço e não sei nada.
- Venho aqui algumas vezes como exercício profissional e também por necessidade de compras. Você encontra de um tudo aqui, qualquer tipo de mercadoria e pessoas das mais diferentes origens. É sempre impressionante!
- Hum, você vai ser meu informante!
Estamos no dia 14 de janeiro, época em que o Rio de Janeiro recebe muitos turistas e que muitos trabalhadores tiram férias por ser Verão e mês de férias escolares. Como é um dia comum, sem proximidade com feriados e festas, o público que circula pelo bairro do Centro é em sua maioria de pessoas que veem até a região para trabalhar que são jovens e adultos até a faixa de 60 anos. Vimos trabalhadores de diferentes níveis: homens e mulheres vestidos como executivos com calças sociais, camisas sociais, blasers e vestidos; homens e mulheres vestidos como ambulantes com bermudas, t-shirts, tops e jeans; e alguns estrangeiros que são percebidos pela cor de pele e cabelos e pela conversa em espanhol.
- Tá... A primeira coisa que quero te mostrar é essa vala de esgoto que passa do lado dos camelôs. É um cheiro horroroso e as pessoas trabalham assim. Não reclamam*. Eu venho aqui, vejo isso e outras coisas que vou mostrar depois e penso que essa cidade não tem jeito. É lamentável! Quero te mostrar coisas da arquitetura, vamos seguir por aqui...
A frase – “essa cidade não tem jeito” - me corta a alma, ainda mais vindo dele. Sou jovem demais para aceitar. Penso que o Rio tem um jeito que é nosso e que nesse jeito é possível existir e ser feliz. No entanto, nós - pesquisadores ou não - ainda estamos descobrindo qual é esse nosso jeito e, principalmente, como funciona e quando para que possamos ser melhores do que ontem. Essa sim é a minha grande questão!
*link para o vídeo de uma outra vala de esgoto que vi quase um mês depois (09.02.2009) e que me deu coragem para escrever.
Aline Gama
9.2.09
Em 1901, na Revolta das Carnes Verdes...
"Do outro lado, na praça Tiradentes esquina com rua do Lavradio, um grupo que nada tinha a ver com os protestos aguardava pacificamente a chegada da condução quando foi surpreendido por uma escolta de policiais que atirou a esmo na direção das pessoas totalmente desprotegidas. Foi uma verdadeira chacina e, ao cessarem os tiros, jaziam na calçada dois mortos e vários feridos. Destes, alguns faleceram na Santa Casa, para onde haviam sido removidos. Diante da selvageria da investida, ecoou por toda cidade um clamor de indignação. No Senado, debates foram travados condenando veementemente a ação da polícia." (Gazeta de Notícias, 18 de junho de 1901 - do livro a Cidade Rebelde de Jane Santucci)
Hoje, os jornais nos contam que há uma inteligência por trás. Acredite se quiser.
Aline Gama
Hoje, os jornais nos contam que há uma inteligência por trás. Acredite se quiser.
Aline Gama
5.2.09
Até quando?
2.2.09
A fantasia da favela
Desço da parte de cima do armário a minha bolsa de adereços para o início de mais uma temporada de Carnaval. A minha primeira opção foi ser um anjo, mas hesitei por causa do local da festa, dos convidados e, principalmente, porque na vida real é sempre muito difícil ser anjo. Pensei na Minie. Diferente do anjo que tem asas para serem colocadas mais perto da festa, eu sairia de casa já fantasiada. Diante dos olhares de interrogação, das brincadeiras com as crianças e das piadas dos homens, eu iria incorporando a personagem, mas uma outra amiga já ia ser a Minie. Então, de vestido branco, acessórios dourados e asas na bolsa, parti.
Retoco a maquiagem, coloco as asas e cumprimento os dois anfitriões, uma carioca vestida de vedete e mais um estrangeiro, que escolheu morar na Cidade Maravilhosa, vestido de compositor de escola de samba. O aniversário é dela que conheci em dezembro e abre sua enorme casa para festa. Ele logo me avisa que serei a única “ângelo” da festa e me apresenta a família, os três filhos, mãe, irmão, amigos daqui do Rio e de lá do outro país.
O médico, a nega maluca, a Minie, a gata preta, a onça, a miss, a havaiana, os surfistas, os hippies, os policiais, as bruxas, o pirata em meio a uns poucos vestidos de fantasia da vida real comem, bebem, conversam e dançam hip hop, rock brasileiro e funk.
- Oi, tudo bem? Qual o seu nome meu anjo?
- Aline
- Quero saber de você se vamos todos pro céu ou pro inferno?
- Para o inferno!
- Ah não! Jura? Eu acho que vai todo mundo para o céu. Para mim o inferno é aqui: trabalho, falta de dinheiro, doenças, brigas...O inferno não é aqui, não?
- Hum...
- É...
Intui que a fantasia poderia me trazer a vida real e fui avisada pelo dono da festa.
- Talvez...Mas, me diga o que você quer fazer no céu?
- Não, eu não quero ir para o céu agora, mas vou, se for com você.
- Olha agora eu não posso. Estou protegendo uns seres humanos em uma festa a fantasia.
- Quando você pode? Anjo tem telefone?
- Não, anjo só ouve preces e a vinda na Terra é muito atribulada, só vendo a minha agenda com os Santos.
O médico, a nega maluca, a Minie, a gata preta, a onça, a miss, a havaiana, os surfistas, os hippies, os policiais, as bruxas, o pirata em meio a uns poucos vestidos de fantasia da vida real cantam parabéns, comem bolo, bebem refrigerante, conversam e dançam samba e pagode até cansar.
Tiro a minha asa, coloco na bolsa e escuto “A anjo já foi embora?”. Retribuo com um sorriso e saio. Desço a rua, apreciando o visual. Estou em um dos pontos mais altos do Rio. Vejo a Baia da Guanabara, a Lagoa Rodrigo de Freitas, as praias e esse chão de estrelas que é toda a cidade durante noite. Passo por meninos, apertando um baseado, outros de moto e entro no ônibus rumo a minha casa. Penso em comer uma pizza no caminho e em escrever aqui. Ligo para uma amiga que não consigo encontrar para um chope.
Chego perto de casa, que fica em frente a uma praça. Nela vejo mais meninos com suas motos estacionadas, conversando, fumando maconha e jogando biriba. Penso na semelhança, na escolha da fantasia, nas inúmeras ligações, na conversa da praia, no banho, nas rezas e também que durante toda essa preparação na superfície queria muito ir e aproveitar a festa como fiz, mas no fundo no fundo estava morrendo de medo de estar em uma favela no Rio de Janeiro.
Aline Gama
Retoco a maquiagem, coloco as asas e cumprimento os dois anfitriões, uma carioca vestida de vedete e mais um estrangeiro, que escolheu morar na Cidade Maravilhosa, vestido de compositor de escola de samba. O aniversário é dela que conheci em dezembro e abre sua enorme casa para festa. Ele logo me avisa que serei a única “ângelo” da festa e me apresenta a família, os três filhos, mãe, irmão, amigos daqui do Rio e de lá do outro país.
O médico, a nega maluca, a Minie, a gata preta, a onça, a miss, a havaiana, os surfistas, os hippies, os policiais, as bruxas, o pirata em meio a uns poucos vestidos de fantasia da vida real comem, bebem, conversam e dançam hip hop, rock brasileiro e funk.
- Oi, tudo bem? Qual o seu nome meu anjo?
- Aline
- Quero saber de você se vamos todos pro céu ou pro inferno?
- Para o inferno!
- Ah não! Jura? Eu acho que vai todo mundo para o céu. Para mim o inferno é aqui: trabalho, falta de dinheiro, doenças, brigas...O inferno não é aqui, não?
- Hum...
- É...
Intui que a fantasia poderia me trazer a vida real e fui avisada pelo dono da festa.
- Talvez...Mas, me diga o que você quer fazer no céu?
- Não, eu não quero ir para o céu agora, mas vou, se for com você.
- Olha agora eu não posso. Estou protegendo uns seres humanos em uma festa a fantasia.
- Quando você pode? Anjo tem telefone?
- Não, anjo só ouve preces e a vinda na Terra é muito atribulada, só vendo a minha agenda com os Santos.
O médico, a nega maluca, a Minie, a gata preta, a onça, a miss, a havaiana, os surfistas, os hippies, os policiais, as bruxas, o pirata em meio a uns poucos vestidos de fantasia da vida real cantam parabéns, comem bolo, bebem refrigerante, conversam e dançam samba e pagode até cansar.
Tiro a minha asa, coloco na bolsa e escuto “A anjo já foi embora?”. Retribuo com um sorriso e saio. Desço a rua, apreciando o visual. Estou em um dos pontos mais altos do Rio. Vejo a Baia da Guanabara, a Lagoa Rodrigo de Freitas, as praias e esse chão de estrelas que é toda a cidade durante noite. Passo por meninos, apertando um baseado, outros de moto e entro no ônibus rumo a minha casa. Penso em comer uma pizza no caminho e em escrever aqui. Ligo para uma amiga que não consigo encontrar para um chope.
Chego perto de casa, que fica em frente a uma praça. Nela vejo mais meninos com suas motos estacionadas, conversando, fumando maconha e jogando biriba. Penso na semelhança, na escolha da fantasia, nas inúmeras ligações, na conversa da praia, no banho, nas rezas e também que durante toda essa preparação na superfície queria muito ir e aproveitar a festa como fiz, mas no fundo no fundo estava morrendo de medo de estar em uma favela no Rio de Janeiro.
Aline Gama
26.1.09
22.1.09
Cidade Grande X Cidade Pequena
Qual é a possibilidade ou probabilidade, em uma cidade de 6 milhões de habitantes, do filho de um dentista e da neta do paciente desse dentista se encontrarem? Sabendo-se que a neta e o filho têm 20 anos de diferença de idade, pertencem a diferentes famílias, têm formações profissionais diferentes, moram em bairros diferentes e possuem diferentes níveis de renda.
O campo de possibilidades da Sociologia e a teoria das cordas da Física Quântica explicam esse encontro que transforma qualquer cidade grande, nesse caso o Rio de Janeiro, em uma vila de no máximo 10 casas.
Aline Gama
Foto: Flávio - Trilhas do Rio de Janeiro
19.1.09
Pequenas histórias sobre São Sebastião
São Sebastião é mártir, sepultado na Via Ápia em Roma e comemorado no dia 20 de janeiro. Segundo Santo Ambrósio, Sebastião nasceu em Milão, onde já era venerado em fins do século IV. O cerne da narrativa diz que São Sebastião, nascido na Gália, era oficial da guarda imperial em Roma, na época de Diocleciano. Quando descobriram que era cristão foi sentenciado a morrer por flechadas. Os arqueiros deram-no por morto, mas seus ferimentos foram curados pela viúva de outro mártir, São Castelo. Ao saber disso, Diocleciano ordenou que Sebastião fosse surrado a pauladas até morrer. O emblema de São Sebastião é uma Flecha.
Um dos mitos da tutela do Santo no Rio de Janeiro conta dos milagres recebidos pelos portugueses, chefiados por Estácio de Sá, que venceram a resistência de franceses e Tamoios na cidade em 1567. Os projéteis dos franceses que atingiram os peitos nus dos homens de Estácio – um tal Luís d’Almeida e um índio batizado Marcos, entre outros –, não causaram nenhum dano físico, como se eles estivessem de armadura. É recorrente também a afirmação de que as feridas das flechadas contra os cristãos rapidamente saravam, o que era tido por milagre de São Sebastião, segundo Manuel de Menezes e Simão de Vasconcellos. O milagre por excelência, narrado por diversos cronistas, foi "a aparição de São Sebastião, como um desconhecido “soldado gentilhomem”, “de notável postura e beleza”, saltando de canoa em canoa e assustando os inimigos, segundo o que teriam afirmado os próprios tamoios e franceses, após fugirem e desarranjarem uma cruel e desigual arapuca de canoas forjada contra os da cidade".
De acordo com os raríssimos editais do fim do século XVIII e início do XIX, preservados no códice 16-4-21 do Arquivo Geral da Cidade, os habitantes deviam ornar suas portas com luminárias nas três noites antecedentes ao dia do “Glorioso Mártir”, sob o risco de serem multados, no que variou de 3$000 a 6$000 réis, entre 1799 e 1808. Além, é claro, dos 30 dias de cadeia, previstos e publicados em todos os editais consultados (AGCRJ, Cód. 16-4-21).
Referências:
- Attwater D. Dicionário dos santos. São Paulo: Círculo do Livro; 1983:p.259/260.
- Cardoso V. M. A Legenda Dardejda: São Sebastião como símbolo identitário no Rio de Janeiro do Antigo Regime. In: XIII Encontro Regional de História Anpuh-Rio, 2008, Seropédic. XIII Encontro de História Anpuh-Rio. Programas e Resumos.. Rio de Janeiro : Armazém das Letras, 2008. p. 80-81.
Aline Gama